Líder, capacitadora e coordenadora de área Roseli Flauzino conversando sobre prevenção com as gestantes da comunidade
Crianças e adolescentes nas ruas, precocemente expostos aos perigos das drogas, da prostituição e das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Essa realidade que Edvaneide da Silva quer mudar. Ela é líder da Pastoral da Criança há 10 anos, capacitadora e articuladora de saúde na comunidade Tamarutaca, em Santo André, região do grande ABC no estado de São Paulo. E é de lá que vem o exemplo de alguém que não se conformou com a situação que via e teve a coragem de chamar a atenção para um problema que muita gente tem vergonha de lidar.
Para Edvaneide, um dos aspectos que facilita e agrava este cenário é o fácil acesso dos jovens, e até de crianças, aos “bailes funks” que são realizados com frequência na comunidade. Ainda sem maturidade suficiente, nestes espaços os pequenos acabam tendo contato com o álcool, substâncias ilícitas e ao sexo sem proteção, colocando em risco sua saúde.
Ver, julgar e agir
Percebendo o aumento dos casos de DSTs na região e o alto índice de gravidez na adolescência, os líderes viram a necessidade da criação de campanhas de orientação para este público. “Política pública existe, mas não está dando conta. Precisava ser feita alguma coisa na comunidade. A Pastoral da Criança está cutucando”, desabafa a voluntária, que teve diversas conversas com o padre local para que a paróquia também apoiasse a iniciativa.
O apoio de profissionais da Unidade de Saúde fortaleceu as ações de prevenção
Mudança com informação e estudo
Edvaneide, então, escolheu essa temática para desenvolver em seu trabalho de conclusão de curso para se formar na Faculdade Paulista de Serviço Social de São Caetano do Sul (FAPSS), estudando como a Pastoral da Criança poderia contribuir nesta questão. Levando em conta aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais da comunidade, a líder identificou as oportunidades presentes nas visitas domiciliares, Celebrações da Vida, reuniões para reflexão de avaliação e parcerias com outras instâncias locais.
A mobilização começou em fevereiro de 2015, primeiramente com a reflexão dos líderes. Aos poucos, foram agregando mais parceiros e garantindo uma nova atividade a cada mês. Dessa forma, foi se configurando uma campanha mais ampla, unindo as forças da Igreja, do Serviço Social do Comércio (SESC Santo André), da Unidade Básica de Saúde e de um vereador (representante do governo).
Diocese de Santo André
As atividades na Diocese de Santo André tiveram início em agosto de 1987, na comunidade Rainha dos Mártires, da Paróquia Imaculada Conceição, no município de Mauá. O trabalho continua crescendo nas periferias da Diocese e muitos líderes estão atuando em favor da vida. Hoje, a Pastoral na Diocese de Santo André conta com 593 líderes e 435 pessoas de apoio, atuando em 114 comunidades de 52 paróquias, acompanhando 5.133 famílias, num total de 5.865 crianças e 412 gestantes.
Comunidade Tamarutaca
A comunidade Tamarutaca localiza-se na zona noroeste da cidade de Santo André, entre o prédio do Serviço Social do Comércio (SESC) e a Faculdade de Medicina do ABC. Conta com uma área ocupacional de 101.700m². O terreno pertence à Prefeitura Municipal. As primeiras ocupações se deram a partir de 1976, com migrantes do Nordeste. Atualmente, a sua população é de 6.185 habitantes, distribuídos em 1637 domicílios, segundo dados do IBGE (2010). São acompanhadas pela Pastoral da Criança: 64 famílias, 74 crianças de zero a seis anos e seis gestantes.
Papel do articulador para conquistar parcerias
Ao longo da pesquisa, ficou clara a importância do articulador, como um mediador que liga a Pastoral da Criança a outras instituições e instâncias. “Ele tem como ponto de partida as necessidades sentidas pela comunidade”, explica o trabalho. Como base, estão os indicadores obtidos da Folha de Acompanhamento do Conselho de Saúde (FAC - Saúde), que revelam, entre outros dados, a mortalidade infantil, o uso de antibiótico em crianças, a frequência de participação nas reuniões do Conselho de Saúde e elaboração de ações preventivas. Com estas informações, e conhecendo a missão da Pastoral da Criança, este voluntário busca parceiros para o que não é possível resolver de maneira isolada.
Da pesquisa da líder, pode-se tirar uma dica para conquistar estes parceiros: “é necessário primeiro mapear o território, fazer um levantamento das entidades no entorno e descobrir qual o trabalho que cada uma oferece, e para qual público trabalha. Isso ajudará na hora de pensar uma parceria”.
O SESC, por exemplo, já desenvolvia na região dois projetos com crianças, adolescentes e suas famílias. O gerente da instituição costumava disponibilizar um nutricionista e um dentista para falar com voluntários e famílias, e doava kits de escovação de dente para as crianças. Este histórico de relacionamento ajudou a conquistar o apoio para a nova ação.
O vereador também já tinha colaborado anteriormente, quando uma criança foi mordida por um rato e o fato gerou uma mobilização para que a comunidade passasse a ter coleta de lixo, entre outras medidas para melhorar as condições do ambiente. Nessa campanha de prevenção às DSTs, ele colaborou solicitando ao prefeito que fosse feito um levantamento das doenças na cidade, quais seriam os tratamentos e que medidas estavam sendo tomadas para controlar essas doenças.
A partir da conversa com a enfermeira responsável pela Unidade de Saúde, que passou a participar da Celebração da Vida em todos os meses, ela e outros oito agentes comunitários de saúde puderam conhecer melhor o que os voluntários realizam e aproveitar outros espaços para compartilhar informações com as famílias, como os encontros pastorais. Com isso, cresceu a procura por consultas e exames. E, ainda, aos poucos, vai-se quebrando uma grande barreira, que é o tabu de falar sobre aspectos da sexualidade nas conversas familiares - muitas vezes porque os próprios pais não tiveram essa abertura quando novos e não conseguem conversar com seus filhos.
Dra. Zilda
“Além do acompanhamento da gestante, é muito importante que você, líder, converse com os articuladores, o pessoal do Conselho de Saúde, para ver se o atendimento oferecido pelo Sistema de Saúde local está de acordo com as necessidades do pré-natal”.
Papa Francisco
“Jesus pede-nos para pô-lo em prática, para viver as suas palavras”.
Inspiração para outras comunidades
Como estudante (agora profissional formada), líder e representante da Pastoral da Criança no Conselho de Saúde, Edvaneide demonstrou um real compromisso com a vida plena das crianças que vivem ao seu redor e uma preocupação com a perspectiva de futuro. Ela acredita também na importância do diálogo com os adolescentes da comunidade (muitos que tiveram sua infância acompanhada pela Pastoral da Criança, inclusive), que estão se tornando pais e mães precocemente e não deixam de ser referências para irmãos menores e para a comunidade de maneira geral. A campanha vem cumprindo um papel de informar, de conferir cidadania, de despertar consciências, de combater a naturalização da violência e da falta de autoestima. Um próximo passo é tentar garantir a continuidade das parcerias, desta vez de maneira mais formal. Com o auxílio do restante da equipe, a campanha deve continuar.
E você? Também tem alguma situação que você acha que precisa mudar e melhorar em sua comunidade? Que tal dar o primeiro passo e conversar com mais gente sobre isso?