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Foto: Bas Silderhuis

Uma mulher que morre em decorrência da gestação é mais que apenas óbito comum. Significa que, em algum momento, essa gravidez não foi cuidada o quanto deveria. Até novembro de 2015, no Brasil, 1.178 mulheres passaram a figurar no índice de mortalidade materna – aquelas que acontecem da concepção até 42 dias após o parto, e que a morte tem alguma ligação com o fato de estarem grávidas. Sabe-se entretanto que este número pode ser maior: alguns casos não são notificados como relacionados à gravidez ou ao parto. Neste sábado, 28 de maio, Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna e Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher, essas mães são lembradas.

“Falta um pré-natal bem feito. Muitas mulheres deixam de fazer exames, tomar vacinas. Algumas já tiveram outra gravidez e acham que não precisam, que sabem tudo”, aponta a enfermeira da coordenação nacional da Pastoral da Criança, Regina Reinaldin. Outro ponto indicado pela profissional para o alto índice de mortes é a falta de assistência médica, incluindo aí o mal atendimento que essas mulheres recebem, especialmente na hora do parto. “A mulher vai no hospital com dores, muitas vezes nem é examinada direito e é mandada pra casa de novo. Outras vezes ela mora longe, vai até o hospital e não tem vaga, é transferida para outro local. Essa demora em ser atendida, a falta de vagas, de estrutura, também compromete o atendimento”, lembra a profissional.

Luta Pela Saúde da Mulher

O dia 28 de maio é lembrado ainda por outra pauta extremamente importante: o Dia da Luta Pela Saúde da Mulher. A data é celebrada no mundo desde 1987, reonhecendo as especificidades da saúde da mulher, e pretende estimular a reflexão e a ação em defesa de políticas públicas para preservação da saúde feminina.

Em consonância com o apontado pela entidade, a coordenadora de Saúde das Mulheres, do Ministério da Saúde, Esther Vilela, durante um evento no Senado Federal, em março de 2015, afirmou que as causas desses óbitos nem sempre são apenas as doenças. Eles aconteceram "porque ela peregrinou, porque ela foi negligenciada, porque houve demora no seu atendimento, porque houve más práticas de atenção ao parto e nascimento", disse na ocasião. Outra questão levantada durante o evento foi a banalização das cesarianas, nas quais o país é campeão mundial. Isso seria uma das causas da lenta queda da mortalidade materno-infantil no país.

Impacto

A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que, em 2013, 69 mães morreram a cada 100 mil nascidos vivos no Brasil. De 1990 pra cá, houve uma diminuição de 43% de mortes maternas no país. Ainda não é suficiente. A meta, até 2015, era chegar a 35 óbitos a cada 100 mil. E a falta da mãe em casa acarreta em dificuldades para toda a família, não apenas para o bebê. “Primeiro a amamentação materna, tão importante, será comprometida. O vículo entre mãe e filho, que é tão importante para o desenvolvimento, não acontecerá, e para a família é uma perda que não tem como estimar”, aponta a enfermeira. Para OMS, a morte materna impacta os números da mortalidade infantil e até na escolaridade da criança.

Ação pastoral

O trabalho de orientação às gestantes feito pela Pastoral da Criança foi essencial para a tranquilidade de Paola Francini da Rocha Antunes, 21 anos. Mãe de duas crianças, de seis e um ano e quatro meses de idade, ela conta que a primeira gravidez aconteceu quando ainda estava com 14 anos. "Foi um choque. Todo mundo falava que como eu era muito nova, o bebê não sobreviveria. Fiquei muito assustada", recorda.

Com as visitas dos líderes da Pastoral da Criança e feitas as consultas do pré-natal, Paola entendeu a importância de cuidar da sua própria saúde; aprendeu sobre nutrição infantil, amamentação e como prevenir doenças infantis mais comuns, como a diarreia e desnutrição.

Líder voluntária da Pastoral há sete anos, Helena Mantovani Balieiro afirma que a falta de informação e a resistência em fazer o acompanhamento da gestação por meio do pré-natal é mais comum entre as gestantes mais novas. "Elas têm vergonha da gravidez. O mesmo acontece com as mais velhas, algumas evitam até de sair na rua para não mostrar a barriga para os vizinhos", afirma Helena.

A Pastoral da Criança, através de seu trabalho de acompanhamento desde a gravidez, tem conseguido contribuir com a queda no índice de mortalidade. Em 2014, das 73.522 gestantes acompanhadas, 57 mortes maternas foram registradas, uma taxa de 0,07% de morte entre as acompanhadas. Regina estima que este número seja um pouco mais alto, mas tem certeza que não chega aos índices nacionais. “A Pastoral consegue ter índices baixos exatamente porque incentiva o pré-natal. As líderes vão atrás e conseguem convencer a mãe da importância do pré-natal”, afirma.

As mortes de mães são registradas nas folhas de acompanhamento que as líderes preenchem. A intenção é que, em breve, além de notificadas, essas mortes sejam classificadas, podendo ter um número real de mortes e identificando as causas para tentar evitá-las. Entre as mortes registradas e já identificadas em 2014 pela entidade, quatro foram por hemorragias, três por parada cardiorespiratória, uma por dengue, uma por eclâmpsia. As demais mortes não tiveram a causa apontada.

Situação mundial

As causas identificadas pela Pastoral da Criança vão ao encontro dos indicadores mundiais. Entre as causas de morte materna pelo mundo estão hemorragia grave, especialmente durante e depois do parto, com 27%; hipertensão na gestação com 14%, infecções indicam 11%, parto obstruído e outras causas diretas são 9%, e complicações de abortos, 8%. Se somadas, as maiores causas são de doenças já existes anteriormente à gravidez, como diabetes, aids, malária e obesidade. A gravidade dessas disfunções sobre a saúde são responsáveis por 28% das mortes maternas registradas.

No mundo, são pelo menos 600 mortes de mulheres diariamente em decorrência do parto. A América Latina teve uma queda considerável nos últimos anos, mas para a OMS, o mundo dificilmente conseguirá reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna até 2015, conforme proposto nos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Entre os objetivos, o número 5 propõe a melhoria da saúde materna nos 189 nações participantes da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000, quando o compromisso foi assumido. Apenas onze países conquistaram a meta de 75% de redução proposto pelo 5º objetivo: seis na Ásia, quatro na África e um na Europa (Romênia).

Rede Cegonha

No Brasil, o Mistério da Saúde criou em 2011 a Rede Cegonha, na intenção de diminuir a morte materna e neonatal, assegurando às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo, a atenção humanizada à gravidez, parto, abortamento e puerpério; e às crianças o direito ao nascimento seguro, crescimento e desenvolvimento saudáveis, no prazo que vai da gravidez até os 2 anos, o período dos 1000 dias que a Pastoral da Criança incentiva. Entre as ações propostas está a humanização do parto, pré-parto e pós-parto, incluindo aí o aumento de partos naturais e a queda de cesarianas – hoje o Brasil é o campeão de cesarianas no mundo.