PNUD mostra que percepção da violência aumentou no país. Estabilidade se tornou a mais recente meta estabelecida pelos brasileiros.
Pode parecer subjetivo demais, mas uma investigação completa sobre os valores nutridos pelos brasileiros vai nortear a definição de novas políticas de desenvolvimento no país. Uma pesquisa inédita do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) — a segunda etapa do Relatório de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010 — descobriu que o bem-estar dos próximos e da humanidade, aliado à estabilidade social, é o principal valor dos brasileiros. E a estabilidade foi o valor que ganhou terreno nas cinco regiões e que mais impressionou os pesquisadores: no Brasil de hoje, uma condição estável tem muito mais valor do que no Brasil de ontem e na maioria dos países da Europa.
A busca pela estabilidade tem duas raízes, razões que aparecem no estudo do Pnud divulgado ontem ou que precisam ser melhor investigadas, conforme os pesquisadores responsáveis pelo levantamento. Uma delas é a estabilidade econômica. O brasileiro convive com um cenário econômico de poucas oscilações, com a ampliação da renda e com o crescimento da economia, o que pode ter transformado a estabilidade num valor intrínseco. A segunda tem um viés negativo e está mais evidente na pesquisa do Pnud. Mais de 90% das pessoas entrevistadas consideram que a violência está crescendo no país, uma percepção que não está associada somente à criminalidade. A brutalidade no trânsito, na escola dos filhos, no bairro e dentro da família também motiva a busca por estabilidade social.
“A grande novidade para nós é o aumento da estabilidade social como valor dos brasileiros. O bem-estar do próximo sempre aparece nos estudos”, explica o economista do Pnud Flávio Comim, que divulgou ontem os dados do relatório. A percepção da violência — e a interferência nos valores pessoais — também aumentou nos últimos anos. Sondagens como essa do Pnud costumam apontar, em média, que 70% dos brasileiros são reféns do medo da violência. Já são 90%, conforme a pesquisa. Também é significativamente maior a quantidade de pessoas que consideram a família decisiva para a formação escolar dos filhos: essa é a percepção de 77,2% dos pesquisados. A escola vem perdendo a confiança dos brasileiros, e a família assume cada vez mais importância na definição de valores.
O chamado Perfil dos Valores dos Brasileiros (PVB) corresponde ao segundo capítulo do Relatório de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010, que vai terminar com a definição dos novos Índices de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDH-M), um importante indicador de qualidade de vida e distribuição de renda no país. O Brasil tem um IDH-M defasado, o que reflete a falta de dados e as dificuldades de se analisar a evolução do desenvolvimento. O último IDH-M é de 2000. Com esse novo relatório do Pnud, o desenvolvimento passa a ser visto também pela ótica dos valores dos brasileiros. Saber o que pensamos e como queremos agir se tornou tão importante quanto detalhar os indicadores de educação numa cidade.
Na definição dos pesquisadores, valor é a crença que influencia as pequenas decisões e as grandes escolhas. É assim com Ludiana Mendes, de 20 anos. Ela sabe que está “parada”, como diz, e que precisa voltar a estudar. Vai fazer um curso técnico de enfermagem assim que tiver tempo e dinheiro. São os jovens, como Ludiana, os mais abertos a mudanças, como constatou a pesquisa do Pnud. Eles querem autopromoção e estão pouco ligados em conservadorismo e bem-estar do próximo. “Eu preciso me movimentar. Por isso vou fazer o curso”, diz a jovem.
A importância que cada um dá ao trabalho também interfere na definição dos valores. Como o grupo dos jovens, separado na pesquisa, o grupo dos que trabalham é um dos mais abertos a mudanças. O jornalista Ricardo Borges, 40, chegou de São Luís (MA) há 15 anos. Trabalhou em sindicatos e hoje atua na comunicação interna da Infraero. “Por causa dos meus filhos, sou mais pragmático, mais pé no chão.”
Ter filhos é o freio na vontade de mudar, é o pulo para as atitudes mais conservadoras e fator de distanciamento da autopromoção, como constatou o levantamento do Pnud. A dúvida que a funcionária pública Maria Joaquina Andrade, 60 anos, tem hoje é ficar com as filhas e o neto, no Rio de Janeiro, ou manter o emprego e a estabilidade conquistados em Brasília. Quando foi mãe pela primeira vez, aos 24 anos, Maria Joaquina parou de trabalhar e dedicou-se integralmente à filha. “Meu segundo neto está chegando. Penso em me mudar para o Rio, mas ter estabilidade, hoje, é muito difícil.”
Em cada região do país, uma sentença
Cada circunstância de vida define os valores mais importantes para os brasileiros. Os pesquisadores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) cruzaram informações e chegaram a perfis bem característicos. As mulheres e os mais velhos são os mais solidários. Quem tem maior renda familiar e menos idade cultua a autopromoção como valor. As mães são mais conservadoras. E as pessoas com formação superior, filhas de mães formadas nas universidades, estão mais abertas a mudanças.
Também há diferenças sensíveis entre os moradores das cinco regiões. O nordestino é o mais determinado, conformado e o que mais busca segurança. Ao mesmo tempo, é o brasileiro menos interessado pelo bem-estar alheio e por realização pessoal. Os brasileiros mais ligados em prazer moram nas regiões Norte e Centro-Oeste. Os mais solidários estão no Sudeste, e os mais estimulados, no Sul.
O Pnud buscou informações sobre a percepção dos brasileiros em relação à escola. Descobriu que a instituição está em descrédito. Se antes 40% das pessoas atribuíam à escola a principal responsabilidade pela educação, agora essa proporção é pouco superior a 20%. A principal responsabilidade, conforme os valores dos brasileiros, é da família. E aí que reside uma contradição, relatada pelo economista do Pnud Flávio Comim. Questionados sobre violência nas escolas, os pais atribuíram a culpa à falta de engajamento das escolas. Os professores culparam a falta de engajamento dos pais. “Os próprios alunos consideram que a escola não tem importância para eles.”
A violência na escola aparece como uma das mais frequentes no cotidiano dos brasileiros. Tem peso semelhante à brutalidade no trânsito e no bairro onde vive a família. “Existe uma ampla gama de fenômenos associados a essa problemática: bullying, indisciplina escolar, adoecimento dos professores e diminuição da autoestima dos alunos”, conclui o relatório do Pnud.