Metodologias
Aprender a Viver Juntos incorpora ao mesmo tempo metodologias tradicionais e modernas. Para ajudar a estabelecer um equilíbrio apropriado durante o programa, as atividades foram agrupadas segundo sua metodologia nas páginas 63 e 64. A Seção 5, Recursos, fornece materiais suficientes para todas essas atividades, mas talvez você prefira criar seus próprios materiais.
A ideia central destas metodologias foi estabelecida nos escritos de Janusz Korczak, um escritor e educador de crianças polonês de origem judaica que desempenhou um importante papel ao fornecer novos conhecimentos sobre a psicologia infantil. Em seu diário e em outros escritos, é possível destacar a seguinte atitude e abordagem:
> Estimule todas as crianças a desenvolver um sentimento saudável de autoestima. Elas devem se sentir felizes consigo próprias, mas sem a necessidade de diminuir os outros; este é um pré-requisito para ser um indivíduo ético. É preciso ajudar todas as crianças a desenvolverem um sentimento de orgulho em relação à sua família, sua comunidade, sua cultura e sua religião, valorizando ao mesmo tempo outras famílias, comunidades, culturas e religiões.
> Discuta e reflita sobre situações concretas utilizando estudos de casos práticos, tanto histórias verdadeiras de outros como situações extraídas das experiências dos outros participantes em que decisões e escolhas éticas precisaram ser feitas. A discussão deve se concentrar nas escolhas feitas e no processo de deliberação que precedeu a decisão: o que teve que ser levado em conta e por quê? Quais teriam sido as consequências se outras decisões tivessem sido tomadas?
> Utilize histórias, parábolas, aforismos e canções tradicionais para estruturar e orientar a discussão sobre comportamento ético.
> Em todo momento, os facilitadores devem mostrar um comportamento ético em relação aos estudantes e entre si. Os jovens captam muito rapidamente as tensões e o comportamento rude entre adultos e podem usar isso como desculpa para seu próprio comportamento.
> Estabeleça normas básicas para o comportamento do grupo e, se necessário, realize discussões disciplinares quando essas normas forem infringidas.[1]
Esses enfoques conduzem a metodologias que oferecem um espaço para a troca, a interação, o encontro, a descoberta, o pensamento crítico, a reflexão e a ação. A metodologia de Aprender a Viver Juntos coloca a indivíduo em um processo de aprendizagem automotivado que é conduzido em relação aos outros. Também contribui para o desenvolvimento de aptidões, aumenta os conhecimentos dos participantes e cultiva atitudes que os empoderam para viver e agir em uma sociedade plural.
Cabe a você, como facilitador, selecionar a metodologia mais apropriada para o grupo. Lembre-se que as metodologias sugeridas podem ser combinadas, adaptadas ao contexto e à idade dos participantes e aplicadas a muitas atividades. Os métodos são concebidos para promover a participação ativa, o envolvimento e a conexão com os outros.
Metodologias sugeridas
Aprendizagem baseada na experiência
A aprendizagem baseada na experiência utiliza experiências e reflexões sobre temas concretos para aumentar os conhecimentos, desenvolver aptidões e esclarecer valores. As experências podem se referir a acontecimentos passados da vida do participante, questões atuais ou situações resultantes da participação nas atividades práticas organizadas por professores e facilitadores. Os participantes, individual ou coletivamente, refletem sobre a experiência e a avaliam e analisam.
A aprendizagem baseada na experiência possui três características:
> Participação da pessoa em sua totalidade: intelecto, sentimentos e sentidos,
> Vinculação da aprendizagem às experiências pessoais, e
> Reflexão contínua para a transformação em uma compreensão profunda.
As metodologias baseadas na experiência podem ser desenvolvidas por meio de várias técnicas, como simulações, jogos, dramatização, aprendizagem de serviços e visitas de campo.
Aprendizagem baseada na cooperação
Os participantes são divididos em pequenos grupos que trabalham independentemente para alcançar um objetivo compartilhado. Os participantes buscam apoio mútuo para que todos os membros do grupo se beneficiem dos esforços de cada um. Na aprendizagem baseada na cooperação, há uma interdependência positiva entre os esforços de aprendizagem dos alunos; os participantes percebem que somente conseguirão alcançar o objetivo se todos os membros contribuírem para a tarefa indicada. O método facilita a aprendizagem por meio da interação.
A aprendizagem cooperativa melhora a capacidade da criança de trabalhar com pessoas diferentes. Durante as interações que se produzem em um grupo reduzido, ela descobre muitas oportunidades de refletir e discutir as diferentes respostas que os outros membros do grupo oferecem. Os grupos reduzidos também permitem que as crianças e adolescentes contribuam com suas perspectivas sobre um tema com base em suas diferenças culturais.
Esta troca ajuda os participantes a compreenderem outras culturas e pontos de vista. A aprendizagem baseada na cooperação também melhora a capacidade de comunicação dos participantes e fortalece sua autoestima. As atividades que requerem aprendizagem cooperativa promovem o sucesso de todos os participantes do grupo, contribuindo para a sensação de competência e valor pessoal de cada participante. Entre os exemplos de técnicas de aprendizagem baseada na cooperação, cabe destacar os projetos conjuntos, os jogos e a dramatização.
Aprendizagem baseada em problemas
Nessa metodologia, um problema é usado para ajudar a desenvolver a criatividade, o pensamento crítico e a capacidade da criança de analisar e refletir sobre valores éticos. As metodologias baseadas em problemas incentivam os participantes a fazer e responder perguntas, utilizando sua curiosidade natural. As crianças e adolescentes são confrontados com problemas que não têm respostas absolutas ou soluções fáceis, refletindo a complexidade das situações que ocorrem no mundo real.
A aprendizagem baseada em problemas ajuda os participantes a adotar um enfoque ativo, pragmático e autocontrolado da própria aprendizagem.
Essa metodologia pode ser utilizada em atividades de dramatização, na análise de casos, dilemas e problemas sociais ou com técnicas que utilizem a aprendizagem baseada na experiência.
Aprendizagem baseada na discussão
Discussões são interações verbais entre os participantes com o objetivo de incentivar a troca de ideias. Elas ajudam a desenvolver a capacidade de se comunicar e escutar e promovem a compreensão de questões e pontos de vista diferentes. As discussões podem ser realizadas de diferentes maneiras, incluindo debates, mesas redondas e grupos focais. Podem ser baseadas em estudos de casos práticos, em histórias e dilemas da vida real ou em filmes, imagens e músicas relevantes.
Frequentemente convém que um facilitador dirija as discussões. Recomenda-se que utilize técnicas de participação para resumir as ideias e descobrir relações entre elas. Essas técnicas incluem mapas mentais, esboços conceituais, metaplans ou técnicas de cartões.
Aprendizagem baseada na introspecção
É possível considerar a reflexão como parte de todas as metodologias mencionadas anteriormente, que incluem reflexões individuais e coletivas em diferentes etapas. Entretanto, há outro tipo de reflexão que vai além do intelecto, ajudando a criança a examinar seu próprio estado mental e a concentrar sua atenção na aprendizagem. Esse tipo de reflexão está relacionado às metodologias introspectivas que contribuem para o desenvolvimento do ser interior e da dimensão espiritual das crianças.
A introspecção permite aos participantes identificar e avaliar seus pensamentos, sentimentos e desejos íntimos. É especialmente importante nos programas interculturais e inter-religiosos de educação ética, porque permite que as crianças reflitam sobre seus valores e atitudes. Também é útil para avaliar as mudanças e compromissos pessoais.
A introspecção pode ser realizada individualmente ou em grupos. Técnicas como a meditação, os momentos de silêncio ou qualquer outra prática contemplativa ajudam os participantes a criar uma experiência de autorreflexão.
Técnicas sugeridas
> Arte: A arte é um excelente veículo para a aprendizagem: impulsiona a criatividade e melhora a capacidade de traduzir ideias em palavras, imagens e sons. A arte complementa o intelecto e ajuda a criança a refletir e a expressar seus pensamentos e ideias de forma criativa. Os exercícios artísticos podem incluir: compor músicas, fazer colagens, pintar camisetas, desenhar, fazer um filme, tirar fotografias ou escrever poemas e histórias. Também é possível explorar uma cultura ou uma sociedade através da arte.[3]
> Investigação apreciativa: Trata-se de uma técnica mais complexa que afirma que os problemas são frequentemente o resultado de nossas próprias perspectivas. Baseia-se na exploração de meios para transformar uma situação por meio do reconhecimento do que há de melhor nas pessoas e da descoberta daquilo que é vital nos relacionamentos e sistemas humanos. Supõe descobrir paralelismos no passado, analisar aquilo que deu melhores resultados e conceber o que se deseja no futuro. Exige observar as capacidades das pessoas e basear-se em seus pontos fortes para encontrar maneiras de transformar uma situação específica.
> Debates: É um método estruturado de argumentação entre duas equipes ou indivíduos. Mais que uma mera capacidade verbal ou de atuação, o debate consagra os ideais da argumentação racional, da tolerância com pontos de vista divergentes e do autoexame rigoroso. O debate é um mecanismo para que aqueles que sustentam pontos de vista opostos discutam assuntos controvertidos sem cair no insulto, nos apelos emocionais ou no preconceito pessoal. [4]
> Compartilhamento de experiências: Essa técnica melhora a capacidade das crianças e jovens de escutar, articular seus pensamentos e sentimentos e estabelecer uma conexão com os outros ao oferecer experiências reflexivas que os ajudam a lidar com seus próprios preconceitos. O uso da narração de histórias, círculos de percussão, histórias da vida real, filmes, músicas ou notícias de jornais contribui para criar um ambiente propício ao intercâmbio pessoal.
> Visitas de campo: Essa técnica leva a aprendizagem da criança para além das paredes da sala de aula, expandindo-a até a comunidade exterior. Oferece à criança experiências novas e desconhecidas que não poderiam ser reproduzidas no ambiente escolar. As visitas de campo proporcionam uma oportunidade de melhorar a socialização e a cidadania e de aumentar os conhecimentos e a compreensão sobre um assunto específico.
> Grupos focais: Neste caso, as discussões são realizadas em grupos de 5 a 10 pessoas com o objetivo de gerar informações e opiniões sobre um assunto específico. Nos grupos focais há um moderador que estabelece um programa de discussão adequado para o grupo e garante que todos os participantes tenham a possibilidade de falar. A interação entre os participantes pode estimular discussões e pontos de vista enriquecedores, gerando dados qualitativos sobre as consequências e a eficácia de um programa. Os grupos focais podem ser usados para examinar os tipos de conceitos e valores que as crianças ou os adultos têm sobre a paz, suas ideias sobre como abordar a violência e suas sugestões sobre a melhor maneira de promover a paz nas escolas e nas comunidades.
> Jogos: Por meio de jogos cooperativos, os participantes trabalham juntos para realizar uma tarefa estabelecida ou atingir uma meta. Jogos que melhoram a capacidade dos participantes de trabalhar coletivamente, adquirir confiança em si mesmos, descobrir novas ideias e questionar seus preconceitos são apropriados para a educação ética através da aprendizagem inter-religiosa. Entretanto, é necessário criar um ambiente propício para que se produza uma competição justa e respeitosa e evitar jogos que têm “perdedores” e “vencedores”. Os jogos podem ser utilizados também como exercício de aquecimento e para promover a participação e a formação de equipes.
> Iniciativas conjuntas: Essa técnica é baseada no trabalho em equipe e consiste na formação de um grupo diversificado para responder a uma situação específica. Incentiva a compreensão mútua e contribui para fortalecer a comunicação e a capacidade de ouvir, bem como o pensamento criativo sobre como conseguir mudanças na sociedade. As iniciativas conjuntas podem incorporar campanhas para promover os direitos da infância, intercâmbios estudantis, semanas temáticas, a realização de um vídeo e projetos para promover a compreensão e o respeito mútuos.
> Meditação: A meditação ajuda as crianças a se tranquilizarem, melhora sua concentração e aumenta seu bem-estar físico e mental. As técnicas de meditação incluem práticas contemplativas que propiciam maior consciência das ideias, desejos e sensações, a meditação enquanto se caminha e a meditação de plenitude mental. Por meio da meditação, as crianças podem aprender a controlar a raiva, o estresse e a frustração.
> Solução de problemas: É uma técnica tradicional na qual os participantes resolvem problemas e refletem sobre suas experiências trabalhando em conjunto. Sugere-se seguir uma série de etapas: explicar o problema, analisar suas causas, identificar soluções alternativas, avaliar cada alternativa, escolher uma, aplicá-la e verificar se o problema foi resolvido ou não. As atividades propostas neste material não seguem necessariamente uma série de etapas, mas apresentam um
problema para ser analisado e subsequentemente resolvido ou transformado.
> Dramatização: É uma maneira de se envolver na experiência dos outros e de explorar os problemas dos participantes sem se expor pessoalmente. Os participantes assumem o papel dos personagens e, em um processo de colaboração, criam uma situação que pode ser baseada na sua própria realidade. Os participantes podem determinar as ações de seus personagens de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo facilitador. A dramatização também pode ajudar a “quebrar o gelo” entre os participantes, incentivar a criatividade e criar sinergias no grupo. É uma técnica útil para melhorar a compreensão de uma determinada situação. A dramatização pode ser baseada em estudos de casos práticos ou situações de curta duração.
> Mesas redondas: Essa é uma técnica de debate e troca de ideias que propicia a igualdade e o respeito. Nenhum dos participantes à mesa pode assumir uma posição privilegiada e todos recebem o mesmo tratamento. Em uma mesa redonda, o moderador não dirige; todos os participantes contribuem. [5]
> Aprender prestando serviços: Essa técnica consiste em prestar serviço comunitário e refletir sobre esse serviço. Fomenta a responsabilidade social dos participantes e as atitudes altruístas para com a comunidade. A técnica de aprender prestando serviços também pode ser usada para aplicar conhecimentos e habilidades a questões específicas ou para aprender a transformar situações concretas. Entre os exemplos de atividades de aprendizagem pela prestação de serviços, cabe destacar: campanhas de reciclagem, programas ambientais ou aulas de informática para crianças de regiões menos privilegiadas.
> Simulações: Os participantes assumem papéis individuais em um grupo social e situação hipotéticos e experimentam a complexidade de implementar novas tarefas e atuar segundo suas novas funções. Esta técnica pode ajudá-los a analisar diferentes modalidades de ação, refletir sobre dilemas éticos e colocar-se no papel dos outros. Julgamentos simulados e entrevistas imaginárias fazem parte desta técnica.
> Esportes: Os esportes podem promover a igualdade, a participação e a inclusão e fortalecer as metas e os valores sociais dos indivíduos, como o trabalho duro, o jogo limpo, o desenvolvimento do caráter e o trabalho em equipe. Foi demonstrado que a participação nos esportes aumenta o compromisso com a comunidade, melhora as relações interpessoais e reforça a tendência a assumir funções de liderança. Como, além disso, promovem a coesão social e a compreensão e respeito mútuos, os esportes também podem ser usados para comunicar mensagens de paz e para ajudar a encontrar soluções não violentas para os problemas. [6]
> Narração de histórias: É uma arte antiga que consiste em transmitir eventos com palavras e sons, frequentemente por meio da improvisação. As histórias permitem que as crianças entrem em outro mundo que lhes é ao mesmo tempo muito familiar e desconhecido. Quando escutam juntos uma história, os ouvintes estabelecem um vínculo de comunhão e de comunidade. As histórias não são contos de fadas, mas expressões sobre todos os níveis do que realmente significa
ser humano. Por meio da narração de histórias, as crianças podem desenvolver sua capacidade de ouvir e colocar-se no lugar dos outros. Também podem desenvolver sua criatividade e a capacidade de refletir sobre seu próprio comportamento ao penetrar no mundo descrito na história.
O processo de aprendizagem e as metodologias sugeridas têm como objetivo incentivar o questionamento e a reflexão entre os participantes, aumentando sua capacidade de tomar decisões baseadas em valores éticos. Aprender a Viver Juntos tem como objetivo promover a transformação e levar crianças e adolescentes a observar e aprender a partir de sua própria experiência.
1. Janusz Korczak (1878–1942), pediatra, autor de livros infantis e pedagogo infantil polonês e judeu. Negando-se ofertas de ajuda em favor de sua segurança, preferiu acompanhara crianças de seu orfanato a Auschwitz; teria dito:“Não se deve deixar uma criança doente sozinha à noite, e não se deve abandonar as crianças em um momento como este.”A pedagogia infantil dele consistia em valorizar a criança como quem atua no presente e tem direitos próprios. Foi o criador da ideia de estabelecer “tribunais” nos orfanatos, em que todos – tanto criançasquanto adultos: eram recompensados ou corrigidos em igualdade (ver UNESCO Prospects,Quarterly Review of Education, Volume XVII, 1987).
2. David Kolb, Experiential Learning: Experience as the Source of Learning and Development, Englewood Cliffs, NJ, Prentice Hall, 1984. Association for Experiential Education. http://www.aee.org
3. Para obter mais informação sobre essa metodologia, consulte http://appreciativeinquiry.case.edu/
4. Para obter mais informações sobre debates, visite http://www.idebate.org/debate/what.php (em inglês)
5. Para obter mais informações sobre a técnica de aprender prestando serviços, consulte Service Learning: Lessons, Plans and Projects, Human Rights Education Program, Anistia Internacional e Human Rights Education Associates, HREA, março de 2007.
6. Para explorar outras possibilidades de utilização dos esportes como metodologia para a paz e a reconciliação, visite http:// www.toolkitsportdevelopment.org (em inglês)