umuaramaHá 27 anos o grande desafio da Pastoral da Criança era o alto índice de mortalidade infantil ocasionada pela desnutrição. A falta de saneamento, de conhecimentos básicos, fazia com que crianças morressem, inclusive, com uma simples diarréia ou por infecção adiquirida pela mamadeira contaminada. A questão nutricional sempre foi de grande relevância nos trabalhos da pastoral. Tentou-se implantar as hortas comunitárias, mas elas vingaram apenas no Rio de Janeiro e São Paulo. Aqui, as "armas" da pastoral têm sido a reeducação alimentar e as hortas caseiras, para tentar combater uma realidade que já foi inversa: a obesidade infantil.

Segundo a coordenadora diocesana da Pastoral da Criança em Umuarama, irmã Clarice Monteiro Anjos, em um bairro da cidade, de 31 crianças, 9 estão em situação de risco nutricional e 22 estão com sobrepeso. Não basta culpar a falta de atividade e alimentação errada como motivadoras desse dado, para Clarice, a explicação é bem mais complexa do que parece.

 Ela explana que as famílias estão com mais acesso aos alimentos do que há 27 anos, no entanto não há qualidade nessa comida. Hoje, com as creches e escolas, os filhos ficam bem mais distantes dos olhos paternos. Há também a questão da alimentação inadequada: muita bolacha, salgadinhos, refrigerantes e não há o hábito de comer verduras e legumes, pois essa é uma alimentação mais cara. "É mais barato comprar um pacote de bolacha do que algumas maçãs", ilustra a coordenadora. O espaço de lazer serve para complementar a problemática: a televisão, o computador tomaram o lugar do parquinho, do jogo de bola, etc., e assim o corpo vai sendo esquecido e as crianças ficam cada vez mais sedentárias e atrofiadas. "Às vezes os pais não percebem a gravidade de uma criança gorda, não entendem as seqüelas disso", argumenta. Criança gorda não é criança "fofinha", mas um pequeno ser que pode estar, involuntariamente, plantando doenças.

Pessoas que conhecem a comunidade e a sua realidade intrinsecamente são os nomeados líderes da Pastoral, que potencializados com noções básicas de saúde, sobretudo nutricionais, aplicarão as políticas de atendimento da Pastoral da Criança. Em Umuarama, Santa Eliza e Cruzeiro do Oeste são 200 líderes que assistem 1500 crianças. No Brasil, da gestação até os seis anos de idade são 260.000 acompanhados.

A questão da obesidade alterou até mesmo o sistema da Pastoral. Antes, ela tinha o trabalho de tirar a criança do risco nutricional, não importasse a idade. Hoje, se a criança já tem dois anos e está em um nível de risco nutricional, o trabalho será apenas para manter o peso que ela já tem, pois senão correrá o risco do sobrepeso.

Em uma experiência numa comunidade, enquanto as mães eram orientadas sobre como preparar de maneira saudável a alimentação dos filhos, uma cesta foi colocada diante das crianças com salgadinhos, bolachas, doces, chocolates, maçãs, pêras, bananas. O que sobrou não é nenhum pouco imprevisível: apenas as frutas. "Nossa missão frente a isso é transformar informações básicas em uma ação capaz de salvar vidas e de propor vidas locais", finaliza a irmã.

ENTENDA A METODOLOGIA

O trabalho da Pastoral da Criança é dividido em três ações. A primeira parte é a da visita. Cada líder tem de 10 a 15 crianças que acompanha. Ao chegar no lar eles analisam fatores básicos de higiene, alimentação, escolaridade, enfim, traçam um perfil da família e do que precisa ser feito.

A segunda parte é a Celebração da Vida, quando ocorre a pesagem da criança e são feitas orientações, receitas práticas de sucos e bolos a Multimistura, um complemento alimentar feito de farelo de arroz, de trigo, folha de mandioca e folha de abóbora ou cenoura.

A terceira parte do processo é a reunião de reflexão e avaliação, onde os líderes discutem entre si os desafios e alegrias das respectivas famílias que acompanham. Este é o momento em que esses articuladores da comunidade criam mais estratégias.

A POLÊMICA DA MORTE NO BERÇO

Nesta semana a Pastoral da criança lança em Umuarama uma campanha a respeito da morte súbita. No Paraná, há quatro mortes súbitas de crianças de 0 a 1 ano por semana. A polêmica palpita na questão da posição em que a criança deve dormir. O difícil é colocar na cabeça das famílias que o ideal para a criança dormir, é a posição de supinação (deitada de barriga para cima). A resistência, segundo Clarice, é geral, até mesmo de líderes. Para isso, começa a partir de agora uma corrida na tentativa de diminuir o número de mortes súbitas e convencer as famílias de como fazer isso. Dormir de barriga para cima ou para baixo parece uma coisa simples, mas os grandes problemas enfrentados pela Pastoral giram em torno de coisas simples e têm também soluções simples, mas às vezes dificultadas por quem deve executá-las. "Muitos argumentam que, por exemplo, se a criança vomita, ela poderá se afogar. Melhor é a criança se afogar, do que morrer".

Um recém-nascido, em geral, dorme até 16 horas por dia. Para que um bebê durma bem e não corra risco de vida, ele deve ser colocado em uma posição segura, pois nos primeiros meses de vida eles permanecerão na posição em que foram deixados durante o sono, começando a virar-se somente algum tempo depois.

Preocupados com o índice elevado de morte súbita de bebês, estudiosos descobriram que a posição em que eles ficam, está relacionada com essa triste estatística. Eles começaram a fazer experiências até que chegaram a uma posição melhor para os bebês, que aconselham às mães.

Os pesquisadores examinaram primeiro os bebês enquanto deitados sobre o abdômen, depois deitados de costas. Eles também mediram as taxas cardíacas, freqüência de respiração e níveis de oxigênio no sangue. E constataram que, quando os bebês estavam sobre o abdômen, seus diafragmas eram mais espessos e mais curtos nos pontos-chave do ciclo de respiração. Estas mudanças tornam o músculo mais fraco e menos eficiente, o que os levou a sugerir que a posição em que são colocados a dormir implica na maior ou menor habilidade para responder aos esforços respiratórios.

A posição segura, é portanto a de supinação, por prevenção da morte súbita. E a posição desaconselhável é a de pronação (de bruços).

Raramente (ou nunca) se faz autópsia nas crianças em Umuarama, segundo Clarice. Ou seja, muitas crianças morrem de morte súbita (que é quando todas as hipóteses de causa mortis são descartadas), porém, o médico deduz ter sido uma parada respiratória ou um problema pulmonar. "As famílias principalmente não permitem a autópsia, por isso o número de mortes súbitas pode ser ainda mais elevado", explica Clarice.

Infelizmente ainda há camadas muitas vezes intransponíveis nas famílias, como o uso de drogas, o ceticismo quanto às descobertas da maneira de dormir, a alimentação sem qualidade, e a Pastoral não consegue modificar esses fatores internos, apenas os externos, ficando no nível da orientação.