O Brasil registra exploração de mão de obra de menores em todos os estados. Menino de 13 anos ganha R$ 32 por dia no farol. Uma em cada cinco crianças que abandonam os estudos no país faz isso para trabalhar. Hoje, ao todo, no país, são mais de 1,2 milhão de crianças com idades entre 5 e 13 anos sem escola e trabalhando.

O problema atinge todas as regiões, com maior intensidade no Norte e no Nordeste.
No estado de São Paulo, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, foram realizadas 424 operações de combate ao trabalho infantil em cerca de 90 municípios, de 2007 até 2010. Os fiscais do trabalho identificaram 323 crianças e adolescentes trabalhando irregularmente no estado. As cidades com mais ocorrências de trabalho infantil foram Marília (60 casos), Piracicaba (24) e São Paulo (15).

Em cidades como a capital paulista, uma das ocupações mais comuns entre crianças é a venda de produtos em praças e semáforos. Este é o trabalho de Jorge S. há três meses. Com 13 anos, ele trabalha 15 horas por semana vendendo barras de chocolate na Avenida do Estado, no centro da capital. Mas até o ano passado, frequentava a 5ª série do ensino fundamental em uma escola de Parelheiros, na Zona Sul. Os pais se mudaram com a família para uma comunidade próxima à Avenida do Estado e Jorge começou a trabalhar no farol, de segunda à sexta, das 17h até as 20h, durante a "hora do rush".

Por dia, ele fatura R$ 32. O dinheiro vai para o sustento da casa. Além dele, são mais sete irmãos com idades entre 1 ano e oito anos.

"Eu era um dos melhores alunos da escola. Quero voltar logo. Infelizmente não tinha mais vaga na escola perto de casa e eu só volto a estudar no ano que vem", disse.

Compras
Entre o trabalho e a escola, Jorge prefere a segunda opção, mas como os pais estão desempregados, o dinheiro que o garoto consegue no farol é fundamental para abastecer a dispensa da família. "Eu dou o dinheiro para a minha mãe fazer as compras", diz. No mesmo cruzamento, outros sete garotos vendem doces, sorvetes e chocolate para motoristas presos no engarrafamento.

O combate ao trabalho infantil também é feito por alguns comerciantes informais da capital. "Há 15 anos era muito comum o camelô colocar os filhos menores para trabalhar com ele. Muitos garotos daquela época dormiam embaixo das barracas. Com o tempo veio a conscientização e eles perceberam que é importante manter as crianças na escola", afirma Sérgio Marquês, de 46 anos, da cooperativa de camelôs do Brás, na Zona Leste.

Em todo o país, cerca de cinco alunos, em um grupo de 100, largam os estudos no nível fundamental. Desses cinco, um faz isso para trabalhar e ajudar na renda familiar.

Ceará é líder na lista de exploração
No Ceará, foram flagrados 3.897 casos de trabalho infantil, desde 2007 até outubro de 2010. Só em 2009, foram 698 ocorrências.

Trabalho rural é o mais comum, diz ministério
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, no interior paulista, a incidência de trabalho infantil é maior em lavouras de café, mandioca e laranja.

Governo ajuda 820 mil crianças
O Ministério do Desenvolvimento Social tem programa para erradicar o trabalho de meninos e meninas. Para combater o trabalho infantil em todo o país, o governo federal criou o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) que, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, tem cerca de 820 mil crianças cadastradas.

O programa também complementa a ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e das secretarias municipais de assistência social. Após a identificação da exploração infantil, a criança e a família são incluídos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, que inclui o Bolsa Família.

Para ter direito ao auxílio, a criança tem que estar matriculada  na rede pública de ensino e precisa frequentar as aulas. O valor pode chegar a R$ 900, conforme a situação da família. Com o objetivo de evitar que a criança continue trabalhando fora do horário de aula, o Peti prevê atividades culturais e de recreação para as crianças.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, não existe uma verba pré-definida para cobrir as despesas com o Peti. O valor liberado pelo governo varia de acordo com a necessidade de cada cidade.

Se forem identificados mais casos de crianças trabalhando e o valor liberado para o Peti for insuficiente, o Ministério do Desenvolvimento Social tem autonomia para emitir um repasse suplementar, de acordo com a necessidade.

Indenização
Nos casos de identificação de trabalho infantil em empresas, os fiscais do Ministério do Trabalho podem multar o dono. O valor da multa é determinado de acordo com as condições de trabalho impostas pela empresa. Essa avaliação é feita na hora pelo fiscal, que também leva em consideração o tamanho da empresa e se é um caso de reincidência. Empresas maiores ou que já foram multadas anteriormente têm que pagar um valor maior.

O afastamento do trabalho por meio de uma ação dos fiscais permite ainda que a criança ou o adolescente obtenha uma indenização pelo dano sofrido. Para receber a indenização é preciso entrar com uma ação na Justiça Trabalhista.


Entrevista
Jorge L., vendedor de chocolate.
Garoto quer ser bombeiro para ajudar as pessoas.

DIÁRIO_ Há quanto tempo você trabalha no farol?
JORGE_ Há mais ou menos três meses. Venho todos os dias e fico até as 20h.
DIÁRIO_ O que mais você gostava quando estava na escola?
JORGE_ Gostava muito das aulas de informática porque a gente podia digitar textos no computador.
DIÁRIO_ Qual é a profissão que você quer ter quando crescer?
JORGE_ Meu sonho é um dia ser bombeiro para ajudar as pessoas.
DIÁRIO_ O que foi que você ganhou no Dia da Criança?
JORGE_ Nada.
DIÁRIO_ O que é que você queria ter ganhado?
JORGE_ Eu queria mesmo era ter passado o Dia da Criança com os meus pais.
DIÁRIO_ E por que é que não passou?
JORGE_ Tive que ficar em casa cuidando dos meus irmãos menores enquanto os meus pais estavam aqui no farol trabalhando.
DIÁRIO_ Você vai mesmo voltar para a escola no ano que vem?
JORGE_ Vou sim. A minha mãe já foi na escola e disse que está tudo certo.
DIÁRIO_ Você gosta mais de trabalhar no farol ou de estudar?
JORGE_ Gosto mais é da escola, mas tem que trabalhar, né.
DIÁRIO_ Quantas pessoas trabalham aqui?
JORGE_ Tem muita gente que vive do que ganha aqui. Só de meninos da minha idade eu conheço uns sete. Somos vizinhos.
DIÁRIO_ Qual é o preço da barra de chocolate e qual é o seu lucro?
JORGE_ Uma custa R$ 3 e duas eu vendo por R$ 5. Em um atacadista aqui perto eu pago R$ 26 na caixa. Quando não tenho dinheiro, eu pego algumas barras emprestadas com alguém.

Fonte: Juca Guimarães  - Diário de S.Paulo – Brasil – 18/10/2010 – Págs. 6 e 7.