Estudos de casos
Os educadores e os facilitadores podem utilizar estudos de casos baseados em situações e em pessoas da vida real como material para discussões sobre questões e situações éticas que afetam a dignidade das pessoas e os direitos humanos. Estudos de casos bem redigidos podem conduzir as crianças e os adolescentes a um outro mundo, que é descrito a partir do ponto de vista da pessoa envolvida. Os estudos de casos servem também para apresentar questões que são familiares aos participantes, o que pode ajudá-los a refletir sobre suas próprias situações sem a necessidade de identificá-las.
Por meio dos estudos de casos, as crianças e os adolescentes analisam uma situação que tanto lhes pode ser relativamente familiar como completamente desconhecida. Os estudos de casos podem ser um instrumento importante para desenvolver a empatia, já que a informação é apresentada do ponto de vista da pessoa afetada e não simplesmente como um “relato noticioso”. Pensar sobre o estudo de caso e as opções apresentadas pode contribuir para estabelecer uma forte identificação com o tema.
O uso de estudos de casos estimula o pensamento crítico e as habilidades analíticas, desenvolvendo a capacidade das crianças e dos adolescentes de fazer perguntas e discutir alternativas. Os estudos de casos também ajudam os participantes a examinarem suas próprias atitudes e comportamentos através da vida dos outros.
Os estudos de casos não requerem necessariamente uma solução; eles descrevem uma situação que talvez já tenha um “final” ou conclusão. Geralmente o material que aparece nesses estudos é extraído da vida real.
Se você utilizar um estudo de caso sobre a violência contra as crianças, poderá recorrer ao material reunido no Relatório Mundial sobre a Violência contra as Crianças.
Estudo de caso 1 – A história de Ana
“Eu morava no Alto Baudó até quarta-feira, 5 de fevereiro, dia em que resolvi deixar a aldeia para me refugiar em Esmeraldas, Equador. Chamo-me Ana.
Na véspera, eram 6 da manhã, chegaram ao povoado integrantes de um grupo armado que atua na região e nos chamaram todos para uma reunião. Entre os assistentes estava Andrés, meu irmão. Tiraram-no da reunião e começaram a maltratá-lo, acusando-o de colaborar com o outro bando. Andrés tentou se explicar, mas não o deixaram. Mataram-no com um tiro de fuzil na cabeça. Deixou uma esposa de 20 anos e três garotos.
Eu tive mais sorte: salvei minha vida! Mas deixaram claro que eu deveria ir embora e que se pegassem minha filha, eles a matariam! Foi o que disseram.
Tenho 49 anos e oito filhos. Um que estudava em Quibdó foi embora com um grupo armado, o mesmo grupo que me ameaçou e matou meu irmão. E essa filha que foi embora com o outro bando. Imaginem o dia em que esses dois se encontrarem frente a frente! Que tristeza é a guerra!
Então, sem ter tempo sequer de pegar uma roupa, fui embora com meus seis filhos menores, minha cunhada e meus sobrinhos. Preferi escapar e deixar tudo o que tinha em vez de ficar à mercê dos grupos armados que desde 2001 brigam pelo controle da região.
Nas outras vezes, a briga não havia chegado ao povoado e nós nos escondíamos nas fazendas ou na montanha até que passasse o momento crítico. Às vezes esperávamos até dois meses. Mas o que aconteceu agora foi horrível: os dois grupos entraram em combate no próprio povoado, ameaçaram as pessoas e até mataram uma. Um bando também pegou um inimigo e, depois de matá-lo e destroçá-lo, o jogaram no rio. A situação estava muito perigosa e decidimos fugir do Alto Baudó.
Cheguei com meus seis filhos a Esmeraldas. Não foi fácil. Temos medo de que nos tirem daqui. Eu vendo frutas e o que ganho dá para pagar um quartinho onde vivo com meus filhos. Um dos meus filhos trabalha como mensageiro, mas não o pagam há três meses. Jorge, de 19 anos, foi preso na semana passada porque o acusaram de ter roubado um relógio. Mas é que não tínhamos o que comer.
Os outros não conseguiram trabalho. Às vezes os vizinhos nos chamam de narcotraficantes, guerrilheiros, e até nos tratam mal, mas prefiro isso a voltar para a Colômbia para viver na guerra. Eu não acho que o governo colombiano vai solucionar esse problema. Nunca regressarei a meu povoado enquanto estes grupos armados estiverem na região. Encontramos refúgio em Esmeraldas. Do que vamos viver? Não sei, mas que opções tenho? Estou preocupada com minhas crianças menores: não há vagas nas escolas estaduais e eu não posso pagar seus estudos em uma escola privada. O que vão fazer o dia todo?”
> O que você sente por Ana?
> O que Ana poderia fazer para melhorar sua situação e a de seus filhos?
> A quem poderia pedir ajuda?
> O que você faria se estivesse na situação de Ana?
> Há pessoas como Ana em sua cidade?
> Você poderia ajudá-las de alguma maneira? Como?
Estudo de caso 2 – Em busca de melhores oportunidades
Jaime é um pai de família que trabalhava com construção e ganhava o suficiente para sus- tentar sua família. Com a crise econômica e a violência em seu país, o setor da construção se deteriorou e muitas pessoas foram afetadas por essa situação. Jaime foi demitido depois de dez anos de trabalho na empresa de construção que o empregava durante um ano, Jai- me procurou trabalho, mas não encontrou nada. Sua esposa Cláudia decidiu buscar traba- lho como empregada para ajudar a pagar os gastos da casa e a escola de seu filho Carlos.
A situação ficou mais difícil; mesmo com o trabalho de Cláudia, o dinheiro não era suficiente. Um amigo de Jaime o aconselhou a ver outras opções fora do país. Nessa ocasião, muitos saíam e cruzava a fronteira para buscar um futuro melhor. Não era fácil, mas era muito melhor que ficar nessa situação. Jaime não tinha certeza, porque começar do zero em outro país e deixar sua família não era fácil para ele, mas a situação econômica era crítica.
Depois de muito pensar, Jaime e sua esposa Cláudia chegam à conclusão de que o melhor era que ele se vá. Para isso, Jaime teria que pegar o pouco de dinheiro que a família ainda tinha. Jaime promete a Cláudia que encontrará um trabalho rápido e mandará dinheiro para ela e para Carlos.
Passam-se alguns meses e Cláudia não sabe nada de Jaime. Sua situação econômica se complica e Cláudia se vê obrigada a conseguir outro trabalho de noite e nos finais de semana. Carlos já quase não vê sua mãe e nada sabe nada de seu pai nos últimos meses. Essa situação afeta seu rendimento escolar e emocional e Carlos começa a faltar à escola e a sair com um grupo de jovens deseu bairro que consome drogas.
A professora de Carlos percebe a mudança drástica em seu comportamento e rendimento acadêmico e fala com Cláudia, que não entende o que acontece com Carlos e, ao falar com a professora, começa a chorar. Ela diz que tudo melhorará quando Jaime começar a enviar dinheiro.
Entretanto, a situação não mudou para Cláudia. Carlos não quis voltar para a escola; pelo contrário, refugiou-se ainda mais com seus amigos, em quem encontrava companhia, apoio e distração. Depois de alguns meses, Carlos entrou no negócio de venda de drogas e fugiu de sua casa. De seu pai não se soube mais nada.
> Você acha que Carlos poderia ter evitado unir-se a esse grupo de jovens?
> Você acha que Carlos tinha outras opções? Quais?
> O que você acha que Cláudia poderia ter feito para não ficar fora de casa o dia todo?
> Você acha que a escola poderia ter ajudado Cláudia ou Carlos?
> Você acha que Jaime tinha outras opções?
> Você conhece o caso de outros jovens que tenham passado por situações semelhantes ou que tenham se refugiado nas drogas? O que os levou a isso?
> Qual é o papel da família e dos amigos numa situação como esta?
> Se sua família estivesse em uma situação econômica semelhante e seus pais tivessem que se ausentar, qual seria a sua responsabilidade? A quem poderia pedir ajuda?
Estudo de caso 3 – O caso de Oscar
Oscar é um excelente estudante e um dos melhores jogadores de futebol de sua escola. Em sua casa, sempre é muito educado e ajuda seus pais nas tarefas domésticas. Seus amigos e conhecidos o chamam “o negro” devido à cor de sua pele. Oscar é de uma família modesta e trabalha nos fins de semana com sua mãe no mercado para ajudar nos gastos de sua família.
Um dia, o diretor da escola comunica a Oscar e à sua mãe que talvez Oscar ganhe uma bolsa para continuar seus estudos de ensino médio em uma escola privada que fomenta a prática dos esportes para os estudantes, onde Oscar teria a possibilidade de receber treina- mento adequado e especializado em técnicas de futebol. Oscar mostra grande interesse e sua mãe pensa que é uma excelente oportunidade para ele.
Oscar ingressa na nova escola, mas os primeiros dias são muito difíceis para ele. Nas aulas, é participativo e ágil, mas isso incomoda os outros estudantes, que riem e murmuram toda vez que Oscar participa. A maioria dos estudantes pertence a famílias de classe alta e sempre levam para a escola jogos eletrônicos e fazem alusão a jogos de que Oscar nunca. ouviu falar Oscar não sabe como interagir com seus companheiros.
Oscar vai aos treinamentos de futebol toda semana e trabalha duro. Depois de um mês, o treinador o nomeia titular da equipe graças à rapidez e à agilidade de Oscar no campo de futebol. Mas seus companheiros de equipe não desejam jogar com ele e o ignoram completamente, às vezes escondem seu uniforme ou sua chuteira, e o insultam com comentários racistas. Oscar acredita que com o tempo a situação mudará e decide não dizer nada ao treinador ou à sua mãe.
A situação não muda e Oscar se sente rejeitado e sozinho na escola, o que afeta seu desempenho nos jogos de futebol. Os jogos intercolegiais começam e Oscar pede ao trei- nador que não o coloque para jogar. Entretanto, o treinador sabe que Oscar é um excelente jogador e deve estar nos jogos. Em um dos jogos, Oscar faz um gol contra e a equipe perde, o que causa a eliminação da equipe para as semifinais.
Dias depois, alguns estudantes esperam por Oscar na saída do colégio, batem nele e o insul- tam. Depois de ficar hospitalizado por três semanas, Oscar nunca mais voltou ao colégio.
> Oscar poderia ter feito algo a respeito da situação?
> Você acha que foi uma boa decisão entrar nessa escola privada, conhecendo as diferenças econômicas entre Oscar e seus companheiros?
> Você acha que os comportamentos dos companheiros de Oscar são aceitáveis? Por que agiram dessa forma?
> O que você acha que o treinador poderia ter feito?
> O que podemos fazer quando nossos direitos são violados?
> Como podemos nos defender e nos fazer respeitar de forma pacífica?
> Você conhece algum caso de discriminação em sua escola ou bairro? Você pode fazeralgo a respeito?
Estudo de caso 4 – Essa gente que vem de fora!
Carlos Andrés nasceu em Villa Montes, uma pequena cidade boliviana perto da fronteira com a Argentina, e acaba de completar 24 anos. Faz cinco anos que vive sem papéis legais em San Salvador de Jujuy, cidade do norte da Argentina. Não tem um trabalho estável, mas se defende como vendedor ambulante de mercadorias chinesas. Economizando, conseguiu adquirir uma moto.
Ángela, uma bonita jovem de 18 anos nativa de Jujuy, venceu os preconceitos e há um ano sai ocasionalmente com Carlos Andrés, escondida de sua família. Ángela tem medo dos seus três irmãos, sobretudo de Jorge, o mais velho, que a proibiu terminantemente de se envolver com “esse índio desgraçado”.
Ángela aparece grávida de três meses e se nega a dizer quem é o pai. Jorge, sem pensar duas vezes, espera Carlos Andrés na entrada da casa onde ele aluga um pequeno quarto. Quando Carlos Andrés desce de sua moto, Jorge o apunhala pelas costas, toma sua moto e foge velozmente.
Jorge é engenhoso: leva a moto até um precipício, joga-a no fundo do vale e volta para sua casa. Carlos Andrés está no hospital e sua vida corre perigo. Jorge se dirige à testemunha que presenciou o assalto: conta que o indígena foi assaltado por dois homens, que Delegacia e o apunhalaram para roubar a moto. Insiste que presenciou o fato mas não agiu em defesa da vítima por medo de ser agredido pelos ladrões.
Enquanto isso, Ángela sente amarga tristeza pelo que aconteceu a seu amigo, mas não suspeita quem possa ter cometido o crime. Depois de quatro dias, Carlos Andrés morre. Ángela confessa à sua família que o pai de seu futuro filho é um professor de seu colégio, onde ela cursa o último ano de estudos.
Passam os dias e os meses e Ángela dá à luz uma preciosa criança. O professor de Ángela nega sua paternidade e Jorge continua sua vida como se nada tivesse acontecido. A jovem mãe batiza seu filho com o nome de Carlos Andrés, em homenagem a esse boliviano que sempre foi seu amigo, leal e respeitoso. Seu irmão Jorge não pode dizer nada a respeito, mas sua consciência ainda o impede de esquecer que não só cometeu um crime, como foi também o artífice de um imenso engano.
> Pode-se justificar de alguma forma o que Jorge fez?
> Se Jorge não concordava com a amizade de Carlos Andrés e Ángela, você acha que havia outras formas de deixar isso claro à sua irmã?
> Que preconceitos temos de outras pessoas?
> Que alternativas não violentas existem para resolver situações de conflito?
² Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre a Violência contra as Crianças. http://www.violencestudy.org/r236