Trabalho da Pastoral da Criança não ajuda apenas a levar cidadania às famílias: dados mostram resultados eficientes na redução da desnutrição e da mortalidade. Crianças com voluntárias da Pastoral em Taguatinga: o Distrito Federal tem quase 200 mil com 6 anos ou menos, sendo 40% consideradas pobres.
Quando Marcelo Pinho Amorim nasceu, na favela de Heliópolis, em São Paulo, seus pais viviam na absoluta miséria. A feirante Evelina Amorim, 43 anos, conta que a família acabara de chegar do sertão pernambucano em busca de uma vida melhor na cidade mais rica do país. Ela morava com seis filhos em um casebre. Marcelo, hoje com 12 anos, nasceu pesando apenas 900 gramas. “Ele nasceu todo mirradinho. A mulher que fez o parto disse que ele ia morrer porque eu não tinha leite nem dinheiro para comprar um pãozinho de R$ 0,10”, recorda a mãe, emocionada.
Foi graças à corrente do bem comandada, à época, pela médica Zilda Arns, morta no terremoto que devastou o Haiti, que Marcelo sobreviveu. “Eu saía de casa às 6h da manhã para catar papelão nas ruas e deixava ele com a minha filha mais velha. Marcelo estava tão desnutrido que chorava para dentro, baixinho. Achava que ele estaria morto quando eu voltasse no início da noite”, conta Evelina.
Um dia, uma senhora que também catava papelão comentou que em uma favela localizada no Jardim Ângela, Zona Sul de São Paulo, havia um grupo de religiosas que distribuíam uma mistura que salvava vidas. No dia seguinte, Evelina não foi trabalhar e levou o filho até a comunidade. “Nunca acreditei em milagre. Achava até que Deus não existia, porque minha vida foi de miséria desde que eu nasci”, conta a feirante. A mistura — uma farinha feita de farelo de arroz, trigo, milho, aveia, pó de folha de mandioca, batata-doce, chuchu, castanhas e leite — estava sendo distribuída por voluntárias da Pastoral da Criança no momento que Evelina chegou com Marcelo no colo. “Preparei na casa de uma voluntária e meu filho se recuperou em uma semana”, lembra.
Com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a Pastoral da Criança afirma que o país tem 20 milhões de crianças com até 6 anos, e quase a metade delas vive na mais absoluta miséria. A entidade acompanha 16% de todas as crianças nessa faixa etária que não fazem refeição diariamente. “A fome é uma tragédia silenciosa, que acontece nos rincões e nas periferias. Quem come todos os dias não consegue enxergar as pessoas famintas. Para a maioria das pessoas, a fome é só uma estatística”, diz o sociólogo Yuri Kobayashi, da Universidade de Campinas (Unicamp).
Hoje, a vida da família de Marcelo é bem diferente. A mãe conseguiu construir uma casa de alvenaria no Jardim Ângela e o filho está na 6ª série. Mas ele carrega sequelas da época que não tinha o que comer. A falta de nutrientes comprometeu o seu crescimento. O médico que o atendeu recentemente disse que o menino dificilmente vai passar de 1,50m de altura. “Ele vai ser um homem baixinho. Mas prefiro ele ao meu lado do que morto”, diz a mãe.
Com o filho salvo, Evelina virou devota de Nossa Senhora da Aparecida e passou a acreditar piamente em Deus. Sentiu a necessidade de se engajar como voluntária da Pastoral da Criança nos momentos de folga. “O meu trabalho de comunicadora salvou muitas vidas. Levar informação é tão importante quanto dar comida”, ressalta, repetindo o que ouviu de Zilda Arns em uma palestra, no ano passado.
Vida melhor
Espremida entre a estrada que liga Taguatinga a Brazlândia — a Floresta Nacional de Brasília —, existe o acampamento Terra Santa. Há pelo menos 10 anos, o povoado é o refúgio de famílias de baixa renda que sobrevivem em barracos de madeira. A maioria é desempregada e depende de projetos assistenciais.
Renata Lopes de Oliveira, 32 anos, conta que o marido está desempregado. “É difícil”, lamenta. Na Terra Santa, o trabalho da Pastoral da Criança chegou há dois anos e salvou da desnutrição a filha mais nova de Renata. “A gente não sabe cuidar dos meninos. Os voluntários ensinam muita coisa sobre a saúde deles”, comenta a moça, ainda chocada com a morte de Zilda Arns.
Fonte: Correio Braziliense – (Brasília/DF) – Brasil – 20/01/2010 - Pág. 7