Mudanças no estilo de vida da sociedade, como sedentarismo e maus hábitos alimentares, geram cada vez mais crianças e adultos obesos. A pastoral da criança está de olho no problema e delinea ações para combate-lo. Entre as metas de trabalho: investir mais em hortas caseiras para melhorar a alimentação das famílias, capacitar novos líderes e intensificar acompanhamento das políticas e do atendimento público à saúde da população.

 
 
De acordo com Nelson Arns, coordenador internacional da PC, no Brasil houve avanços no setor com a implantação do SUS mas a parte preventiva ainda deixa a desejar. "Se você analisar quais as principais doenças que matam você vai ver que existem doenças ligadas à alimentação, hipertensão (pressão alta), a pessoa consome muito sal e faz pouco exercício, então se a pessoa fizesse uma dieta mais balanceada , comendo mais fibras das frutas, verduras, praticando pelo menos meia hora de exercício por dia, e buscasse um estilo de vida mais saudável , perdendo um pouco de peso você praticamente diminuiria em 80% problemas de pressão e diabetes", avalia.

Nelson Arns esteve recentemente em Belém onde participou do 6º Encontro Regional da Pastoral da Criança, realizado de 17 a 22 de maio. Nelson Arns Neumann nasceu em Curitiba, possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Paraná (1988), mestrado em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas (1997) e doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (2000). Atuou como médico, missionário leigo, na Diocese de Bacabal - Maranhão, em 1988 e 1989. Desde 1990 é Coordenador Nacional Adjunto da Pastoral da Criança - Organismo de Ação Social da CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil).

Durante o encontro em Belém o coordenador falou sobre a missão da PC no Brasil e no mundo, a necessidade de novos líderes e dos desafios do trabalho:

Como começou o seu trabalho na PC:

Eu quase posso dizer que começou dentro da barriga da minha mãe. Ela sempre teve atenção muito grande e especial com relação às crianças e no início em Curitiba quando trabalhava em hospital em postos de saúde. Mas, mais especificamente em 1984 eu já acompanhava as capacitações, me formei médico e fui trabalhar no Maranhão, em 1988, na diocese de Bacabal e depois Dom Geraldo (que na época era responsável pela PC) me pediu pra trabalhar na coordenação nacional,  então fazem 20 anos que estou na coordenação nacional como adjunto da coordenação.

Hoje qual o maior desafio da PC no mundo?

Têm situações distintas: no Brasil a Pastoral da Criança está bem consolidada em parte dos municípios e aqui nosso principal desafio são as novas doenças porque antigamente falávamos: ‘olha, o soro caseiro salvou milhares de vidas'. Mas, hoje toda mãe sabe preparar a solução, não precisa de tanto esforço da pastoral da criança. Hoje as doenças que mais matam crianças são ligadas ao nascimento, logo antes ou logo depois do parto e se tem a perspectiva de que metade das crianças que vão morrer esse ano vão morrer com menos de uma semana de vida, e para combater isso depende da líder aconselhar a mãe a fazer um pré-natal, acompanhar para que ele seja bem feito, mas depende também que o Estado faça a sua parte. Então, a PC tem um papel ainda muito grande para a sobrevivência infantil e depende cada vez mais de tecnologia que tem que ser ofertada pelo poder público. E ao mesmo tempo há as novas doenças. Hoje temos muito mais obesos, crianças com sobrepeso no Brasil do que crianças desnutridas. Isso é mudança radical e a maneira de combater também precisa ser, porque tanto o desnutrido quanto o obeso precisam de orientação alimentar. Mas, a questão da obesidade está muito ligada ao fato de as crianças não terem mais aquele espaço para brincar. Estava conversando com o pessoal de Belém e em todo o Brasil a gente lembra de como quando éramos crianças...Naquela época as crianças fechavam as ruas e jogavam futebol, se aparecia um carro o motorista reduzia, seguia devagarinho passava e as crianças voltavam a brincar. Hoje a preferência é toda para o carro. A mãe inclusive tem medo que a criança vá para a rua, que seja atropelada, que seja vítima de violência, de uma bala perdida, e acaba deixando a criança o dia inteiro na frente do televisor, às vezes  contra a vontade da criança, mas isso acaba diminuindo a oportunidade da criança brincar e conviver e também leva à obesidade porque leva a criança a ficar muito parada.

Nos outros países a questão de saúde e sobrevivência é muito mais importante o desafio é conseguir vacinas para todas as crianças, no Brasil temos a questão da saúde como um todo.

Qual o grande entrave para saúde pública no Brasil?

O Brasil avançou muito com a implantação do SUS. Em Bacabal, entre 1988 e 1989, eu atendia pessoas que em trinta e até em sessenta anos nunca tiveram oportunidade de consultar um médico porque não existia esse serviço. Então, pra essa população melhorou bastante. Por outro lado a parte preventiva ainda não está legal. Se você analisar quais as principais doenças que matam você vai ver que têm doenças muito ligadas à alimentação, hipertensão (pressão alta), a pessoa consome muito sal e faz pouco exercício. Então, se a pessoa fizesse uma dieta mais balanceada, comendo mais fibras das frutas, verduras, praticando pelo menos meia hora de exercício por dia, e buscasse um estilo de vida mais saudável , perdendo um pouco de peso você praticamente diminuiria em 80% problemas de pressão e diabetes. É claro tendo problemas de pressão, diabetes isso sobrecarrega o sistema de saúde e ele não vai dar conta se não trabalhar a prevenção. Exemplo prático seria o próprio soro caseiro. Quando me formei em medicina em 1988 a gente tinha 80% dos leitos dos hospitais ocupados por crianças com diarréia , no Hospital de Clínicas de Curitiba, o chefe da pediatria disse que das 14 vagas da UTI, 10 eram para crianças com desidratação. Hoje não tem criança internada com desidratação. Você parte de um modelo em que 80% dos gastos do hospital eram por diarréia e a mãe conhecendo como tratar e a sociedade aprendendo você não teve mais nenhum internamento. Isso tem que passar para outras doenças senão a gente vai gastar demais no tratamento quando se deveria gastar na prevenção.

Hoje estamos em mais de 20 países. Com diferentes graus de implantação. O forte é aqui na America latina, Angola e Timor leste. Estamos com três missionárias brasileiras trabalhando agora no Timor leste, semana que vem vão missionários para Guatemala e também ao Peru e assim estamos o tempo todo implantando a PC e principalmente acompanhando os trabalhos, porque não é só plantar a semente e abandonar, temos que cuidar porque senão ela se perde no meio do mato.

Qual impacto com o falecimento de Zilda Arns para a Pastoral da Criança ?

As pessoas despertaram para a necessidade de ajudar o próximo. As pessoas veem que a vida precisa de conforto material, mas precisa também ter essa doação e isso faz parte do nosso bem estar aqui na terra também, sem pensar na recompensa eterna que sempre há pra quem auxilia o próximo. A gente lembra que quando se fala em ardor missionário se remete a palavra 'arder' e 'ardor' é algo que incomoda, então o trabalho voluntário não é fácil, enfrenta dificuldades mesmo dentro da PC, que você tem apoio, material educativo, mas encontra desafio constante e justamente esse ardor que nos leva a enfrentar o trabalho com muita alegria e a gente vê cada vez mais pessoas se aproximando da PC querendo trabalhar em prol do bem comum e de uma sociedade justa e solidária. Tenho recebido inúmeras manifestações de pessoas que ate já trabalharam e haviam deixado e estão voltando e isso no mundo inteiro. Muita gente acompanhou as noticias (do falecimento de Zilda Arns)  pela internet e se engajou.

Há algum sonho não realizado de Zilda Arns que o senhor vai abraçar?

O sonho dela estava vinculado ao chamado de Jesus para que todos tenham vida e vida em abundância. Então, ela sempre lembrava que a PC deve estar a serviço de todas as crianças para que todas as crianças tenham a vida plena que merecem e que com a contribuição das pessoas, que tem um pouco mais de conhecimento e boa vontade, vai ser alcançado muito mais facilmente.
 
Fonte: CNBB 2 - Escrito por Vladiana Alves
Fotos: Igor Mota