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Manter o pensamento confiante não é fácil, mas é necessário. O ensinamento vem de um pai que já viu seu filho envolvido com as drogas e atua como ativista para que outras pessoas também consigam superar essa situação e voltar a uma vida saudável, livre dos vícios. O pai em questão é o economista José Augusto Soavinski – palestrante, coordenador do Regional Sul II da Pastoral da Sobriedade e integrante do Departamento de Políticas Públicas sobre Drogas do Paraná.
Em sua oitava edição, a Revista Pastoral da Criança apresenta um pouco da experiência dele e, também, de mais uma agente da Pastoral da Sobriedade: Joseane Aparecida Valomi de Carvalho – psicóloga clínica e hospitalar, especialista em psiquiatria e dependência química.
Que sinais podem ajudar a família a identificar um caso de alcoolismo ou de envolvimento com outras drogas?
José Augusto: Mudança de comportamento; objetos estranhos entre os pertences da pessoa; falta de apetite; falta de diálogo; comportamento arredio; dizer que vai ficar mais tempo no bar com pretensos amigos e chegar em casa alcoolizado; ficar acordado à noite; ficar mais tempo na rua, não respeitando o horário de casa; faltas na escola e no trabalho.
Joseane: As mudanças de comportamento são o sinal de alerta que podemos enfatizar. Na adolescência, quando há inúmeras transformações físicas e comportamentais, a dependência química pode ser confundida, pois através do mecanismo de defesa de “negação”, é mais fácil atribuir todas as mudanças observáveis à fase, do que lidar com a possibilidade de algo mais grave, como a dependência. Portanto, sempre que há uma mudança muito grande, em qualquer fase da vida, no que habitualmente o indivíduo é, no seu “padrão comportamental”, deve-se buscar ajuda para entender o que está acontecendo, qual a causa desta mudança e, assim, precocemente poder implementar a ajuda necessária. Nosso corpo “fala” e precisamos estar abertos e atentos a esta comunicação. Para isso, ter um relacionamento mais próximo, acolhedor e sensível é fundamental na identificação de pequenas alterações que salvarão vidas.
Durante as visitas domiciliares, os líderes da Pastoral da Criança, muitas vezes, se deparam com situações em que os pais da criança acompanhada ou outros familiares próximos estão envolvidos com o consumo excessivo de bebida alcoólica ou uso de outras drogas. Quais são as consequências para a criança que convive com uma situação dessas?
Joseane: A convivência direta de qualquer pessoa com um dependente químico sempre traz adoecimento. Estamos nos referindo à co-dependência. Porém, para as crianças, este convívio é ainda mais grave, pois muitas vezes ela projeta para si um sentimento de culpa e isso tem reflexo direto em seu desenvolvimento físico, psíquico e comportamental, na aprendizagem escolar, no aparecimento de doenças e no relacionamento social. Desta forma, auxiliar esta família, bem como amparar e compreender esta criança é fundamental. Mas o que vemos, infelizmente, é a falta de preparo dos cuidadores, da sociedade e da escola para responder a isso, o que contribui e fortalece esse sofrimento com a exclusão, perseguição e os estigmas sociais.
José Augusto: Se não fizermos nada, a consequência é danosa para a vida dessas crianças, que têm que ter um acompanhamento familiar de paz, de amor, de educação. A formação dessa criança precisa ter exemplos bons.
Nestes casos, que conselho poderia ser dado para os voluntários da Pastoral da Criança? Onde buscar ajuda?
Joseane: Primeiramente, o acolhimento desta família, a escuta ativa, a identificação do problema e do membro familiar, com possibilidade de discussão do caso para oferta de ajuda. É importante mobilizar, envolver e comprometer a família nesse contexto de auxílio, para que haja o engajamento e a adesão no tratamento familiar. Buscar um profissional para avaliar o caso e, consequentemente, fornecer as vias para recuperação, seja ela a nível ambulatorial, internação ou grupos de mútuo-ajuda. Para isso, na rede do Sistema Único de Saúde (SUS), as Unidades Básicas de Saúde (UBS), através das equipes de “saúde da família”, podem dar suporte inicial, acompanhamento e os encaminhamentos necessários. Favorecer o encontro pessoal e espiritual, na concepção religiosa de cada família, é outro alicerce de base essencial ao crescimento e desenvolvimento da mesma, que dará suporte para a continuidade da luta em favor da vida.
José Augusto: Os voluntários podem buscar ajuda na Pastoral da Sobriedade, no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), no Conselho Tutelar e na Delegacia do Adolescente.
Como trabalhar a prevenção desde cedo, com a criança?
Joseane: É importante oferecer qualidade e presença familiar, ter tempo com as crianças, saber ouvi-las, brincar com elas, orientar, estar próximo, conhecê-la de maneira integral. Os filhos não precisam de “tudo”, e muito menos ouvir somente “sim”, a elaboração de pequenas frustrações faz com que cresçamos mais equilibrados e fortalecidos psiquicamente, nos tornando mais resilientes para elaborar perdas/lutos/frustrações, aprender a cair e levantar. Outro fator importante é desenvolver no ser humano a valoração da vida, do cuidado, do amor próprio (autoestima), respeito a si e aos outros, estabelecer vínculos adequados, orientar nas escolhas prazerosas, atividades que o construam e sustentem para um futuro. A prevenção em nosso país ainda é muito precária, porque esbarra em inúmeros outros fatores essenciais deficitários, mas acredito no trabalho pessoal de cada um, no empenho diário, no comprometimento real individual e grupal, o “contagiar do bem”.
José Augusto: Terapia do amor e atenção. Terapia do abraço. Motivar a criança para o lado bom dos estudos, do esporte, da música, da arte. Participar de palestras de pais e filhos sobre prevenção, como as que eu tenho feito para as comunidades, familiares e escolas, também ajuda.
O Sistema Único de Saúde disponibiliza tratamento para as pessoas que precisam? Como buscar este direito?
Joseane: Como mencionei anteriormente, temos através dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Unidades Básicas de Saúde (UBS), o acompanhamento familiar e encaminhamentos para os serviços disponíveis. Nos casos de tratamento: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), postos de saúde e Unidades de Pronto Atendimento (UPAS) podem realizar esse trâmite, e igrejas que possuem grupos de voluntários envolvidos com o tema, como a Pastoral da Sobriedade, bem como os Alcóolicos Anônimos, entre outros. Da mesma forma como na prevenção, para atender à realidade que envolve a dependência química, que é biopsicossoal, também há ainda muito a se melhorar e crescer. Infelizmente, estamos longe do ideal para atender adequadamente o que tange a doença mental.
José Augusto: Sim. É preciso procurar as unidades de saúde, CAPS relacionados a álcool e drogas, tanto para adolescentes como para adultos, comunidade terapêutica e grupos de autoajuda, como a Pastoral da Sobriedade.
Por meio da terapia do amor, a Pastoral da Sobriedade é uma ação concreta da Igreja que propõe a mudança e a valorização da pessoa. Como é realizado este trabalho e que resultados já foram conquistados?
Joseane: Através da “Pedagogia de Cristo”, o amor incondicional, em que se ama integralmente o dependente, mas não se aceita o pecado, a droga e suas consequências, favorece a todos as pessoas o reconhecimento de si com alguma dependência ou pecado, nos tornando, assim, em fator de igualdade e luta diária em prol da vida. Os 12 passos perpassam a condição humana primeiramente no conhecimento pessoal (autoconhecimento e autoestima), a responsabilização sobre a vida e o comprometimento com a mesma na transformação pessoal, através da atitude em caráter de mudança contínua, fortalecida e amparada por Cristo, e no envolvimento social participativo, vivo e atuante.
José Augusto: Caminhada dos 12 passos. Os seis primeiros são de conversão. E os seis últimos passos de restauração. A família ou a pessoa procura uma igreja, que tenha a Pastoral da Sobriedade e começa a frequentar gratuitamente e conhecer, a cada semana, um passo. Lá ela será acolhida, abraçada, e poderá falar o que está passando. Ela vem pedir ajuda e vai ajudar também. Com o passar do tempo, vai conhecendo a terapia do amor, o amor incondicional, serenidade, paciência, conhecimento, abordagem, como se portar e falar com o seu dependente químico. Oração, partilha e muito amor para dar. Hoje, nesses 18 anos, já estamos com mais de 30.000 agentes da Pastoral da Sobriedade no Brasil e com mais de 1000 grupos de ajuda mútua espalhados pelo nosso país. Muitos testemunhos de vida, de conversão. Eu sou um deles, um pai codependente que graças a Deus conheceu a Pastoral da Sobriedade e participa ativamente com o meu filho recuperado. Sobriedade e paz, só por hoje, graças a Deus.
Que mensagem gostariam de deixar aos leitores da Revista Pastoral da Criança?
Joseane: Gostaria de enfatizar que precisamos assumir, urgentemente, o nosso papel pessoal frente à vida. E nos comprometermos com ela em todos os âmbitos, restaurando e resgatando o amor incondicional, o fortalecimento dos vínculos através da convivência de qualidade. Não nos deixar manipular pelos apelos de consumismo de nossa sociedade capitalista, onde deixamos de proteger nossos filhos no que assistem na TV ou internet, ouvem ou vestem. Para o crescimento adequado, criança tem que ser criança, ver/ouvir/vestir/agir como criança. A separação do que é “de adulto” e o que é “de criança” se perdeu. Saber colocar a criança em seu devido lugar e mostrar a autoridade dos adultos/pais é fundamental, porém não confundir “autoridade com “autoritarismo”.
José Augusto: A mensagem que eu deixo é que você familiar pare de sofrer sozinho, procure ajuda na Pastoral da Sobriedade, porque é sigiloso, tem anonimato. Não deixe que a droga invada a sua vida.