No início deste ano, na mesma semana, morreram duas mulheres notáveis: a austríaca/holandesa Miep Gies, que protegeu Anne Frank dos nazistas e depois guardou seus diários, e a brasileira Zilda Arns, soterrada pelo terremoto no Haiti, em meio aos pobres que sempre defendeu. Conheci dona Zilda durante uma preparação da Seleção Brasileira no Paraná, e me comovi com Miep por sua participação no filme Escritores da Liberdade. Escrevi então na minha coluna de Zero Hora, dia 14 de janeiro, a crônica Senhoras do Bem (texto aí abaixo), falando no trabalho delas.

Pois bem, na noite desta quarta-feira, a crônica ganhou o Prêmio ARI.

Quero dividir esta alegria com vocês, leitores que me seguem aqui e no jornal.

Aí está o texto publicado no início do ano e ganhador do primeiro lugar na categoria Crônica, do ARI:

Senhoras do Bem

Qualquer um de nós já se fez esta pergunta. Diante do choque causado pela morte de alguma pessoa luminosa, destas que parecem nascer para ajudar os outros, o desabafo é quase inevitável.

- Mas por que logo ela? - você pensa, como se fosse possível, por alguma força sobrenatural, conceder a imortalidade ao menos para aqueles que, com a simples presença, ajudam a melhorar a humanidade.

Zilda Arns e Miep Gies eram duas destas raras personalidades que comoviam com um simples olhar. Por uma trágica coincidência, morreram na mesma semana. Dona Zilda, 73 anos, catarinense de Forquilhinha, pediatra, filha de uma família profundamente religiosa, irmã de Dom Paulo Evaristo Arns, morreu na noite de terça-feira, em meio às vítimas do terremoto do pobre Haiti. Estava lá para ajudar os desamparados, como sempre fez.

Miep, a poucas semanas de fazer 101 anos, morreu segunda-feira em Amsterdã devido a sequelas de um acidente doméstico. Foi ela que ajudou a manter a menina judia Anne Frank e seus familiares vivos por dois anos, escondidos dos nazistas. Quando sua protegida foi detida, Miep guardou suas anotações, transformadas mais tarde no livro O Diário de Anne Frank, a obra que revelou ao mundo um dos tantos episódios da insanidade nazista.

Conheci dona Zilda em uma tarde quente de agosto de 2000, no Centro de Treinamentos do Atlético-PR, em Curitiba. Ela foi até lá visitar a Seleção. Falou sobre a Pastoral da Criança e no milagre de garantir saúde e alimentação a centenas delas com pouco dinheiro. Comoveu tanto os jogadores que no fim eles a cercaram, como um grupo de alunos em volta da professora, para uma foto no gramado. Na despedida, o lateral Leonardo entregou a dona Zilda um grande envelope pardo. Dentro, dezenas de notas, recolhidas entre os jogadores, em uma vaquinha improvisada, para reforçar o caixa da Pastoral. Ela agradeceu em nome das crianças, sorriu como sempre, e prometeu orar por eles - os homens que menos de dois anos depois da conversa e dos sorrisos de dona Zilda conquistariam o Penta.

Aquela visita deve ter ajudado.

Miep Gies, nascida na Áustria, dedicou sua vida, depois da II Guerra, a pregar a tolerância - e a defender os desprotegidos. Um dos episódios de sua vida está contado no filme Escritores da Liberdade, de Richard Lagravenese. Ele fala do trabalho de uma professora (Hillary Swank) em uma escola de bairro dos Estados Unidos, que transformou uma turma de alunos rebeldes e esquecidos, filhos de famílias desajustadas, em um exemplo de superação. Viraram os escritores do título. Boa parte da educação e recuperação deles se deu com a leitura do livro de Anne Frank.

Um dia, comovido pela história de Miep, um dos alunos propôs que enviassem um convite para que a protetora de Anne Frank visitasse a escola. Diante do descrédito geral, a professora abraçou a ideia, pediu que os alunos escrevessem cartas e as enviou a Miep Gies - e ela foi. Viajou aos EUA e, em um dia especial, lá estava diante dos alunos. Quando o autor da ideia disse que ela era sua heroína, Miep, com a voz doce de sempre, respondeu:

- Não, os verdadeiros heróis são vocês.

Minimizou sua importância e fez chorar aqueles adolescentes. Eles tinham renascido e ali estavam diante de uma heroína que sabia reconhecer isso.

Miep Gies e Zilda Arns, uma austríaca/holandesa e uma brasileira, duas pessoas que faziam um bem danado à humanidade, morreram esta semana. Por que elas?


autor: Mário Marcos