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Leonardo Ulrich Steiner - Bispo auxiliar de Brasília e secretário geral da CNBB

O debate sobre a redução da maioridade penal tem ganhado os meios de comunicação nos últimos dias devido ao Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993, votado e aprovado, no dia 31 de março, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

O bispo auxiliar de Brasília e secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Ulrich Steiner, afirmou que “a diminuição da maioridade penal é desserviço". Para ele, os parlamentares deveriam "sair em defesa da dignidade das crianças e adolescentes e não descartá-las". Dom Leonardo ainda recorda a iniciativa da Conferência na convocação do Ano da Paz. "Saiamos ao encontro das pessoas e estendamos a mão, não as descartemos", disse.

Acompanhe a entrevista:

Dom Leonardo, como o senhor avalia a retomada da tramitação da PEC nº 171/1993, que propõe a redução da Maioridade Penal de 18 para 16 anos?

Dom Leonardo Steiner“Deixai vir a mim as crianças”, disse Jesus. E poderíamos acrescentar e não as afasteis. O problema é o ponto de partida, a visão de pessoa, o que se deseja. Avalio que há uma série de equívocos associados à questão da maioridade penal, como por exemplo, a tentativa de revogar o Estatuto do Desarmamento, ampliando o número de armas que podem ser portadas e reduzindo-se a idade para aquisição delas. Lamento profundamente que alguns parlamentares da Câmara dos Deputados queiram sanar uma doença com o paciente na UTI, aplicando uma dose que poderá leva-lo à morte, ao invés de criar as condições para curá-lo. Afinal o que se pretende? Estimular a violência? A retomada da tramitação da PEC nº 171/1993 e as várias proposições apensadas são iniciativas que objetivam criminalizar o adolescente e submetê-lo a penalidades no âmbito carcerário, maquiando a verdadeira causa do problema e desviando a atenção com respostas simplistas, inconsequentes e desastrosas para a sociedade. A delinquência de adolescentes é, antes de tudo, um grave aviso: o Estado, a Sociedade e a Família não têm cumprido adequadamente seu dever de educar, formar, integrar. Ao mesmo tempo não têm assegurado, com prioridade, os direitos da criança e do adolescente, conforme estabelece o artigo 227 da Constituição Federal.

Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente não deixa impune o adolescente que pratica crimes?

O Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, ao contrário do que se propaga injustamente, é exigente com o adolescente em conflito com a lei, e não compactua com a impunidade. O ECA reconhece a responsabilização do adolescente autor de ato infracional, mas acredita na pessoa e tem como horizonte a pessoa humana inserida na vida comum. Assim, propõe a aplicação de medidas socioeducativas que valorizam a pessoa do adolescente e favorecem condições de autossuperação para sua retomada de vida em sociedade. À sociedade cabe exigir do Estado não só a efetiva implementação das medidas socioeducativas, mas também o investimento para uma educação de qualidade, além de políticas públicas que eliminem as desigualdades sociais. É dever de todos apoiar as famílias para que as crianças e adolescentes tem casa material e a casa do amor. Junta-se a isto a necessidade de se combater corajosamente a epidemia das drogas e da complexa estrutura criminosa que a sustenta, causadora de inúmeras situações que levam os adolescentes à violência e à morte.

Em maio de 2013, durante reunião do Conselho Episcopal Pastoral (Consep), foi divulgada uma nota em que a CNBB reafirmou que a redução da maioridade não é a solução para o fim da violência: "Ela é a negação da Doutrina da Proteção Integral que fundamenta o tratamento jurídico dispensado às crianças e adolescentes pelo Direito Brasileiro. A Igreja no Brasil continua acreditando na capacidade de regeneração do adolescente quando favorecido em seus direitos básicos e pelas oportunidades de formação integral nos valores que dignificam o ser humano".

A redução da maioridade penal traz que consequências, na opinião do senhor?

Além de criminalizar o adolescente, deixando impunes os verdadeiros donos das redes do tráfico de drogas e os agentes públicos responsáveis por combatê-las, a redução da maioridade irá permitir que abusadores de adolescentes que tenham idade a partir da fixada na Constituição fiquem impunes, vez que os crimes dos quais eles são acusados, perderão o objeto. A consequência de mudança na maioridade penal atinge todos os níveis da convivência humana do adolescente. Disso não se fala, sobre isso não se reflete. Outro efeito grave dessa medida é que desresponsabiliza os agentes públicos dos poderes da República, inclusive do Congresso Nacional, de sua missão institucional de garantir o acesso aos direitos básicos como educação de qualidade, saúde pública, segurança, transporte público, acesso à cultura e ao lazer, a prática esportiva saudável, ou seja, os direitos civis, políticos e socais para melhoria da condição de vida de nossa população. Diante de tantas denúncias e comprovações de corrupção, que modelos têm nossas crianças e adolescentes e que ideia podem fazer sobre as pessoas que estão no exercício dos poderes neste país?

O que CNBB propõe?

O papa Francisco tem demonstrado, através de suas palavras, gestos e documentos, que a Igreja não pode se calar diante das injustiças, que poderão ainda mais agravar a situação ao invés de superá-las. O Projeto que visa diminuir a maioridade penal é um Projeto de morte contra crianças, adolescentes e jovens empobrecidos das periferias de nossas grandes cidades. Os adolescentes, em sua grande maioria, foram descartados, para usar uma expressão do Santo Padre, socialmente e, com a diminuição da maioridade penal, serão descartados em sua totalidade. Não desejamos o descarte, mas a inserção social. Há exemplos de recuperação dos jovens quando se investe no cumprimento efetivo do Estatuto da Criança e Adolescente. Não se pode condenar nossa juventude, sem antes dar oportunidades de crescimento e vida plena. Tenho a esperança de que a Campanha da Fraternidade deste ano de 2015, neste tempo da quaresma, possa fazer com que os parlamentares que estão apoiando a redução da maioridade penal, revejam suas posições, deixando-se interpelar pelo evangelho de Jesus que, neste tempo, estamos refletindo: “Eu vim para servir” (Mc 10,45). A diminuição da maioridade penal é desserviço! Os senhores parlamentares deveriam sair em defesa da dignidade das crianças e adolescentes e não descartá-las. Durante sua visita ao Brasil em 2013, o papa Francisco exortou todos os cristãos a não assumirem uma posição pessimista diante das dificuldades presentes em nossa sociedade, nem uma posição meramente reativa ou pior, de resistência e isolamento. Ele nos chamou a unir forças com os homens e mulheres de boa vontade que desejam construir um mundo melhor. Um mundo mais justo, mais fraterno, mais solidário e inclusivo. A CNBB, sabedora das dificuldades, tensões e violência convocou o Ano da Paz. Somos da Paz. Saiamos ao encontro das pessoas e estendamos a mão, não as descartemos.

Entrevista e foto: Site da CNBB