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Foto: Acervo da Pastoral da Criança

A edição deste mês da revista The Lancet, uma das principais publicações científicas internacionais, trouxe uma conclusão que deve ser levada em consideração tanto por profissionais da área da saúde, quanto da gestão pública. O que já se desconfiava agora está comprovado: a pobreza e a desigualdade social prejudicam seriamente a saúde, diminuindo o tempo de vida. E são ainda mais prejudiciais que outros fatores de risco convencionais, como obesidade, hipertensão e consumo excessivo de álcool.

De acordo com o artigo divulgado, o baixo nível socioeconômico reduz a expectativa de vida em 2,1 anos em adultos entre 40 e 85 anos. A hipertensão, por sua vez, reduz em 1,6 ano. A obesidade em 0,7 ano e o alto consumo de álcool em meio ano.

O estudo, liderado por Silvia Stringhini, do Hospital Universitário de Lausanne (Suíça), envolveu cerca de 30 especialistas de instituições renomadas (como a Escola de Saúde Pública de Harvard, a Universidade de Columbia, o King's College de Londres e o Imperial College de Londres) e dados sobre 1,7 milhão de pessoas – analisando as relações entre o nível socioeconômico e a mortalidade.

A pesquisa traz, ainda, uma crítica às políticas da Organização Mundial de Saúde (OMS), que ainda não menciona este aspecto da pobreza entre os seus objetivos e recomendações. A repercussão do estudo também apontou falhas nas estratégias dos governos, na medida em que pouco investem em soluções estruturais, concentrando as ações de prevenção em escolhas individuais, como praticar esportes e não fumar. “O baixo nível socioeconômico é um dos mais fortes indicadores de morbidade e mortalidade prematura em todo o mundo. No entanto, as estratégias de saúde global não consideram as circunstâncias socioeconômicas pobres como fatores de risco modificáveis”, expõe o artigo, de acordo com tradução do Portal da Rede de Alimentação e Nutrição do Sistema Único de Saúde.

Saiba mais: artigo completo da The Lancet (em inglês)

Contribuição da Pastoral da Criança

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Foto: Acervo da Pastoral da Criança

“O combate a pobreza sempre foi uma prioridade da Pastoral da Criança. Pensamos a saúde como resultado de um processo coletivo e não uma relação médico-paciente. É muito bom sabermos, através destes relevantes estudos, que estamos no rumo certo”, afirma Dr. Nelson Arns Neumann, coordenador da Pastoral da Criança Internacional, coordenador nacional adjunto e médico epidemiologista de formação. E destacou: “Todos temos um papel relevante na construção de uma sociedade justa e fraterna”.

Visão dos gestores

Essa construção de um mundo melhor, mais equilibrado, passa pela maneira pela qual se olha para a primeira infância. Por isso, a Pastoral da Criança também procura acompanhar as discussões e decisões dos gestores que possuem a responsabilidade de zelar pela qualidade de vida da população e pelo futuro de seus municípios, estados e países.

Em encontro com a coordenação nacional da Pastoral da Criança, em Curitiba (PR), Dr. Halim Girade, Secretário Nacional de Promoção do Desenvolvimento Humano, ligado ao Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário (MDS), comentou sobre essa questão. “A desigualdade é crucial no desenvolvimento da criança. Entre os objetivos dos governos, um deles deveria ser diminuir a desigualdade. Ela tem efeitos profundos nas vidas das crianças mais vulneráveis. Esse fosso entre as crianças mais vulneráveis e as menos vulneráveis é determinante na qualidade de vida, no acesso, na ascensão social e, inclusive, na questão da paz. A paz se constrói desde antes do nascimento, na família, na primeira infância. A desigualdade elimina a possibilidade de você fortalecer as questões cognitivas e psicossociais da criança. Quanto mais desigualdade, maior o fosso, maior a chance de se ter crianças vulneráveis que serão adultos sem condições e sem oportunidades. E crianças que tiveram oportunidades vão poder ser adultos com melhores condições de vida”, afirmou.

Dr. Halim também elencou alguns exemplos de situações em que emergem os efeitos prejudiciais da pobreza e destacou a importância das pesquisas para basear ações: “Há muito tempo, o Brasil tenta trabalhar na diminuição dessa desigualdade. Só que uma das coisas, na verdade, tem aumentado a desigualdade, é a questão da tecnologia. Nós temos crianças com tecnologia e crianças sem tecnologia. Mais que isso, crianças sem acesso ao sistema de saúde e crianças com acesso. Pais sem educação adequada, suficiente para que possam ficar em paz com suas famílias e pais que têm oportunidades. Essas desigualdades são inaceitáveis, porque elas geram seres humanos diferenciados: aqueles que praticamente já ficam sem oportunidades na vida e aqueles com oportunidades na vida. Então, o que nós temos que fazer é aproveitar esse estudo da The Lancet, para confirmar o que a gente já sabia. É importante confirmar. Quando nós temos a confirmação científica, quem sabe os gestores, os governantes, possam olhar de forma diferenciada para isso”.

O representante do Ministério, aproveitou ainda, para falar do novo projeto do governo federal: “Trabalhar a questão na primeira infância é objeto do Ministério do Desenvolvimento Social a Agrário, e da Pastoral também, de forma intersetorial, trazendo saúde, educação, assistência, justiça, até obras para dentro da proposta. E exigir dos governantes as condições para essas famílias, isso tem sido absolutamente importante. É por isso que está sendo desenvolvido o programa Criança Feliz, que é uma complementação de alguns programas que já existem, inclusive a Pastoral da Criança é um deles. O programa é aprofundado essencialmente no relacionamento do cuidador (que pode ser a mãe, o pai, os avós) e a criança. Precisamos fortalecer essa criança. Nós temos que dar carinho, atenção, afeto. Agora, isso só não é suficiente. Temos que dar condições de vida e de renda para a família. E além da renda da família, condições de educação aos pais e essas crianças. Na questão da saúde, não pode faltar vacina, não pode faltar medicamentos, profissionais que cuidem desde a gestação até o sexto ano, fundamentalmente, quando a gente fala de primeira infância. Em síntese, as desigualdades são fatais, essas desigualdades que existem no Brasil e em grande parte do mundo. Nós não podemos marcar as crianças: 'essas têm mais oportunidades e essas têm menos oportunidades'. Nosso objetivo comum é oferecer oportunidade para essas famílias”.