BB indigenaAs crianças das comunidades de Bororó e Jaguapirú, em Dourados, crescem em uma realidade bem diferente da encontrada em 2005 por Dra. Zilda

Desde que a Pastoral da Criança passou a cadastrar de maneira especial o acompanhamento das comunidades indígenas, no ano 2000, este grupo tem demonstrado um crescimento tanto no número de famílias atendidas – consequentemente crianças e gestantes –, e visto números, como nascimento com baixo peso e mortalidade de crianças, cair.

Em todo o Brasil, mais de 7.500 famílias foram acompanhadas durante o ano de 2014; este número 15 anos antes não chegava a 4.300 famílias. Da mesma forma, o atendimento às crianças cresceu de 6,6 mil para mais de 11 mil no mesmo período. A dedicação vem desde o período que Dra. Zilda Arns estava à frente da Pastoral da Criança. Ela coordenou de 2000 a 2006 a Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), que faz parte do Conselho Nacional de Saúde.

“Nossa estratégia de trabalho inclui o conhecimento da realidade nas aldeias, contatos com o Ministério da Saúde e organizações que acompanham os indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário [CIMI], consentimento e apoio dos caciques, seus conselhos e da Fundação Nacional do Índio [FUNAI]”, explica o gestor de relações institucionais da Pastoral da Criança, Clóvis Boufleur. Atualmente ele é integrante do Conselho Nacional de Saúde e coordenador adjunto da CISI.

“A Pastoral influenciou, sem tirar a cultura deles”

Em 2005, ao visitar um grupo no município de Dourados, estado do Mato Grosso do Sul, Dra. Zilda encontrou um número alarmante: seis óbitos de crianças por desnutrição. “Ela visitou duas aldeias – Bororó e Jaguapiru – e constatou que lá existiam mais de 500 crianças, e dentre essas, 120 receberam atenção especial porque estavam em risco de desnutrição ou desnutridas”, conta Vânia Lúcia Leite, assessora nacional da Pastoral da Criança e que acompanhou a coordenadora. Na época, a equipe permanente era composta por quatro médicos, um nutricionista, quatro enfermeiros e 33 agentes de saúde. Após a visita, a equipe ganhou mais dez médicos, cinco nutricionistas, dez enfermeiros e outros 33 agentes de saúde. “Além disso, enviaram veículos para o transporte de equipes médicas e, com essa medida foi ampliada avaliação”, lembra a assessora.

Hoje os números das aldeias de Bororó e Jaguapiru são bem diferentes. Das 90 famílias cadastradas, 100% foram visitadas em 2014. O número de crianças nascidas com baixo peso chegou a zero, assim como a porcentagem de desnutrição, e todas elas foram vacinadas conforme a idade. Há nove anos atuando na Pastoral da Criança, e quatro anos à frente dessas comunidades indígenas, a voluntária Regina Vieira de Almeida aponta o que acredita ser o diferencial: “A Pastoral influenciou a abertura do pensamento nas questões de direitos e de saúde, sem tirar a cultura deles”.

Além destas, Regina coordena ainda outras duas comunidades indígenas. Para ela, o principal ponto é aprender a conviver com as diferenças da cultura deles e a do homem branco. Ela conta que questões como prazos são diferentes. “As coisas acontecem no tempo deles”. Mas destaca que a dedicação dos líderes é admirável: apesar de alguns deles não saberem escrever e não poderem preencher o Caderno do Líder, por exemplo, eles sabem “nome por nome de cada criança. É um trabalho muito bem feito”, aponta.

Mortalidade infantil

Ao participar destes espaços, a intenção era acompanhar de perto a situação daquela população e poder incidir de maneira real nos números que mostravam um comprometimento da infância indígena. Entre as crianças acompanhadas pela Pastoral da Criança, o índice de mortes a cada mil nascidos vivos era de 34,2 em 2000, e passou para 10,4, em 2014. Entretanto, os dados nacionais demonstravam na época, e demonstram ainda hoje, um número muito maior de mortalidade infantil entre a população indígena: segundo dados do IBGE/Pnad/2009 esse número chega a 41,9 por mil nascidos vivos. O censo de 2010, entre toda a população nacional, apontou que a média brasileira era de 15,6 a cada mil crianças nascidas vivas.

O alto número de crianças indígenas que morrem ainda traz outro dado importante: a desnutrição é uma das principais causas de morte – causa esta considerava como evitável. Desde o surgimento da Pastoral da Criança, em 1983, a considerável queda no número de mortes entre crianças se dá pelo cuidado da saúde infantil através de ações preventivas e de nutrição. Entre as crianças índigenas acompanhadas, em 2014, a média de desnutridos foi de 2,3%, entre os mais de 11 mil cadastrados, e a taxa de crianças nascidas com baixo peso foi de 3,3%. “Os focos de desnutrição nas aldeias coincidem com o abandono da amamentação exclusiva, que entre os índios ocorre normalmente a partir do primeiro ano. A baixa disponibilidade de alimentação adequada e água potável para a criança aumentam os índices de diarreia”, aponta Boufleur. A média mensal de crianças com diarreias em 2014 foi de 6,9%, sendo que 93,5% delas tomaram o soro caseiro, uma das principais campanhas da Pastoral da Criança contra a desidratação.

Abertura

Desde o início das ações da Pastoral da Criança nas comunidades, uma das questões percebidas foram os problemas sociais enfrentados pela população local. Em 2005, ao realizar uma viagem para algumas aldeias de Dourados, Mato Grosso do Sul, Dra. Zilda percebeu algumas questões, como alcoolismo e drogas, relacionando isso ao alto número de desnutrição das crianças, “Há famílias dependentes de álcool, que têm crianças menores, e acabam as negligenciando”, relembra a assessora nacional da Pastoral da Criança, Vânia Lúcia Leite.

Ela, que acompanhou a médica nas visitas, lembra que estes são problemas que não competem à atenção básica, “estão mais para a ausência de outras ações políticas, como a questão da renda, do emprego, da educação”. Na época, um levantamento foi feito e indicou que as crianças mortas por desnutrição tinham, em quase todos os casos, famílias sem nenhuma escolaridade.

Para Regina Vieira de Almeida, que coordena a Pastoral da Criança em três comunidades indígenas na região de Dourados, a abertura dos índios para a ação demonstram a aprovação deles ao trabalho realizado. “Entra na aldeia quem eles gostam e deixam entrar”, conta. Ela, que não tem origem indígena, coordena o serviço voluntário nas três comunidades e deve ter uma nova comunidade indígena com acompanhamento ainda em 2015 – um pedido das famílias e das agentes de saúde locais que reconhecem a carência da região.

“Costumo dizer que a aldeia é um mundo a parte. Por isso o trabalho desenvolvido lá também tem que ser”, afirma. Apesar de ser o mesmo material utilizado em todo o Brasil, a metodologia da Pastoral da Criança nas comunidades indígenas é diferenciada. A ideia é atingir a missão da instituição de “promover vida plena a todas as crianças”, mas respeitando a cultura local. Por isso, o incentivo para que as líderes sejam indígenas, como acontece com os agentes de saúde da região de Dourados – lá, a maior parte dos agentes de saúde são líderes da Pastoral e são de origem indígena. Para a coordenadora da Pastoral da Criança na diocese de Dourados, Ir. Claudete Maria Boldori, estar numa aldeia é mais que dar orientações, “nós é que aprendemos com eles”, afirma.

Pastoral da Criança em comunidades indígenas*:

Nº de famílias cadastradas - 7.597
Nº de gestantes cadastradas - 809,7
Nº de crianças < 6 anos cadastradas - 11.048
Crianças nascidas com baixo peso - 3,3%
Crianças < 1 ano visitadas no mês - 98,2%
Bebês de 6 meses que mamam só no peito - 88,5%
Crianças desnutridas - 2,4%
Crianças com sobrepeso ou obesidade - 0,7%
Média mensal de mortes (< de 1 ano) - 1,3
Mortalidade por mil nascidos - 10,4
Nº de municípios com Pastoral da Criança - 95
Nº de comunidades - 242
Total de voluntários - 1.342

*Números referentes ao ano de 2014 em todo o Brasil. Dados do Sistema de Informação da Pastoral da Criança, no dia 9 de abril de 2015.

Segurança alimentar

A questão alimentar dos índios brasileiros é uma das pautas essenciais para a Pastoral da Criança. Existem focos de insegurança alimentar em dezenas de áreas indígenas. “A perda da cultura alimentar está relacionada principalmente com a base proteica vegetal, como batata doce, mandioca, abóbora, inhame, milho, feijão e frutas como mamão e banana, pescados e carnes. Além disto, existe oferta de produtos, por meio de cestas básicas e do comércio, com alto teor de açúcar e carboidratos”, afirma Clóvis. A principal conclusão do 1º Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, realizado em todo o Brasil, entre 2008 e 2009 é de que “as alterações nos padrões alimentares e de atividade física têm provocado drásticas transformações na saúde indígena e levaram para as aldeias problemas como obesidade, hipertensão arterial e diabetes”.

Nos últimos anos, um das ações da Pastoral na CISI tem sido o fortalecimento de ações de segurança alimentar. Segundo o gestor, as manifestações indígenas em eventos indicam a necessidade de intensificar atividades intersetoriais de educação e promoção da saúde, como valorização das práticas de saúde tradicionais, alimentação saudável e de costume, saneamento básico e ambiental, e o fortalecimento da capacidade dos próprios índios de cuidar da saúde na sua comunidade. “Destaco três desafios atuais para as populações indígenas: garantir a terra e as condições para produzir o próprio alimento, definir claramente como será a assistência e a atenção à saúde nas aldeias, e impedir que álcool e drogas tomem conta das comunidades indígenas”, afirma. Reconhecer os problemas é um primeiro passo para resolvê-los. Entretanto, para isso, é preciso que organizações e governos atuem juntos. A Pastoral da Criança já está fazendo a sua parte.