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Foto: Acervo da Pastoral da Criança

As vendas de alimentos ultraprocessados vêm crescendo muito no Brasil e, de modo geral, em todos os países de renda média. Além disso, pesquisas de compra de alimentos para consumo familiar indicam a redução dos alimentos naturais ou minimamente processados e de ingredientes usados para cozinhar. Tudo isso indica que muitas famílias têm deixado de consumir pratos tradicionais e aumentado a ingestão de alimentos ultraprocessados, que apresentam alta densidade de calorias e baixa de micronutrientes, sendo nutricionalmente inadequados especialmente para crianças em plena fase de crescimento e desenvolvimento. Essa situação gera impactos importantes na saúde e deve ser um tema prioritário nas agendas das famílias e das autoridades. Confira abaixo a entrevista com o Dr. Carlos Augusto Monteiro, Coordenador do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e com a Daniela Neri, pesquisadora da Universidade de São Paulo.

1. Muitas mães e famílias acompanhadas pela Pastoral da Criança possuem a ideia de que é, única e exclusivamente sua, a responsabilidade de questões ligadas à nutrição das suas crianças. No entanto, sabe-se que o aumento na obesidade infantil é resultado de muitos fatores. Quais fatores são esses? E qual a contribuição do governo nesse panorama?  

Carlos Augusto Monteiro: Fatores individuais contribuem para a obesidade infantil, tais como: comportamentos relacionados à interação entre mãe/cuidador e a criança durante as refeições, práticas alimentares familiares, duração do sono da criança, comportamento sedentário (tempo de tela) e atividade física. Porém, fatores ambientais, tais como: o crescimento econômico, a urbanização e a mudança nos padrões de consumo alimentar, estão mais internamente ligados à epidemia da obesidade no Brasil e no mundo. Assim, a responsabilidade individual por um estilo de vida saudável é limitada pelo ambiente social, especialmente das ações inapropriadas da indústria de alimentos.

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Carlos Augusto Monteiro

As vendas de alimentos ultraprocessados vêm crescendo exponencialmente no Brasil e, de modo geral, em todos os países de renda média. Assim, muitas famílias têm deixado de consumir pratos tradicionais e aumentado a ingestão de alimentos ultraprocessados, que apresentam alta densidade de calorias e baixa de micronutrientes, sendo nutricionalmente inadequados especialmente para crianças em plena fase de crescimento e desenvolvimento.

Pesquisas nacionais recentes apontam um consumo muito elevado de alimentos ultraprocessados como refrigerantes, salgadinhos de pacote, bolachas e doces já antes dos 12 meses, e qualidade da dieta aquém do desejável em menores de dois anos de vida. Crianças de famílias de baixa renda, filhos de mães com menor escolaridade e residentes em domicílio em situação de insegurança alimentar grave nas regiões mais carentes do país são mais vulneráveis e apresentam menor chance de ter uma dieta saudável.

Essa situação gera impactos importantes na saúde e deve ser um tema prioritário nas agendas das famílias e das autoridades.

Nesse contexto, cabe ao poder público a execução de programas, políticas e ações que promovam sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis que unam agricultura, alimentação, nutrição e saúde. É necessário fomentar a produção sustentável de alimentos frescos, seguros e nutritivos, garantir a oferta, a diversidade e o acesso, principalmente da população mais vulnerável. Dessa forma, o Ministério da Saúde tem reforçado os programas e as iniciativas que buscam mudar o hábito da população e incentivar práticas mais saudáveis, baseados no Guia Alimentar para a População Brasileira, disponível gratuitamente no site do Ministério da Saúde.

2. Quais medidas hoje podem ser tomadas pelo estado para ajudar a combater a obesidade infantil?

Daniela Neri: As práticas alimentares nos primeiros anos de vida são determinantes dos hábitos alimentares e condições de saúde da vida adulta. Assim, ações que incentivem a prática de aleitamento materno e a introdução de alimentação complementar baseada em alimentos in natura ou minimamente processados e que desestimulem o uso de alimentos ultraprocessados são extremamente relevantes.

No Brasil, o Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses e, após essa idade, o consumo de diferentes preparações culinárias baseadas em alimentos básicos regionais.

Uma das ações adotadas pelo governo brasileiro para promover a alimentação saudável é alertar a população para os riscos da má-alimentação. Um dos destaques é a criação de legislações que regulam a comercialização e a publicidade de alimentos para lactantes e crianças, além de outros alimentos voltados à primeira infância.

Evidências mostram a efetividade de intervenções na escola para a promoção da alimentação saudável e da atividade física. Ações que garantam o acesso das crianças a refeições baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados e que restrinjam a oferta de alimentos ultraprocessados possuem potencial efeito protetor contra as doenças crônicas não transmissíveis.

Outra ação importante dirigida às crianças é o Programa de Saúde na Escola (PSE), iniciativa conjunta dos Ministérios da Saúde e da Educação com o objetivo de prestar assistência integral (prevenção, promoção e atenção) à saúde dos estudantes das escolas públicas.

Além de intervenções de saúde e nutrição, são necessárias ações integradas sobre o ambiente que envolvam os diversos setores, como, a economia, a saúde, a educação, a assistência social e a agricultura, para garantir o acesso de todos à alimentação adequada e saudável.

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Daniela Neri

3. Qual o impacto da publicidade de alimentos industrializados destinados às crianças no aumento da obesidade infantil?

Carlos Augusto Monteiro: A exposição à publicidade de alimentos não saudáveis é um fator que pode dificultar a adoção de uma alimentação saudável. Comerciais em televisão e rádio, anúncios em jornais e revistas, matérias na internet, amostras grátis de produtos, ofertas de brindes, descontos e promoções, colocação de produtos em locais estratégicos dentro dos supermercados e embalagens atraentes, são alguns dos exemplos mais frequentes dos mecanismos adotados pelas indústrias de alimentos na divulgação dos seus produtos.

As crianças e os adolescentes são especialmente vulneráveis à publicidade de alimentos e por causa disso, são os alvos preferenciais da indústria de alimentos ultraprocessados. Entidades internacionais como a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde recomendam fortemente que as iniciativas para reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados passem, necessariamente, pela regulação da publicidade de alimentos.

4. O baixo custo dos impostos de alimentos como o açúcar e bebidas açucaradas, tais como refrigerantes e sucos artificiais, também contribui para o aumento da obesidade infantil? O que é preciso fazer?

Daniela Neri: Desde 2011, diversos acordos voluntários foram assinados com o objetivo de reduzir o uso de sódio no Brasil. O Ministério da Saúde e a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) renovaram recentemente o acordo para reformular a quantidade de sódio nos produtos processados e ultraprocessados. A expectativa é uma redução de 28,5 mil toneladas de sódio nos alimentos industrializados até 2022. A redução de açúcar também está na pauta do Ministério da Saúde. O Plano de Redução de Açúcar em alimentos industrializados terá formato parecido com o de sódio e o foco inicial será nos produtos lácteos, bebidas adoçadas, biscoitos, bolos e achocolatados.

Essas estratégias de redução de sódio e açúcar são importantes para a prevenção da obesidade e doenças crônicas, mas não devem ser vistas como a principal solução, especialmente no Brasil, país de cultura alimentar forte, onde ainda há espaço para a promoção da alimentação saudável baseada em alimentos in natura ou minimamente processados.

5. A rotulagem atual de alimentos industrializados não é clara quando se trata de ingredientes como o açúcar adicionado, por exemplo. Podemos encontrar nomes como frutose, maltodextrina, xarope de glucose, entre outros, para definir açúcar. O que uma família deve prestar atenção no rótulo dos alimentos?

Carlos Augusto Monteiro: A rotulagem nutricional dos alimentos é um instrumento central para garantia do direito à informação, fortalecendo a capacidade de análise e decisão do consumidor. Apesar disso, estudos recentes sinalizam que a rotulagem nutricional é inadequada e falha em seu propósito de fornecer informações úteis. No Brasil, as normas para rotulagem de alimentos em vigor favorecem a visão dos alimentos simplesmente a partir no seu conteúdo de nutrientes e ignoram outras dimensões da saúde. Além disso, permitem o uso excessivo de linguagem técnica e que os efeitos da comunicação nas embalagens sejam modulados pelas indústrias através de recursos gráficos competitivos capazes de reduzir ou anular os efeitos das informações obrigatórias.

As famílias precisam conhecer e ler o rótulo dos alimentos para fazer melhores escolhas na hora das compras. Uma regra é muito clara: os melhores alimentos não têm rótulo. Quando o alimento apresenta dois ou mais ingredientes, há necessidade de rótulos. O ingrediente que está presente em maior quantidade aparece primeiro. Quando há uma dificuldade em ler o ingredientes, pois esses não são ingredientes que podem ter nas suas cozinhas (exemplo: aromatizante, emulsificante, edulcorante), estão diante de um produto ultraprocessado.

6. Se a rotulagem atual dificulta e até induz a compra de alimentos não saudáveis, o que deve ser feito para evitar isso, tanto pela família como pelo estado?

Daniela Neri: A abordagem ampliada da alimentação saudável - com foco na combinação de alimentos ou nos ingredientes que compõem os produtos (e não nos nutrientes) - e mudanças na comunicação dos rótulos para indicar os teores de determinados nutrientes são potenciais estratégias para aumentar a efetividade do rótulo como instrumento de promoção da saúde.

Várias organizações da sociedade civil e grupos de pesquisa da área da saúde e alimentação saudável se juntaram e enviaram à Anvisa uma proposta de atualização e aprimoramento do atual modelo de rotulagem nutricional no Brasil. O modelo busca oferecer informação clara, simples e compreensível sobre alimentos e bebidas, tendo em vista a dificuldade dos consumidores para entender os rótulos. A proposta sugere que se inclua um selo de advertência, na parte da frente da embalagem de alimentos processados e ultraprocessados (como sopas instantâneas, refrigerantes, biscoitos, etc.), que indica quando há excesso de açúcar, sódio, gorduras totais e saturadas, além da presença de adoçante e gordura trans em qualquer quantidade.