O 8 de Março foi marcado por um evento que nos tocou e emocionou a todos: a homenagem que a Câmara Federal fez à médica Zilda Arns Neumann, vítima dos trágicos acontecimentos no Haiti que interromperam a trajetória de uma mulher corajosa, determinada, que transformou cada dia de sua existência num grande coração para abraçar e abrigar os excluídos, num hino de amor que se fez forte e duradouro para ensinar ao País e ao mundo o valor da solidariedade e do amparo ao próximo.


O terrível terremoto que devastou o Haiti em 12 de janeiro deste ano não permitiu que Zilda Arns prosseguisse o belo itinerário de proteger os que mais precisavam, mas, com certeza, o legado desta mulher extraordinária fica para sempre e motivará as novas gerações a levar adiante a bandeira da vida.

Na sessão solene, expressamos o sentimento unânime de que o respeito a Zilda Arns se sobrepõe a valores políticos e a crenças religiosas, pela valentia com que essa autêntica heroína lutou em prol da saúde, da dignidade, da justiça e da cidadania a que todos os homens e mulheres deveriam ter direito.

Natural de Forquilhinha, Santa Catarina, onde nasceu em 1934, Zilda Arns veio ao mundo em uma família com a vocação da solidariedade cristã e do amor ao próximo.

Significativamente, cinco dos seus doze irmãos tornaram-se religiosos – entre eles dom Paulo Evaristo, o cardeal Arns, arcebispo emérito de São Paulo. Igualmente disposta a servir a Deus, a jovem Zilda entrou não para um convento ou um mosteiro, mas para a Faculdade de Medicina, certa de que assim também seguiria a lição do Senhor, ao proporcionar alívio às dores da alma e aos sofrimentos do corpo.
 

Médica, fez-se pediatra e especialista em saúde pública, as duas áreas em que poderia combater de modo mais direto a doença, a fome, a subnutrição e a mortalidade infantil que vitimavam milhões de crianças brasileiras.

Em 1983, solicitada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, funda a Pastoral da Criança, que  promoverá uma decisiva transformação na realidade da saúde pública brasileira.

Nestes 27 anos de trabalho, foram atendidos, no seio de 1,4 milhão de famílias pobres, cerca de 2 milhões de gestantes e de crianças menores de seis anos, em 4.063 municípios espalhados por todo o Brasil.

A rede conta com 260 mil voluntários, 92% dos quais mulheres, cuja atuação se baseia em três simples procedimentos: visita domiciliar às famílias; “Dia do Peso”, também chamado “Dia da Celebração da Vida”; e reunião mensal para avaliação e reflexão.

Assim, a doutora Zilda Arns empreendeu uma revolução que para muitos só haveria por milagre: com inteligência, obstinação e firmeza, reduziu substanciosamente a fome, a desnutrição e a mortalidade infantil.

No discurso que Zilda escreveu para pronunciar no Haiti, fez o que nos soa como uma tocante profissão de fé, pelo sentimento de amor que a inspira: “As crianças, quando estão bem cuidadas, são sementes de paz e de esperança. Não existe ser humano mais perfeito, mais solidário e sem preconceitos que as crianças.”

Em 2004, a CNBB confiou-lhe mais uma relevante missão: fundar e coordenar a Pastoral da Pessoa Idosa, para que a ela se assegure, também, a atenção e o cuidado que não se podem negar aos que têm vida longa.
 
Por toda essa luta, a doutora Zilda recebeu importantes homenagens no Brasil e no exterior, entre elas a Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados, em 2002; o diploma de cidadã honorária de 10 Estados e de 32 municípios brasileiros; o título de Doutor Honoris Causa de cinco universidades, além da indicação para o Prêmio Nobel da Paz.

Esta batalhadora que, como pediatra e sanitarista, fez da medicina uma missão para salvar nossas crianças pobres da mortalidade infantil, da desnutrição e da violência familiar e social, deixa para a humanidade a obra do amor incondicional.

Como médica zelosa, a metodologia que pessoalmente implantou, tendo por base a educação como fonte central para prevenir doenças e combater a marginalidade social, é um legado para o mundo.

Ela trazia a solidariedade na alma e seu desejo de ajudar ao próximo era algo pleno e intenso. Dona Zilda partiu aos 75 anos, mas seu exemplo continuará vivo, intenso, eterno.
 

Fonte: Diário da Manhã (Goiânia) Online – 10/03/2010