A herança de Dra. Zilda
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de Florianópolis
Não sei se Dra. Zilda Arns deixou algum testamento por escrito. Se o deixou, nem será preciso abri-lo, pois ela já o escreveu no coração de milhares de voluntários da Pastoral da Criança. Sua herança são as crianças mais pobres e abandonadas. Seus herdeiros somos nós, responsáveis, agora, pela obra que ela iniciou.
Ouvi-la falar era participar de uma rara lição de liderança e solidariedade. De liderança: líder é a pessoa que transmite entusiasmo – e isso ela sabia fazer como poucos. De solidariedade: transmitia dois ensinamentos fundamentais de Jesus Cristo. O primeiro deles: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso, Dra. Zilda não podia entender que uma criança vivesse necessitada a seu lado, sem que se debruçasse sobre ela. Dedicou sua vida para que as crianças de qualquer religião ou país tivessem dignidade e amor. O segundo ensinamento de seu Mestre fazia seus olhos brilharem quando o repetia: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Morreu a serviço desses mais pequenos. Por sinal, a inspiração para esse serviço, que daria origem à Pastoral da Criança, foi de seu irmão, o Cardeal Dom Paulo. Ele sentia ser necessário fazer alguma coisa pelas crianças necessitadas. Mas fazer o quê? Sem ter uma resposta concreta a essa pergunta, passou o problema para sua irmã, médica pediátrica. O início da Pastoral da Criança foi humilde, perto de Londrina. Hoje, se estende por milhares de cidades e dezenas de países.
Muitos dirão: “Que pena que morreu, tendo tanto trabalho pela frente!” Não será essa expressão uma espécie de acomodamento? Não será mais lógico dizer: “Que herança que Dra. Zilda nos deixou! Quanto trabalho temos, agora, pela frente, para que outras crianças, pobres e necessitadas, tenham vida, e vida em abundância?...”
Publicado Quarta-feira, 13 de Janeiro do ano da Graça de 2010 por