O risco de uma mulher morrer em consequência ou durante o parto cesariana é quase quatro vezes maior que no caso de parto normal. Campeão mundial em cesáreas - a técnica representa cerca de 70% dos partos ocorridos no país -, o Brasil poderia reduzir os altos índices de mortalidade materna apenas adotando medidas que dispensam ou requerem o mínimo de intervenção cirúrgica para se dar à luz. Nessa nova postura preventiva, as vantagens do parto humanizado ganham cada vez mais espaço entre profissionais e gestantes.
Os dados são alarmantes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 600 mil mulheres morrem por ano em todo o mundo em decorrência do parto - uma a cada minuto. Segundo especialistas, esse panorama é resultado da cultura "hospitalocêntrica" copiada do modelo norte-americano. "Médicos e gestantes, influenciados pela ideia de maior produção em menos tempo, se convenceram de que o mais prático é marcar a hora do parto, contrariando a própria natureza da mulher", aponta o obstetra e ginecologista Lucas Barbosa da Silva, coordenador do serviço de obstetrícia do Hospital Sofia Feldman, de Belo Horizonte (MG).
As altas taxas de cesarianas, avalia o médico, não condizem com a realidade econômica brasileira. Em países desenvolvidos, privilegiam-se os procedimentos normais, comprovadamente mais eficientes e menos perigosos tanto para a mãe quanto para o filho. "Mesmo em Cuba, economicamente ainda com muitas deficiências, a mortalidade materna não passa de 25 para cada 100 mil nascidos vivos, resultado direto da preferência pelos partos normais, usados em cerca de 70% dos nascimentos", explica.
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Defensor da humanização, o obstetra lembra que o Ministério da Saúde vem adotando uma série de medidas a fim de garantir melhores condições às gestantes e recém-nascidos. Uma das exigências para as novas maternidades ou para aquelas que passam por reformas é a de separar a área de parto da enfermaria normal e a adoção do conceito PPP (procedimentos de pré-parto, parto e pós-parto no mesmo local e cama, sem que a paciente precise ser deslocada para outro ambiente).
Epidemia silenciosa
Em 20 anos, desde a instalação do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna e Infantil, em Minas Gerais, foram registrados e investigados 2.667 óbitos de gestantes em função do parto no Estado. Dessas, 83% poderiam ser evitadas. As maiores vítimas são mulheres com idade entre 28 e 35 anos, com dois ou três filhos. Nesse tempo, 5.524 crianças ficaram sem mães. "Estamos diante de uma epidemia silenciosa que poderia ser evitada com medidas simples", revela a presidente do comitê, Eliana Carzino.
Pré-natal de qualidade e a presença do acompanhante são algumas das alternativas que otimizariam a redução da mortalidade. "Várias portarias, decretos e leis estão sendo editados para que o sistema seja reorganizado e mais humanizado. As mulheres precisam conhecer e exigir os seus direitos", orienta. A avaliação dos casos, garante, tem papel essencial na elaboração de ações efetivas para que situações semelhantes não se repitam. O programa "Nascer no Paraná", lançado em maio, tem envolvido a comunidade nesse controle.
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Parto rápido e sem dor
Grande parte das mulheres sem qualquer problema durante a gravidez e que poderia dar à luz pelo método natural optam pela cesariana por causa da dor do parto. Temerosas de que o trabalho de parto possa durar horas e a fim de evitar o sofrimento prolongado, submetem-se à intervenção cirúrgica por considerarem mais cômodo. Na contramão dos avanços tecnológicos, uma técnica simples vem ganhando cada vez mais espaço entre profissionais de saúde e gestantes: o parto na água.
A técnica proporciona maior bem-estar durante o trabalho de parto pelo efeito anestésico da água morna. Na banheira, as mães ficam mais relaxadas e as dores das contrações são amenizadas. Em alguns casos, o pai também pode entrar na água. "Muitas mulheres que optam pelo parto normal acabam tendo de fazer a cesariana por exaustão provocada pelas fortes dores. Com o parto na água, as dores são mínimas", explica a ginecologista e obstetra Gláucia Menezes, do Hospital Costa Cavalcanti, em Foz do Iguaçu (PR).
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Adaptando-se às novas exigências do Ministério da Saúde, o hospital é um dos primeiros no Estado do Paraná a oferecer a técnica às gestantes. Em 21 de dezembro, a equipe do Costa Cavalcanti realizou os três primeiros partos na água, todos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Lucas Vinicius Rios da Silva, terceiro filho de Maria Candelária Rios Irazábal, foi quem inaugurou a banheira. "O parto foi rápido e sem dor. Não senti quase nada, bem diferente dos dois primeiros, também normais. Recomendo," afirma a mãe.
Uma das primeiras maternidades brasileiras a adotar o modelo humanista no acompanhamento de gestantes e recém-nascidos, o Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte (MG), há anos vem conseguindo manter o índice de cesarianas em 20%. Tudo graças a campanhas de esclarecimento sobre as vantagens do parto normal, o acompanhamento pré-natal e a multidisciplinaridade das equipes de saúde, com psicólogo, enfermeira obstetra e "doulas", acompanhantes de parto que já tiveram vários filhos.
"A preparação psicológica é muito importante para que a mãe, quando possível, possa tomar a melhor decisão sobre o tipo de parto que deseja", sugere o obstetra do Sofia Feldman, Lucas Barbosa da Silva. Técnicas que auxiliem no trabalho de parto, reduzindo a dor ou possibilitando que o pai possa estar presente, também são bastante utilizadas na proposta de humanização do atendimento à futura mãe. Entre as mais procuradas está a do parto na água, com mais de mil nascimentos desde 2001.
Fonte: Portal ODM