1630 natal entrevista

Acervo da Pastoral da Criança

É tempo de Natal! Época de confraternizar, de unir a família e comemorar essa data tão especial. Falar sobre o nascimento de Jesus é também ensinar sobre a fuga da sagrada família ao Egito, que precisaram sair de sua terra para conseguir livrar o menino Jesus dos riscos que corria naquela época.

Atualmente muitas pessoas têm migrado para o Brasil, em condições subumanas, refugiando-se ou buscando melhores condições de vida. As dificuldades que enfrentam com essa migração são diversas, e a dificuldade em se comunicar devido a diferença de idioma só agrava a situação do migrante.

Diante disso, a Pastoral da Criança tem buscado criar uma rede de apoio à criança migrante e sua família, oportunizando que conheçam seus direitos e incentivando políticas públicas de qualidade para que tenham acesso principalmente à saúde e à educação. Natal é, também, tempo de acolhimento e partilha.

Hoje, com os irmãos migrantes, podemos partilhar principalmente o saber, por meio de orientações básicas, capacitações e muita informação disponível em nosso aplicativo.

Entrevista com: Ana Elisa Bersani, Doutora em Antropologia Social pela (UNICAMP). Pesquisadora do Centro de Estudos de Migrações Internacionais (CEMI - Unicamp) e do Observatório Saúde e Migração da FENAMI. E que tem uma atuação junto à organização internacional Médicos Sem Fronteiras desde 2016 como antropóloga e coordenadora de Promoção de Saúde.

1630 natal ana elisa bersani

Ana Elisa Bersani, Doutora em Antropologia Social pela (UNICAMP)

Estamos vivendo o tempo do Natal. Que relação existe entre o drama da Família de Nazaré, obrigada a refugiar-se no Egito e a condição de todos os migrantes, especialmente dos refugiados, dos exilados, dos deslocados, dos prófugos, dos perseguidos forçados a deixar seus países para preservar sua vida?

Então, se a gente se lembra da narrativa do Evangelho sobre a fuga da Sagrada Família, o que está colocado ali em jogo é fundamentalmente a questão da mobilidade forçada. E o que significa isso? A mobilidade é um fenômeno da humanidade. É um fenômeno extremamente importante e essencial para a sociedade como um todo de forma geral. Apesar disso, a gente sabe que infelizmente muitas pessoas são forçadas a se mover, abandonando seus territórios de origem, suas casas, seus lares essencialmente por razões políticas e financeiras. De acordo com os dados do ACNUR, que é a agência da ONU para refugiados, no final do ano de 2021 a gente já podia contar com 89,3 milhões de pessoas em todo o mundo foram deslocadas à força, forçadas a saírem de seus lares. 

2) Quais são as principais questões ou fatores que tornam a migração um drama humanitário?

A primeira é o fato das razões que fizeram com que essas pessoas precisassem se mover, isso por um lado. E por outro lado também as condições que essas pessoas encontram para fazer esse movimento. E ainda a gente poderia acrescentar um terceiro fator que são as condições que essas pessoas encontram de refazer suas vidas no local onde elas chegam. Então, ao mesmo tempo em que essas pessoas são forçadas a sair, na grande maioria das vezes por questões, consequências de guerras e más políticas que tiram dessas pessoas as condições necessárias para continuar vivendo com dignidade no território. Ao mesmo tempo essas pessoas não encontram as condições de se mover livremente. Esse grande drama que a gente vê hoje, que se relaciona com a crise dos refugiados, está relacionada a isso.

3) Assim como Maria e José não encontraram um lugar digno para Jesus nascer em Belém, hoje também muitos migrantes não encontram hospitalidade e acolhida. Por que acontece isso?

Muito claramente a gente consegue ver que existe uma hierarquia no movimento e que difere de acordo de quem nós somos e sobretudo de onde nós viemos. Isso significa que nem todas as pessoas conseguem se deslocar da mesma forma e de forma livre. O escrutínio sobre quem exerce esse direito de se deslocar ele tem sido cada vez mais rígido e cada vez mais severo. Então, essas pessoas que buscam as melhores condições de vida onde quer que elas possam se encontrar e tentam de todas as formas garantir um futuro para os seus filhos, para as futuras gerações elas encontram políticas securitárias nas fronteiras entre os países, por exemplo, extremamente rigorosas e que tratam muitas vezes esse migrante, esse sujeito, refugiado ou migrante, enfim, são várias categorias para definir, que olha para esse sujeito como um invasor. Muitas vezes como um criminoso. Então, populações inteiras de pessoas deslocadas são vigiadas, controladas, segregadas e muitas vezes punidas por essas políticas de controle e segurança fronteiriço, por exemplo. Isso é uma questão muito importante da gente pensar porque isso reflete de alguma forma em relação como essas pessoas vão ser acolhidas nos territórios para onde elas se dirigem. E muitas vezes aquela questão da hospitalidade que deveria ser um princípio e um valor entre os povos ela rapidamente se transforma em hostilidade.

Então, esse é realmente um drama e eu acredito que esse momento do Natal é um momento muito importante para nos fazer refletir sobre essa questão.

Viva a VidaPrograma de rádio Viva a Vida 1630 - 19/12/2022 - Natal

Esta entrevista é parte do Programa de Rádio Viva a Vida da Pastoral da Criança.
Ouça o programa de 15 minutos na íntegra

4) Quem são esses migrantes? De onde vêm? Onde chegam e em que condições? Como são acolhidos?

Quando a gente fala de migrante e refugiado hoje em dia no momento contemporâneo a gente está falando basicamente de pessoas pobres, de pessoas pobres vindas de países pobres. Esse seria o perfil do migrante contemporâneo. E para onde essas pessoas vão? Cada vez mais essas pessoas têm buscado abrigo, refúgio buscando novas rotas, buscando encontrar outras alternativas. Sobretudo, pelo que eu comentei também pelo fato de as políticas de segurança de fronteira estarem ficando cada vez mais rigorosas. Ou seja, espaços em que essas pessoas poderiam entrar em algum momento, começam a fechar suas portas para elas. Isso faz também com que novas rotas e novos países que antes não eram uma possibilidade, não estavam na lista das prioridades para onde essas pessoas estariam se encaminhando passem a ser. Esse é o caso do Brasil, por exemplo. A gente pode pensar que nessa última década o Brasil voltou a ser o país que é um país originalmente formado por migrantes, por pessoas vindas de diferentes países, culturas, isso historicamente, o Brasil na última década volta a ser mais uma vez um país de destino de migrantes. E não apenas um país que enviava migrantes para outros territórios.

5) Como é a questão das mulheres na migração?

Historicamente, pensando na história mesmo dos movimentos, deslocamentos a mulher sempre teve um papel bastante subalterno.Nós sabemos que esse não é o papel da mulher. A mulher migrante ela tem uma função extremamente protagonista desse empreendimento migratório. E cada vez mais a gente vê mulheres migrando, inclusive migrando sozinhas com aquele indivíduo membro daquela família escolhido para sair em busca de melhores condições de vida inclusive para quem fica. Outro perfil que a gente tem visto cada vez mais são mulheres, mães, muitas vezes mães-solo que decidem deixar seus territórios, deixar sua casa, enfim, para conseguir trabalho em outros países em melhores condições para enviar remessas para os filhos que ficaram, manter os estudos desses filhos, enfim, e garantir que eles tenham um futuro melhor que elas tiveram. No entanto, apesar desse protagonismo que a gente precisa realmente admitir as mulheres normalmente encontram condições ainda mais difíceis do que dos homens quando chegam nos locais de destino. Isso por várias razões. Mas nós podemos facilmente imaginar que uma mulher sozinha, sem outras pessoas para ajudá-la no sustento de si e dos seus filhos precisa aceitar trabalhos em condições ainda piores do que aqueles dos homens. Mulheres que não podem aguardar, que não tem o tempo para procurar mais par ter outras opções. Escolher, por exemplo, qual a função laboral que elas vão exercer. Elas precisam, na maior parte das vezes pegar qualquer coisa o mais rápido possível porque tem outras pessoas que estão dependendo delas. E as condições se dão bem diferentes em termos salariais. Essas mulheres vão muitas vezes receber salários menores do que os homens mesmo que exercendo funções iguais porque no campo da migração a gente também tem um reflexo do que acontece com mulheres não migrantes.

6) Certamente, ao gerar o Menino Jesus também passou por muitas dificuldades. Quais são os desafios das gestantes migrantes para o acesso à saúde?

No caso das mulheres gestantes é interessante a gente pensar que muitas vezes essas mulheres grávidas decidem sair do seu país ainda nessas condições, muitas vezes já com uma gestação avançada nessa tentativa de garantir melhores condições de vida para esse filho que vai nascer.

Muitas vezes essas mulheres não encontram aquele acolhimento que necessitariam para esse período. Então, se a gente for pensar aqui na nossa situação do Brasil seria muito importante pensar como essa mulher muitas vezes tem dificuldade para acessar o serviço do pré-natal. Uma grande parte dessas mulheres nem ao menos sabem que têm direto, não conhecem o SUS e muitas vezes não sabem que têm direito ao serviço de acompanhamento. Por exemplo, o serviço de pré-natal.

7) Não falar a língua do país de destino também pode ser uma barreira para as gestantes?

A língua é uma barreira extremamente importante que muitas vezes faz com que essas mulheres tenham medo de procurar o sistema de saúde e só o façam quando realmente precisam muito e na maior parte das vezes já estão com a situação bastante agravada de saúde o que é muito ruim. A gente também tem que pensar que muitas vezes as mulheres quando acessam o serviço de saúde tem esse acesso negado ou um tratamento bastante prejudicado com inclusive questões relacionadas ao próprio racismo institucional, a questões relacionadas a uma xenofobia como se aquela pessoa que vem de fora não tivesse o mesmo direito dos brasileiros a ter acesso aos serviços públicos o que não é verdade, essas pessoas que chegam de fora elas deveriam ter constitucionalmente esse direito garantido. Infelizmente, na prática não é isso que a gente vê. Não é sempre isso que a gente vê. Então tudo isso contribui para que essas mulheres tenham um índice, uma taxa, um risco relacionado a desenvolver doenças, a ter uma gestação mais complicada e uma mortalidade, uma taxa de mortalidade muitas vezes mais alta. Então, a gente tem que entender que a migração ela também funciona como um determinante social de saúde. A gente tem que olhar para esse grupo e para as vulnerabilidades muito específicas que esse migrante, que essa mulher migrante, refugiada vai ter quando a gente olha em relação aos outros grupos que a gente tem aqui no nosso país.

8) Na sua opinião, como a Pastoral da Criança pode colaborar com as famílias, gestantes e crianças migrantes?

Então, com certeza, essas mulheres têm vulnerabilidades importantes que serviços como o da Pastoral da Criança podem olhar e podem ajudar a mitigar essas barreiras e essas dificuldades, desenvolvendo materiais nas línguas dessas mulheres, estabelecendo uma relação de confiança entre voluntários e essas mulheres distantes e também as crianças nesses primeiros anos de vida, fazendo o acompanhamento dessas crianças de mães migrantes. Então é um trabalho vasto, várias atividades que podem ser pensadas tendo como foca essas mulheres e eu espero que a Pastoral continue desenvolvendo esse papel aí extremamente essencial nesse sentido.

 

Leia a entrevista na íntegra: 1630 - 19/12/2022 - Natal (.PDF) 

 

E SDG Icons NoText 033º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável

“Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”

Que Deus abençoe a Pastoral da Criança e a todos que estão fazendo o Menino Jesus nascer na vida e no coração de tantas crianças, gestantes e famílias.

 

Dra. Zilda

“No acompanhamento da gestante mês a mês, através da visita domiciliar, você está melhorando o mundo, pelo benefício que leva à gestante e à criança, na partilha do saber e do amor fraterno”.

Papa Francisco

“Na sua fuga para o Egito, o menino Jesus experimenta, juntamente com seus pais, a dramática condição de deslocado e refugiado ‘marcada por medo, incerteza e dificuldades’ (cf. Mt 2, 13-15.19-23)”. Milhões de famílias se reconhecem nessa triste realidade, “em cada um deles, está presente Jesus, forçado – como no tempo de Herodes – a fugir para Se salvar”.