Niterói – Rio de Janeiro
ZILDA ARNS, SERVIDORA DE DEUS E DA HUMANIDADE 

O apóstolo Paulo, em exortação na carta aos Romanos, 14, 18-19, tem uma palavra que se aplica, plenamente, no juízo que se pode, por justiça, fazer a respeito da vida e do testemunho da doutora Zilda Arns: “É servindo a Cristo, dessa maneira, que seremos agradáveis a Deus e teremos a aprovação dos homens.  Portanto, busquemos tenazmente tudo que contribui para a paz e a edificação de uns pelos outros”.  A história de sua vida ultrapassa, simplesmente, as mais nobres causas e motivações políticas.  Oportuno é recordar que a intuição que originou a Pastoral da Criança se aplicou, em primeiro lugar, em Florestópolis, no Paraná, na arquidiocese de Londrina, com o incentivo do irmão dom Paulo Cardeal Arns, e com o apoio decisivo de dom Geraldo Majela Cardeal Agnelo, então arcebispo metropolitano naquela região.

A origem desse projeto, que chegou a motivar a sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz, nasceu no meio dos mais pobres, sem os holofotes habituais dos interesses eleitoreiros e da mesquinhez de se tirar proveito de algo, particularmente  no âmbito da projeção política.  O olhar fixado nos mais pobres,  endereçado às crianças, patrimônio a ser defendido e promovido, com todo o esforço, fez brotar do coração de doutora Zilda esta intuição.  Um discernimento fazendo a diferença, mudando estatísticas na mortalidade infantil, com traços de milagre operado pela força do amor que toma conta do coração de tantos voluntários, exemplares curadores  e promotores da vida.

Os custos baixos e o efeito significativo da operação da Pastoral no cenário da exclusão social e da desnutrição, não podem deixar envergonhar e fazer pensar mil vezes todos aqueles que se apropriam e usufruem de aparatos caros e   sofisticados produzindo tão pouco efeito no quadro das mudanças urgentes.  O legado da doutora Zilda, com o exercito de voluntários de todas as classes sociais, na Pastoral da Criança e na Pastoral da Pessoa  Idosa, não poderá servir de âncora para alavancar candidaturas ou para promover  plasticamente figuras políticas.  Mas deverá ser uma realidade que continuará a fazer o bem, ganhando o mundo, a custo de sacrifícios e, sobretudo, da convicção amorosa de tantos, incluindo mesmo a oferta abnegada da própria vida: o segredo deste sucesso.  Esta realidade está sacramentada na tragédia do terremoto do Haiti, em que a doutora Zilda se encontrava, por razões humanitárias, imolando sua vida ali ofertada, sangue também derramado – tombando como um jequitibá, num grande mistério da fé e da existência humana.

Começou em Florestópolis e concluiu no Haiti.  Sempre entre os mais pobres e na luta pela vida.  Há uma pergunta que precisa ser feita por todos, contemplando o conjunto desta trajetória, graças a Deus situada numa limpidez que não se mistura com os óleos da corrupção e do uso indevido do que é para o bem de todos.  Esta pergunta respondida fará compreender onde nasce o segredo de uma intuição da qual uma médica e sanitarista se tornou depositária, fazendo a diferença, mudando cenários e vencendo as estatísticas alarmantes da mortalidade infantil.  De onde nasce esta intuição e o que a mantém a sua força?  É preciso começar a responder esta pergunta dizendo logo, para não perder tempo, que o sustento e a moldura de todo esse patrimônio, a Pastoral da Criança e a Pastoral da Pessoa Idosa, serviço da Igreja Católica na sociedade pluralista contemporânea, não nasce de motivações políticas.  Se o fosse não avançaria com a mesma força, é incontestável.  A intuição e a audácia corajosa deste serviço à vida nascem da fé.  A pessoa de Jesus Cristo é o nascedouro e o ápice deste segredo.  A fé banha e fermenta a formação técnica e a consciência de cidadania.  Quando ela se prescinde, o percurso é mais árduo e falta a sabedoria do coração.

O Papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica “Deus é Amor”, n. 31, lembra que não basta por si só a competência profissional e que os seres humanos necessitam sempre de algo mais do que um tratamento apenas tecnicamente correto: “os seres humanos têm necessidade de humanidade, precisam da atenção do coração”.  O trabalho profissional, a vida e os afazeres não atingem suas metas apenas por execuções habilidosas, menos ainda por artimanhas políticas.  Mas sim pelas atenções e intuições sugeridas pela coração.  A formação do coração é capítulo indispensável, e a fé insubstituível nesse processo.  É o encontro com Deus em Cristo que suscita o amor, gera sabedoria enquanto força que faz perseverar, e abre o íntimo ao outro de tal modo que o amor do próximo, não seja uma imposição, mas, diz o Papa Bento XVI, “uma cconseqüência resultante da sua fé que se torna operativa pelo amor”.  É preciso refletir e proclamar aos corações que a excelência da doutora Zilda e seu legado vêm pela fé.

Colaboração: Dom Walmor Oliveira de Azevedo – arcebispo de Belo Horizonte