“Existem mortos que não enterramos e sim semeamos” (D. Helder Câmara).
Nada mais justo e oportuno na época natalina, do que relembrarmos a figura de Dra. Zilda Arns Neumann, quando da proximidade do primeiro aniversário de seu falecimento. Um exemplo de pessoa dedicada ao próximo, de empenho ao Evangelho e principalmente, de desprendimento em prol da solidariedade e da fraternidade. Respeitada e venerada por todos, teve seu trabalho reconhecido e estendido por diversos países, a ponto de ser indicada ao Prêmio Nobel da Paz. Paulo Sotero, diretor de importante ONG internacional, afirmou: “Ela fez o trabalho dos anjos. Seu legado vai durar por toda a vida de inúmeras pessoas atendidas pela pastoral!”.
Transcorre a 12 de janeiro próximo, o primeiro ano de falecimento da Dra. Zilda Arns Neumann, vítima de terremoto no Haiti onde estava em missão humanitária levando aos religiosos daquela nação, a Pastoral da Criança que ela executou e que hoje está presente em muitos países. Incentivada pelo irmão Dom Paulo Evaristo Arns e a pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, ela a iniciou em 1983, juntamente com Dom Geraldo Majella Agnelo, Cardeal Primaz do Brasil e Arcebispo de São Salvador da Bahia, que na época era Arcebispo de Londrina. Através desse movimento, desenvolveu a metodologia comunitária de multiplicação do conhecimento e da solidariedade entre as famílias mais pobres, baseando-se no milagre da multiplicação de peixes e pães, que saciaram cinco mil pessoas, como consta no Evangelho de São João (Jô 6,1-15).
Como resultado das ações promovidas pela Pastoral da Criança, reduziu-se significativamente a mortalidade infantil e promoveu-se o controle da desnutrição em mais de quarenta e quatro mil localidades. Os lideres comunitários são preparados e capacitados a visitarem as casas mensalmente, a orientarem as mães sobre os cuidados com a saúde e o desenvolvimento dos menores. “A queda da mortalidade infantil no País deve-se muito à ação da pastoral. Quando eu era ministro da Saúde, ela era nossa principal parceria”, disse o ex-governador de São Paulo, José Serra, candidato derrotado à Presidência da República, em entrevista à imprensa por ocasião do passamento da grande mulher e completou: “Como indivíduo, ninguém fez tanto pelas crianças. Era uma mulher extraordinária, movida pela fé cristã e conhecedora do espírito de solidariedade.”
A Dra. Zilda Arns, por sua intensa atuação fraterna e solidária, foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 2006, cultivando um respeito próprio de pessoas responsáveis e determinadas em suas missões, a ponto do ex-ministro da Saúde Adib Jatene, que por duas vezes esteve com ela no Conselho Nacional de Saúde, afirmar: “Com o apoio da Igreja Católica e sua penetração, a doutora Zilda criou uma rede de disseminação de informações e ações de saúde e um sistema único de monitoramento das crianças e famílias por voluntárias, o que mais tarde inspirou programas nacionais de agentes comunitários e o atual programa de saúde da família”.
Nesta trilha, vale ressaltar que o soro caseiro – medida de sal e açúcar, em água – disseminado pela Pastoral da Criança para combater a desidratação por diarréia, então a principal causa de morte entre crianças de até um ano, foi incorporado à lista de remédios do Ministério da Saúde. “Quando a reidratação oral foi adotada pela saúde publica no Brasil, as líderes comunitárias da pastoral foram fundamentais para levar a informação sobre o soro às regiões mais carentes porque era consenso, então, até entre pediatras que a criança com desidratação não deveria comer. Mas, não repor sais e água só agravava o quadro”, disse José Luiz Telles do Ministério da Saúde.
Em 2004, a Drª Zilda recebeu da CNBB outra missão semelhante: fundar, organizar e coordenar a Pastoral da Pessoa Idosa. De acordo com dados de publicação de selo pelos Correios do Brasil em sua homenagem, atualmente, mais de 158 mil idosos são acompanhados todos os meses por 17 mil voluntários em 740 municípios brasileiros. Em novembro de 2008, participou da fundação da Pastoral da Criança Internacional, no Uruguai, da qual foi coordenadora e que hoje está presente em vinte países da América Latina e Caribe, África e Ásia.
O escritor Frei Betto a caracterizou como “Mãe da Pátria”: “Zilda Arns nos deixa, de herança, o exemplo de que é possível mudar o perfil de uma sociedade com ações comunitárias, voluntárias, da sociedade civil, ainda que o poder público e a iniciativa privada permaneçam indiferentes ou adotem simulacros de responsabilidade social. Se milhares de jovens e adultos brasileiros sobrevivem às condições de pobreza em que nasceram, devem isso e, especial à Dra. Zilda Arns, que merece, sem exagero, o titulo perene de mãe da pátria” (Folha de São Paulo- 14/01/2010- p.A-3).
Drª. Zilda formou-se em medicina. Era pediatra e sanitarista. Nasceu em Forquilhinha (SC) em 25 de agosto de 1934. Depois de morar em Curitiba desde a juventude, nos últimos anos residia em Campo Largo (PR), a 25 Km da capital paranaense. Em 26 de dezembro de 1959, casou-se com Aloísio Bruno Neumann (1931 – 1978), com quem teve seis filhos e foi avó de dez netos.
Dom Geraldo Majella Agnello, com raro brilhantismo, definiu o seu legado: -“Fica o exemplo dela para o surgimento de defensores da vida. Conforta saber que ela dedicou a vida e se identificou com a causa a ponto de morrer no trabalho”. Na mesma linha, o teólogo e professor Fernando Altemeyr Jr. se manifestou:- “Este é o verdadeiro sentido de viver: fidelidade ao Evangelho no seguimento de Jesus, com fé, esperança e amor”. Enquanto o professor da USP, José de Souza Martins, assim se expressou:- “Sua biografia pública é exemplar, justamente, porque de certo modo começa quando a imensa maioria das pessoas já está se preparando para desistir, conformada com a proximidade da velhice”.
Como estamos na época natalina, a mais bela do ano, relembramos D. Zilda Arns que traduz o verdadeiro sentido desta celebração de amor e de ternura. Inspira-nos a assumir um permanente desafio de mudarmos a situação para que todos possam ter dignidade em suas trajetórias terrenas. Assim, mirando-nos em sua figura carismática, ao invés de nos preocuparmos só em dar presentes, vamos nos fazer presentes onde reina a ausência de afeto, de saúde, de liberdade e de direitos.
Autoria: JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI
http://www.oabjundiai.org.br/novosite/noticias/not.asp?id=355