DICAS 22: Segurança Alimentar e Nutricional: um conceito a ser posto em prática, um direito a ser conquistado

Janeiro/2003 Nº 22

 

Ter uma família bem alimentada e bem nutrida é a preocupação de todos. Sabemos que a alimentação e a nutrição sofrem a influência de vários fatores e que provocam uma série de efeitos sobre o corpo humano, muitas vezes resultando em doenças.

Este Dicas tem por objetivo ajudar as coordenações da Pastoral da Criança na discussão dos principais problemas nutricionais no Brasil, a entender melhor o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional e saber como a Pastoral da Criança está trabalhando com esse tema.

Os problemas nutricionais no Brasil

Os problemas nutricionais no Brasil são causados tanto pela falta como pelo excesso de nutrientes, como calorias (energia), açúcares, gorduras, proteínas, vitaminas e sais minerais.

Doenças da falta:

A pobreza e a miséria são problemas que afetam grande parte da população do nosso país. Elas trazem consigo uma série de doenças que são causadas pela falta de nutrientes necessários para o bom funcionamento do nosso corpo. Esta falta de nutrientes é causada pela pouca quantidade e má qualidade da comida que comemos.

Essas doenças são chamadas de "doenças carenciais". As mais comuns são desnutrição, anemia, falta de Vitamina A e falta de Iodo. Elas acontecem normalmente junto com pneumonias, bronquites, parasitoses, diarréias e outras, que agravam ainda mais o estado de saúde das pessoas afetadas.

As doenças da falta estão ligadas a problemas maiores, como: concentração de renda, desemprego, pouca escolaridade, dificuldades de acesso aos serviços de saúde e outros. Esses problemas aumentam a marginalização, a pobreza e o enfraquecimento da cidadania.

Esta falta de nutrientes acontece em todas as classes sociais. Muitas pessoas com boa renda se alimentam pouco para ficar magras, ou ainda, embora tendo acesso à comida em quantidade suficiente, se alimentam mal.

Algumas más práticas alimentares são:

  • preferência por lanches rápidos e comidas gordurosas (hambúrger, cachorro-quente, batata frita, salgadinhos industrializados, refrigerantes, sucos artificiais)
  • baixo consumo de alimentos naturais e integrais;
  • opção por uma comida monótona e sem variedade de nutrientes, como macarrão, arroz e batata numa mesma refeição.

Doenças do excesso:

As campanhas de vacinação em massa, a melhoria do saneamento básico (água encanada, esgoto encanado, coleta de lixo) e o avanço de pesquisas para o desenvolvimento de remédios, principalmente antibióticos, vêm diminuindo os casos de infecções, como a pneumonia, as parasitoses (vermes) e também as mortes causadas por estas doenças no Brasil.

Essas medidas de prevenção e tratamento das doenças trouxeram como resultado uma melhoria nas condições de vida da população. Por isso, estando mais protegidas das doenças, as pessoas estão vivendo mais tempo.

Outras mudanças significativas vêm ocorrendo na sociedade, como:

  • a concentração de pessoas nas cidades;
  • crescimento das indústrias, gerando novas formas de trabalho e novos tipos de produtos de consumo;
  • a diminuição do esforço nas atividades do trabalho e do lar, pela utilização de máquinas e aparelhos eletrodomésticos;
  • a diminuição da atividade física no lazer, principalmente pelo crescente uso da televisão
  • o aumento do tabagismo e do alcoolismo, associados aos fatores anteriores, fizeram com que houvesse uma mudança no estilo de vida das pessoas.

O aumento do tempo de vida, a mudança de hábitos e o stress fez aparecer um grupo de doenças que vai afetando lentamente o corpo, durante um período longo e provocando mudanças que podem não ter recuperação.

Por causa destas características, essas doenças são chamadas de "crônicas não-transmissíveis". Elas aparecem especialmente entre os adultos e os mais idosos. As principais doenças são a obesidade, o câncer, diabetes, doenças do coração e da circulação (pressão alta, derrame, infarto).

A qualidade da alimentação das pessoas também mudou muito. O consumo excessivo de gorduras animais e de proteínas, o aumento do consumo de produtos químicos presentes nos alimentos industrializados e, por fim, o excesso de calorias, facilitam o aparecimento de muitas doenças crônicas não-transmissíveis.

No Brasil, estão presentes tanto as doenças devido à falta de alimentos e nutrientes quanto aquelas que ocorrem pelo excesso deles ou pelo hábito alimentar não saudável.

Importante!

A convivência dos dois tipos de doenças (da falta e do excesso) mostram uma situação de insegurança alimentar e nutricional na população brasileira.

Estar atento a esta questão é estar preocupado com qualidade de vida. Ter qualidade de vida é um direito de todo o cidadão!

SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: A EVOLUÇÃO DO CONCEITO

No início do século passado, a segurança alimentar estava ligada à preocupação com as dificuldades de alimentar a população em caso de guerras ou dificuldades econômicas.

No Brasil, na década de 80, a segurança alimentar era uma preocupação com a quantidade de alimentos produzidos pelo país e sua capacidade de abastecer a população. Essa idéia foi se ampliando e passou a incorporar outros aspectos, como

o acesso aos alimentos, tanto por questão de distância física, como por renda e poder de compra;

  • a distribuição e posse da terra. Existem terras cultiváveis suficientes para alimentar a população, porém grande parte delas está concentrada nas mãos de poucos e não são utilizadas para a produção de alimentos básicos, como o arroz e o feijão;
  • a preocupação com o aumento ou surgimento de doenças carenciais, como a anemia, e doenças crônicas como a hipertensão e a diabetes;
  • a qualidade dos alimentos desde a produção até o consumo: higiene, maneira de preparar (sem desperdiçar ou perder por falta de conservação), uso de produtos químicos, composição de nutrientes, qualidade das embalagens, etc;
  • a divulgação de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis, como a prática de atividade física.

Outro componente importante do conceito da Segurança Alimentar e Nutricional é a sustentabilidade, que significa a capacidade de promover a satisfação das necessidades alimentares da população, sem que haja sacrifício dos recursos naturais (água, terra, ar e matas). Pela sustentabilidade se torna possível a preservação das condições ecológicas que garantem a disponibilidade de alimentos para as futuras gerações.

Hoje, a Segurança Alimentar e Nutricional está ligada diretamente às lutas contra a fome em todo o mundo.

A alimentação em quantidade e qualidade adequadas é um direito de todos

Portanto, Segurança Alimentar e Nutricional significa:

  • Garantir a todos, condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana."

A Segurança Alimentar e Nutricional no nível local é conseguida quando a família consegue garantir durante todo o ano, uma quantidade suficiente de alimentos de boa qualidade, assegurando que todos os seus membros possam se manter com saúde.

A Segurança Alimentar e Nutricional no nível familiar tem como enfoque:

  • a renda da família, que interfere diretamente no acesso aos alimentos;
  • a utilização dos produtos regionais para a alimentação (Alimentação Enriquecida), interferindo no custo e na qualidade da alimentação;
    a forma de armazenamento, higiene, preparo e distribuição dos alimentos entre os membros da família, evitando o desperdício nas roças, nos armazéns, em casa, na hora do preparo e na forma de servir a comida no prato;
  • o acesso à água tratada e ao saneamento, que influencia na qualidade do preparo dos alimentos, e
  • a participação da mulher no trabalho e na vida comunitária, que garante mais qualidade nos seus conhecimentos sobre saúde, alimentação e nutrição, o cuidado com ela mesma, o cuidado com as crianças e o reforço do vínculo familiar.

Dra. Zilda

“Mas, de forma especial, que se cuide da segurança alimentar para que nenhuma criança nenhuma família passe fome”.

Papa Francisco

“Vós sois poetas sociais: criadores de trabalho, construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os descartados pelo mercado global”.

A SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NA PASTORAL DA CRIANÇA

A Pastoral da Criança está desenvolvendo uma metodologia de Planejamento Participativo em Segurança Alimentar e Nutricional, baseada nas experiências de oito projetos pilotos comunitários.

O Planejamento Participativo tem como característica a busca de soluções de forma participativa e compartilhada entre os que vivem o problema, os que querem resolvê-lo e os que podem colaborar para isso. Dessa forma, criam-se compromissos sociais para a transformação da realidade.

A Pastoral da Criança acredita que a aproximação da população é muito mais concreta se as pessoas participam plenamente no sentido de:

  • conhecer quais são os problemas de insegurança alimentar na comunidade;
  • entender o que está causando estes problemas partindo de seus próprios pontos de vista;
  • priorizar os problemas a serem atacados primeiramente;
  • reconhecer e trabalhar ao máximo com seus próprios recursos;
  • identificar parceiros e somar esforços na busca de saídas para os problemas.

Participam do Planejamento Participativo os moradores da comunidade, membros de associações de moradores, de grupos de jovens, representantes de Unidades de Saúde locais, membros de Igrejas e escolas, líderes da Pastoral da Criança, coordenadores da Pastoral da Criança (de comunidade, da Paróquia), outras pessoas e instituições que se interessem e que possam ajudar a comunidade a encontrar soluções viáveis para os seus problemas de alimentação e nutrição.

O público-alvo desse trabalho são as pessoas e famílias da comunidade consideradas em risco alimentar ou nutricional, as que não estão conseguindo atender as suas necessidades alimentares. Dentro das famílias é importante identificar os grupos mais fragilizados pela alimentação e nutrição inadequadas: crianças, gestantes, nutrizes, idosos, pessoas desempregadas e outros.

A Alimentação Enriquecida é uma das ações da Pastoral da Criança que têm importância fundamental na garantia da segurança alimentar e nutricional da população. Ela é uma estratégia de educação alimentar e nutricional que já tem sua eficiência comprovada.

Os cursos de Alimentação Enriquecida são espaços importantes para a discussão sobre a Segurança Alimentar e Nutricional.

"Porque o Senhor, teu Deus, vai conduzir-te a uma terra excelente, cheia de torrentes, de fontes e de águas profundas que brotam nos vales e nos montes; uma terra de trigo e de cevada, de vinhas, de figueiras, de romãzeiras, uma terra de óleo de olivas e de mel, uma terra onde não será racionado o pão que comeres, e onde nada faltará; terra cujas pedras são de ferro e de cujas montanhas extrairás o bronze. Comerás, à saciedade, e bendirás o Senhor, teu Deus, pela boa terra que te dão." Deuteronômio 8, 7-10

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Confira os outros Dicas Aqui

Eveline Cunha Moura
Assessora Técnica em Nutrição da
Coordenação Nacional da Pastoral da Criança

 

22º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável

“Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”

A alimentação saudável, In Natura, com o mínimo de alimentos industrializados possível é um dos principais incentivos da Pastoral da Criança para dar oportunidades de nutrição e desenvolvimento adequados para todas as nossas crianças. Uma das ações para atingir esse objetivo, são as Hortas Caseiras, incentivadas pelos líderes para que as famílias aprendam e cultivem hortas no quintal de casa.