Veja o artigo que o Jornal de Opinião, de Belo Horizonte, publicou em fevereiro de 2010, falando sobre o trabalho de Dra. Zilda Arns Neumann.

O apóstolo Paulo, em exortação na carta aos Romanos (14,18-19), tem uma palavra que se aplica, plenamente, no juízo que se pode, por justiça, fazer a respeito da vida e do testemunho da doutora Zilda Arns: “É servindo a Cristo, dessa maneira, que seremos agradáveis a Deus e teremos a aprovação dos homens. Portanto, busquemos tenazmente tudo que contribui para a paz e a edificação de uns pelos outros”. A história de sua vida ultrapassa, simplesmente, as mais nobres causas e motivações políticas. Oportuno é recordar que a intuição que originou a Pastoral da Criança se aplicou, em primeiro lugar, em Florestópolis, no Paraná, na Arquidiocese de Londrina, com o incentivo do irmão dom Paulo Cardeal Arns, e com o apoio decisivo de dom Geraldo Majela Cardeal Agnelo, então arcebispo metropolitano daquela região.

A origem desse projeto, que chegou a motivar a sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz, nasceu no meio dos mais pobres, sem os holofotes habituais dos interesses eleitoreiros e da mesquinhez de se tirar proveito de algo, particularmente no âmbito da projeção política. O olhar fixado nos mais pobres, endereçado às crianças, patrimônio a ser defendido e promovido com todo esforço, fez brotar do coração da doutora Zilda essa intuição. Um discernimento visionário que se concretizou com simplicidade, fazendo a diferença, mudando estatísticas na mortalidade infantil, com traços de milagre operado pela força do amor que toma conta do coração de tantos voluntários, exemplares curadores e promotores da vida.

Os custos baixos e o efeito significativo da atuação da Pastoral no cenário da exclusão social e da desnutrição, não podem deixar de envergonhar e de fazer pensar mil vezes, todos aqueles que se apropriam e usufruem de aparatos caros e sofisticados, produzindo tão pouco efeito no quadro das mudanças urgentes. O legado da doutora Zilda com o exército de voluntários de todas as classes sociais, na Pastoral da Criança e na Pastoral da Pessoa Idosa, não poderá servir de âncora para alavancar candidaturas ou para promover plasticamente figuras políticas. Mas, deverá ser uma realidade que continuará a fazer o bem, ganhando o mundo a custo de sacrifícios e, sobretudo, da convicção amorosa de tantos, incluindo mesmo a oferta abnegada da própria vida: o segredo deste sucesso. Esta realidade está sacramentada na tragédia do terremoto do Haiti, onde a doutora Zilda se encontrava por razões humanitárias, imolando sua vida ali ofertada, sangue também derramado, tombando como um jequitibá, num grande mistério de fé e da existência humana.

Começou em Florestópolis e concluiu no Haiti. Sempre entre os mais pobres e na luta pela vida. Há uma pergunta que precisa ser feita por todos, contemplando o conjunto dessa trajetória, graças a Deus situada numa limpidez que não se mistura com os óleos da corrupção e do uso indevido do que é para o bem de todos. Essa pergunta respondida fará compreender de onde nasce o segredo de uma intuição da qual uma médica e sanitarista se tornou depositária, fazendo a diferença, mudando cenários e vencendo as estatísticas alarmantes da mortalidade infantil. De onde nasce esta intuição e o que mantém a sua força? É preciso começar a responder esta pergunta dizendo logo, para não perder tempo, que o sustento e a moldura de todo esse patrimônio, a Pastoral da Criança e a Pastoral da Pessoa Idosa, serviços da Igreja Católica na sociedade pluralista contemporânea, não nasce de motivações políticas. Se o fosse não avançaria com a mesma força, é incontestável. A intuição e a audácia corajosa desse serviço à vida nascem da fé. A pessoa de Jesus Cristo é o nascedouro e o ápice deste segredo. A fé banha e fermenta a formação técnica e a consciência de cidadania. Quando dela se prescinde, o percurso é mais árduo e falta a sabedoria do coração.
 
O papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica Deus é Amor (n. 31), lembra que não basta por si só a competência profissional e que os seres humanos necessitam sempre de algo mais do que um tratamento apenas tecnicamente correto: “... seres humanos têm necessidade de humanidade, precisam da atenção do coração”. O trabalho profissional, a vida e os afazeres não atingem suas metas apenas por execuções habilidosas, menos ainda por artimanhas políticas. Mas sim, pelas atenções e intuições sugeridas pelo coração. A formação do coração é capítulo indispensável e a fé é insubstituível nesse processo. É o encontro com Deus em Cristo que suscita o amor, gera sabedoria enquanto força que faz perseverar, e abre o íntimo ao outro de tal modo que o amor do próximo não seja uma imposição, mas, diz o papa “... uma consequência resultante da sua fé que se torna operativa pelo amor”. É preciso refletir e proclamar aos corações que a excelência da doutora Zilda e seu legado vêm da fé.
 

Fonte: Jornal de Opinião Online – 14/02/2010