Espiritualidade

As crianças possuem capacidades espirituais significativas. Em primeiro lugar, possuem um sentido especial do tempo. São capazes de permanecer completamente quietas observando uma fila de formigas, absortas em seu ir e vir. De um ponto de vista espiritual, as crianças têm essa habilidade de submergir no momento, o que muitos adultos passam horas tentando reaprender. Essa habilidade inclui ao mesmo tempo uma consciência absoluta da realidade em que se encontram e um senso de intemporalidade.
Outro dom espiritual que ocorre de forma natural nas crianças menores é a capacidade de se maravilhar; não como uma forma de evasão fantástica ou onírica da realidade, mas como uma experiência que impregna todo o seu ser. É algo que se apodera de seu corpo e de seus sentidos, além de sua mente. A criança desejará cheirar repetidamente a massa do pão quando este for posto no forno, ou ficará escutando o barulho da chuva que cai sobre o telhado, ou permanecerá sentada em
silêncio contemplando a chama de uma vela acesa. Essa capacidade de assombro conduz à alegria, mantém viva a emoção e o entusiasmo e traz energia e esperança. O amor constitui a terceira característica da capacidade espiritual das crianças. Dar e receber é inerente à infância. Quem não experimentou esse momento extraordinário no qual uma criança nos oferece seu brinquedo preferido, confiando que não vamos tirá-lo, mas que o compartilharemos e o devolveremos depois? Entretanto, também sabemos quão rápido uma criança aprende a não confiar.
Consagrado à criação de uma rede de pessoas dedicadas à infância, o Reverendo Takeyasu Miyamoto estabeleceu o Conselho Inter-religioso de Educação Ética para as Crianças, declarando:
“Estou firmemente convencido de que o processo de decadência espiritual e a falta de atenção a uma ética básica é a raiz da crescente violência e injustiça que atualmente presenciamos a nosso redor. Um passo fundamental no caminho rumo à paz é assegurar que todas as crianças cresçam com plena consciência de sua capacidade inata para o desenvolvimento espiritual, e é por isso que a implementação de uma educação ética inter-religiosa – tanto nas escolas quanto em outros ambientes ‘educativos’ – é crucial para alcançar o objetivo de construir um mundo pacífico em que reine a dignidade humana, um mundo apropriado para as crianças e os adolescentes no sentido mais autêntico.”
Esta frase fundacional fala de permitir que as crianças descubram sua “capacidade inata para o desenvolvimento espiritual”. Isso significa que a espiritualidade não é algo que alguém possa impor ou sequer dar a sua criança; a educação ética tem como propósito dotar as crianças dos meios necessários para descobrir a plenitude de sua espiritualidade e empregá-la em benefício de seu próprio bem-estar e o da sociedade como um todo. É importante reconhecer que essa capacidade espiritual inata na criança deve ser alimentada e desenvolvida. A essas crianças que nos revelam o intemporal, a capacidade de assombro e o amor, podemos oferecer as palavras e imagens que concebemos como veículos do eterno, do maravilhoso e do infinitamente amoroso. É importante desenvolver esta
espiritualidade dentro do contexto concreto da tradição religiosa ou espiritual da criança, de modo a fornecer uma estrutura e fundamentos específicos para o seu crescimento e desenvolvimento. Esse crescimento ocorre por meio de um processo que engloba o ensino, a reflexão crítica, a integração e o estabelecimento e prática de relacionamentos positivos.
Espiritualidade e religião não são o mesmo e às vezes estão em campos opostos. Algumas pessoas podem se inclinar pela espiritualidade em busca de uma maior abertura, de modo que nem tudo esteja confinado pelas fronteiras religiosas existentes. Entretanto, existem também as falsas espiritualidades que levam a pessoa a uma preocupação egocêntrica consigo ou a mantêm afastada da realidade do mundo em que vive. Há quem acredite que a espiritualidade está relacionada aos sentimentos e emoções. Mas a espiritualidade é uma forma de canalizar as emoções, os sentimentos e a compaixão, transformando-os em compromisso. E o compromisso, por sua vez, é a força motriz da liberação e do empoderamento.
A espiritualidade é uma atitude, uma maneira de ser, de se situar no universo. É algo que nos leva além do que somos, além do que experimentamos normalmente.
Em primeiro lugar, uma espiritualidade que consiste em ‘ir além’ se interessará pelo eterno, não pelo imediato. Por exemplo, se consideramos situações em que adultos recorrem à violência contra as crianças, quase sempre isso é devido ao fato de que estão presos ao imediato e não são capazes de ver o eterno. Em muitos casos, é essa preocupação com o imediato que faz o adulto recorrer à violência.
Castigar uma criança sugere uma preocupação com o imediato, um desejo imediato de calar uma criança sem se perguntar o que esse castigo poderá significar para ela a longo prazo. Uma espiritualidade que consiste em ‘ir além’ – a espiritualidade transcendente – não se satisfaz com o imediato, mas está em busca do fim último.
Em segundo lugar, a espiritualidade que vai além não se satisfaz com respostas. Ir além é formular perguntas. A maioria das pessoas busca uma resposta rápida. Quanto mais perguntas fazemos, mais avançamos. Algumas vezes, estamos tão certos de conhecer as respostas que deixamos de fazer perguntas. A atitude espiritual não se satisfaz apenas com respostas.
Em terceiro lugar, a espiritualidade que vai além não pode ser restringida por limites; ao contrário, o que ela busca são as possibilidades. As pessoas podem viver e trabalhar juntas pelo bem da comunidade. O imperativo de amar o próximo como a si mesmo é um desafio de ir além, de tentar experimentar o que em aparência é uma contradição. É possível amar nossos inimigos? Quando nos perguntarmos se esse propósito é realista, estamos nos abrindo para a própria possibilidade.
A espiritualidade constitui um chamado para ir além de si mesmo: do imediato ao eterno, das respostas às perguntas, das fronteiras às possibilidades. Desenvolver o potencial espiritual inato das crianças contribui para construir um mundo apropriado para a infância.

 

As próximas seções de Aprender a Viver Juntos contêm diretrizes práticas para a criação
de um programa intercultural e inter-religioso de educação ética.
O processo é dividido em dois Módulos de Aprendizagem, que sugerem atividades e incluem
recursos originários de diferentes tradições e regiões que favorecem o processo
de aprendizagem.
Esperamos que este recurso lhe seja útil.