Mortes repentinas de Dorina Nowill e de Zilda Arns, símbolos de comprometimento com o trabalho social e a inclusão, não interrompem a ação das instituições que criaram. Transferência paulatina do comando permitiu aos novos gestores manter a missão e ampliar os espaços de participação.

 

 

“Se a Pastoral da Criança acabar com a morte da doutora Zilda Arns é porque ela não é uma obra de Deus”, respondia a Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança, irmã Vera Lúcia Altoé, a todos que perguntavam “e agora, o trabalho vai acabar?”. Vítima do terremoto que matou milhares de pessoas no Haiti, em 12 de janeiro de 2010, Zilda Arns havia deixado a Coordenação Nacional da Pastoral , dois anos antes para se dedicar à expansão da instituição no exterior.

“Com 75 anos, a doutora já não tinha como abraçar o mundo inteiro. Ela quis, na realidade, fazer uma partilha e mostrar a todas as coordenações que, um dia, a gente começa e termina o mandato e outras pessoas assumem”, diz a irmã Vera Lúcia. Segundo a freira, o trabalho na Pastoral da Criança é de “puro amor”. Por isso, a sucessão não foi um problema - ainda mais para ela que conviveu com Zilda Arns na entidade durante 16 anos.

Ainda há quem pergunte se a irmã Vera Lúcia é parente da fundadora da Pastoral. “Sequer sou catarinense, mas assimilei os ensinamentos da doutura”, explica. Foi Zilda quem a convidou para assumir, em janeiro de 2008, a Coordenação Nacional da Pastoral. “A doutora me disse: você é a pessoa que pode dar continuidade a esse trabalho. Eu relutei, disse que morava longe (no Mato Grosso) e poderia não me acostumar ao clima de Curitiba (sede da Pastoral). Ela, então, foi enfática: a gente se acostuma a tudo.”

Sentindo-se desafiada, irmã Vera Lúcia aceitou a indicação. Hoje, procura conduzir o trabalho na Pastoral alinhada com a principal característica de Zilda Arns: a profunda entrega à causa. “Sigo o pensamento de João (um dos doze apóstolos de Jesus): ‘não fostes vós que me escolhestes, eu é que escolhi vocês para essa missão’. Isso quer dizer que o trabalho é de mão dupla e preza a valorização da vida. Estamos dando continuidade ao que já havia”, explica.

Hoje, a Pastoral da Criança conta com mais de 234 mil voluntários que desenvolvem ações de saúde, nutrição, educação, cidadania e espiritualidade de forma ecumênica nas comunidades pobres. As atividades visam promover o desenvolvimento integral das crianças, desde a concepção aos 6 anos de idade, e a melhoria da qualidade de vida das famílias. Cerca de 1,2 milhão de famílias e 84 mil gestantes são acompanhadas por mês.

 

Os passos da sucessão

A decisão de lançar a Pastoral da Criança no exterior levou Zilda a Arns a discutir com seus colaboradores mais próximos a necessidade de preparar alguém para assumir a coordenação da organização no Brasil em seu lugar. Uma vez identificada esta pessoa, ela passou a atuar no objetivo de levar a proposta da instituição a outros países, ainda participando da pastoral brasileira, mas sem a responsabilidade de sua gestão cotidiana.

Fatores críticos para o sucesso

A percepção da fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, de que a perenidade da instituição dependia da formação contínua de gestores capazes de planejar e implementar suas ações foi decisiva para que a sucessão no comando da organização acontecesse sem traumas.

A força do exemplo da líder desta Pastoral contribuiu para o desenvolvimento de uma visão baseada no compartilhamento das responsabilidades e das decisões.

Além disso, desde sua criação a Pastoral da Criança tem um Conselho Diretor (presidido por um bispo, um padre ou um leigo), um Conselho Econômico e um Conselho Fiscal. Todos os Estados do País também têm coordenadores. Como se trata de cargo de confiança, não há eleição para o presidente do Conselho Diretor, nem para a Coordenação Nacional. Então, os Conselhos Diretor, Econômico e Fiscal, além dos coordenadores dos estados, indicam de três a quatro nomes à Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que escolhe a presidência ou a coordenação nacional.

Dorina, a chama do ideal

Outra instituição de caráter social que se preparou para a sucessão foi a Fundação Dorina Nowill, criada pela pioneira da promoção dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil, Dorina de Gouvêa Nowill. Morta em agosto deste ano, aos 91 anos, em consequência de uma parada cardíaca, a pedagoga via na profissionalização da instituição um caminho para a ampliação dos serviços prestados. Foi assim que, em 2000, Dorina passou a ser presidente emérita e vitalícia da Fundação, dividindo o comando da organização com três conselhos: o Consultivo, o Fiscal e o de Curadores.

“O legado de Dorina foi preparar a sua sucessão há dez anos, quando se afastou da presidência executiva e pediu a colaboração de empresários para profissionalizar o trabalho realizado pela instituição”, diz o presidente da Fundação Dorina Nowill, o empresário de livros Alfredo Weiszflog (foto). Segundo ele, a partir de então os serviços de atendimento especializado foram reorganizados, o editorial Braille foi modernizado e foram implantadas melhorias na produção dos livros e das revistas faladas – as audiorevistas.

Para Weiszflog, o principal desafio é manter acesa a chama do ideal. “Sabemos da coresponsabilidade que temos como protagonistas de nosso tempo e estamos dispostos a continuar contribuindo para o desenvolvimento da sociedade. Dorina esperava que o nosso exemplo transmitisse os valores da Fundação, em que a troca de experiências se alia ao conhecimento e à prática dos direitos e deveres de todos os cidadãos”, diz.

No ano passado, a instituição produziu mais de 55 mil livros em Braille para pessoas cegas distribuídos de forma gratuita e para cerca de 1,3 mil escolas, bibliotecas, entidades e organizações que atendem a pessoas com deficiência visual. A Fundação também respondeu por 20 mil terapias e consultas gratuitas, desenvolvidas por equipes multidisciplinares.

Os passos da sucessão

Quando completou 80 anos, em maio de 1999, Dorina já discutia com sua equipe o incremento da profissionalização da gestão da organização. Um ano depois, assumiu o cargo de presidente emérita da Fundação, compartilhando o seu comando com os órgãos previstos no modelo de governança (Conselho Consultivo, conselho fiscal e Conselho de Curadores). Dessa forma, pôde atuar a fundo no relacionamento externo da instituição sem prejuízo para a gestão do dia a dia. A longevidade da líder, que viveria mais 11 anos, contribuiu para que o novo modelo de administração compartilhada fosse bem assimilado.

Fatores críticos para o sucesso

O pioneirismo de Dorina Nowill na defesa das pessoas cegas fez dela um exemplo a ser seguido nos últimos sessenta anos. Nesse sentido, atuar próximo a ela significou não apenas a possibilidade contribuir para a promoção dos direitos deste público como a oportunidade de aprender diretamente com a líder. A consolidação da Fundação Dorina Nowill para Cegos também representou uma alternativa real de desenvolvimento pessoal, o que passou a atrair profissionais cada vez mais qualificados.

O papel dos líderes

O nascimento de organizações que fazem diferença na vida das pessoas depende de líderes carismáticos capazes de mobilizar as pessoas em torno de ideias. Este impulso inicial, contudo, não é capaz de, sozinho, estruturar uma instituição e garantir a sua perenidade. Nesse sentido, desde o princípio é preciso que estas lideranças entendam a importância de institucionalizar a organização que criaram para garantir que a sua ação transformadora se amplie e perdure.

Os exemplos da Pastoral da Criança e da Fundação Dorina Nowill para Cegos mostram que a sucessão deve ser tratada com planejamento e antecipação, pois tratar deste tema objetivamente também faz parte dos fatores de êxito de uma organização.

Idis Online – 23/11/2010

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