A Pastoral da Criança e o Museu da Vida receberam, hoje, a visita da Dra Mariângela Batista Galvão Simão, Diretora-geral assistente para acesso a medicamentos, vacinas e produtos farmacêuticos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em passagem por Curitiba, Dra Mariângela, grande parceira da Pastoral da Criança ao longo dos anos, aproveitou para conhecer o Museu da Vida e conversar sobre as pautas em comum das duas instituições
Segundo Dra. Mariângela, a maior diferença da Pastoral da Criança em relação a outras organizações é que todo o trabalho é feito com base em evidências científicas. "Existem muitas organizações que vão para vender aquilo que acreditam que é certo, mas que nem sempre tem ciência comprovando que aquilo é benéfico, mas a Pastoral construiu uma imagem internacional de que prega apenas aquilo que funciona de verdade, que traz benefícios para as pessoas. Numa época cheia de notícias falsas e desinformação é muito importante que a atuação de organizações conceituadas se baseiem em informações cientificamente corretas".
Ao final da visita, Dra Mariângela concedeu também uma entrevista sobre as prioridades da OMS, pautas atuais, desafios, parceria com a Pastoral da Criança e muito mais.
ENTREVISTA
Quais os objetivos da Organização Mundial de Saúde (OMS) no Brasil?
Aqui ela é representada pela Organização Panamericana de Saúde que, na verdade, é mais velha que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS). São atuações complementares e trabalham muito junto com o Governo Federal em diversas áreas que incluem, por exemplo, o combate às mortalidades infantil e materna, enfrentamento de doenças transmissíveis, no desenvolvimento técnico e científico.
O que a OMS está fazendo pela Primeira Infância?
Eu sou pediatra de formação e na OMS temos várias ações pela Primeira Infância. Na área em que eu trabalho, uma das questões mais importantes é o desenvolvimento de fórmulas de medicações adequadas para crianças, porque é uma falha de mercado, pois muitos medicamentos para adultos não podem ser administrados em crianças, mesmo em combate à doenças que são frequentes na infância e na fase adulta, como, por exemplo, medicamentos conta a HIV, tuberculose e malária. A malária afeta grande parte do mundo. São mais de 200 milhões de casos por ano e a falta de formulas adequadas para criança vem da falta de interesse da indústria farmacêutica, porque o mercado é muito pequeno. No entanto, comprimido não serve para elas e precisamos de xaropes, pózinhos ou outra solução. Com antibióticos, temos o mesmo problema. O desenvolvimento de novos antibióticos é pequeno hoje em dia, existe um problema de resistência antimicrobiana pelo mau uso do medicamento, e a criança que tem alguma doença multirresistente não tem medicamento com uma fórmula adequada que possa ajudar e salvar a vida dela. É importante ressaltar que a primeira dose do antibiótico deve ser tomada imediatamente, assim que a receita médica é dada, no centro de saúde ou supervisionada por um profissional de saúde. Nisso a Pastoral da Criança tem ajudado muito para que seja uma realidade.
Quais são as ações da OMS no combate a mortalidade infantil?
Foi aprovado globalmente que os países tem que pensar acesso ao Serviço de Saúde. Por exemplo, o SUS é um sistema de cobertura universal, mas a maioria dos países não tem isso. A índia, com um bilhão de pessoas, tem um Primeiro Ministro que está bancando a institucionalização da cobertura universal de saúde. Esse acesso é essencial para que as crianças possam sobreviver, nasçam de parto com qualidade e recebam bom atendimento no inicio da vida para ter saúde. Em alguns países em que a Pastoral da Criança trabalha, esse acesso à saúde não é uma realidade. No Brasil não damos muita bola para essa pauta porque temos o SUS que garante isso, mas na maioria dos países não há. Esse tipo de intercâmbio de cooperação da Pastoral da Criança com outros países ajuda muito, pois vai de encontro ao objetivo da OMS, que é aumentar a cobertura dos serviços básicos.
Como é o trabalho da OMS com a Pastoral da Criança?
Uma grande fortaleza da Pastoral da Criança é o trabalho comunitário. Mais do que em qualquer outra organização não- governamental, esse trabalho na comunidade vai de encontro com a OMS, porque não conseguimos trabalhar nas comunidades diretamente, exceto no caso do Congo com a epidemia de ebola, mas é uma exceção. Outra diferença da Pastoral da Criança em relação a outras organizações é que todo o trabalho é feito com base em evidências científicas. Existem muitas organizações que vão para vender aquilo que acreditam que é certo, mas que nem sempre tem ciência comprovando que aquilo é benéfico, mas a Pastoral construiu uma imagem internacional de que prega apenas aquilo que funciona de verdade, que traz benefícios para as pessoas. Numa época cheia de notícias falsas e desinformação é muito importante que a atuação de organizações conceituadas se baseiem em informações cientificamente corretas. Nesse momento, o mundo está vivendo uma epidemia de sarampo, que possui uma vacina boa e segura, de apenas 2 doses, que no Brasil é distribuída pelo SUS. Hoje, há surto em 170 países e isso vem muito, principalmente em países ricos, da desinformação a respeito das vacinas. Portanto, esse trabalho na base e na comunidade para desmitificar as vacinas e ensinar que a ela é importante, segura e que os filhos devem ser vacinados, é muito importante e deve ser estimulado. É um exemplo inestimável e deveria ser exportado para todos os países, uma experiência positiva que, com adaptações, poderia funcionar em todos os lugares.
A Pastoral da Criança vai diretamente em lugares de vulnerabilidade. Este trabalho deve ser feito?
É claro! Não vai ser feito em Brasília nem em Genebra, pois deve ser feito pelas pessoas que vivem e trabalham na comunidade, uma vez que são elas que fazem a diferença. Podemos ter as melhores Políticas Públicas que, se não saírem do papel, se não fizerem sentido para as pessoas, se a informação correta não chegar nas pessoas com vulnerabilidade; nada adianta, são projetos vazios. As Políticas de Saúde devem ser sérias e voltadas para o bem estar coletivo e individual, mas é importante que elas possam ser implementadas pelas pessoas, como fazem os líderes da Pastoral da Criança.
Você poderia deixar uma mensagem de otimismo e esperança para nossos líderes?
Estar na comunidade é o que faz a diferença. Cada pessoa deve pensar que os pequenos bens que fazemos no dia a dia é o que muda o mundo. Se tivéssemos mais pessoas iguais aos voluntários da Pastoral da Criança, poderíamos construir um mundo melhor. Líderes, não desistam, pois o trabalho de vocês é essencial e deve ser contado. Outra coisa muito importante é que, quando o agente da Pastoral Criança está preenchendo um relatório, deve-se pensar na importância que aqueles números trazem para mostrar a diferença sendo feita, pois às vezes parece apenas uma burocracia. Tive um chefe que dizia que medimos aquilo que trazemos no coração, aquilo que valorizamos, e o fato da Pastoral da Criança poder expressar isso em números, com base nos relatórios que os líderes preenchem no campo, é possibilitar vermos o alcance desse trabalho que faz diferença na vida das pessoas e é uma grande contribuição para a humanidade. É muito bom ter esperança e experiências positivas que buscam um mundo melhor. A Pastoral da Criança tem também o Aplicativo Visita Domiciliar, e cada vez que o líder coloca no aplicativo a informação, essa informação serve para mostrar que o trabalho faz a diferença.
Você tem alguma mensagem sobre a Malária?
É difícil de controlar, absurdamente, e até hoje não tem uma vacina decente. Não é por falta de investimento. É uma doença difícil mesmo, principalmente em áreas rurais.
Na cadeira da OMS, o que você diria para os nossos bispos sobre a Pastoral da Criança?
O trabalho nunca acaba na área de saúde, porque a possibilidade de retrocesso é muito rápida. Uma política pública de saúde funciona quando tem continuidade e isso vale para a Pastoral da Criança. A desigualdade continua e está aumentando globalmente, por isso, acreditar que os ganhos que se conseguiram são permanentes é ilusório. Mesmo países ricos tem desigualdades. Tem pessoas vulneráveis em qualquer economia do mundo, mesmo que em cada lugar isso signifique coisas diferentes. Quem pensa que as conquistas sobre mortalidade infantil no Brasil são permanentes está iludido. Está melhor, mas não está resolvido. Existem novas gerações e o mapeamento, o trabalho de porta em porta, de visita domiciliar para acompanhar a gestante e a criança, é um trabalho para sempre.
O que a senhora achou do Museu da Vida?
Surpreendente! Gostei muito de ser tão interativo e misturar tecnologia informativa, mexer com o coração e a mente das pessoas. fiquei muito impressionada. Vale muito a pena visitar. Tem que entrar na lista dos Museus para conhecer em Curitiba!