A Pastoral da Criança acompanha a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que se posicionou contra a proposta de emenda constitucional (PEC 215), que transfere ao Congresso Nacional a decisão sobre a demarcação de terras indígenas. Em nota divulgada no encerramento da 51ª Assembleia Geral (Aparecida, 22 de abril), a CNBB considera a proposta um atentado aos direitos dos povos indígenas e quilombolas.
Em tramitação na Câmara Federal, a PEC 215 transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional a última palavra sobre a demarcação, titulação e homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de Áreas de Proteção Ambiental. De acordo com a CNBB, a Constituição Federal garantiu aos povos indígenas e quilombolas o direito aos seus territórios tradicionais. E também definiu que os atos necessários à efetivação desses direitos são de competência exclusiva do Poder Executivo.
Segurança alimentar nas terras indígenas
“Terra é saúde, saúde é terra. Os povos indígenas dependem do lugar no qual vivem para terem saúde”, afirma o gestor de relações institucionais da Pastoral da Criança Clóvis Boufleur, representante da CNBB no Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde)
Nos últimos cinco anos, o fortalecimento das ações de segurança alimentar e saúde nas comunidades indígenas vem recebendo atenção especial da Pastoral da Criança e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), através da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), diz Boufleur. Ele destaca três desafios atuais para as populações indígenas: garantir a terra e as condições para produzir o próprio alimento, definir claramente como será a assistência e a atenção à saúde nas aldeias e impedir que álcool e drogas tomem conta das comunidades indígenas.
Existem focos de insegurança alimentar em dezenas de áreas indígenas. As alterações nos padrões alimentares e de atividade física têm provocado drásticas transformações na saúde indígena e levaram para as aldeias problemas como obesidade, hipertensão arterial e diabetes. Essa é a principal conclusão do 1º Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, maior estudo sobre a saúde dos povos indígenas já realizado no país, no período de 2008 e 2009.
De acordo com Boufleur, as recentes manifestações dos fóruns e conferências sobre saúde indígena apontam para a necessidade de intensificar atividades intersetoriais de educação e promoção da saúde, como a valorização das práticas de saúde tradicionais, alimentação saudável e de costume, saneamento básico e ambiental e fortalecimento da capacidade dos próprios índios de cuidar da saúde na sua comunidade.
O território da Saúde Indígena está organizado no país na forma de 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas – DSEIs. A gestão da Saúde Indígena, a partir de 2010, passou a ser feita diretamente pelo Ministério da Saúde/Secretaria Especial Saúde Indígena (SESAI). A meta é organizar cada Distrito Sanitário para que seja uma unidade de gestão direta e execução de recursos públicos. A autonomia dos Distritos possibilita mais capacidade de resolver os problemas, conforme a realidade de cada povo indígena.
Ações da Pastoral da Criança nas comunidades indígenas
Em 2012, as ações da Pastoral da Criança junto às populações indígenas aconteceram em 195 comunidades. Mensalmente foram acompanhadas 8.925 crianças por 1.085 líderes indígenas e 450 voluntários de apoio. A estratégia de trabalho utilizada inclui o conhecimento da realidade nas aldeias, contatos com o Ministério da Saúde e organizações que acompanham os indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), consentimento e apoio dos caciques, seus conselhos e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Nas capacitações dos líderes indígenas voluntários, que vivem nas próprias aldeias onde acompanham as crianças, são utilizadas as orientações do Guia do Líder, além de explicações e materiais de apoio, com linguagem adaptada à cultura de cada povo. No que se refere à segurança alimentar e nutricional, a Pastoral da Criança incentiva o uso dos alimentos naturais locais. Ela também apoia a valorização das práticas de saúde tradicionais que têm a participação de pajés, curandeiros ou parteiras.
Segundo os dados pesquisados pela Pastoral da Criança, a mortalidade infantil (menos de 3 mortes para cada mil nascidos vivos) e desnutrição (3,4%) estão com percentuais que indicam controle nestes indicadores. Situações de desnutrição infantil coincidem com o abandono da amamentação exclusiva que, entre os indígenas, ocorre a partir do primeiro ano da criança; a baixa disponibilidade de alimentação adequada e água potável para a criança aumentam os índices de diarreia.
A perda da cultura alimentar, lembra Clóvis Boufleur, está relacionada principalmente com a base proteica vegetal, como batata doce, mandioca (macaxeira), abóbora, inhame, milho, feijão e frutas como mamão e banana, pescados e carnes. “Outro fator é o alcoolismo que afeta chefes de família. Além disto, existe oferta de produtos, por meio de cestas básicas e do comércio, com alto teor de açúcar e carboidratos”.
Pela experiência da Pastoral da Criança, ao longo dos anos, “pode-se afirmar - frisa Boufleur - que muitos problemas nas comunidades indígenas estão relacionados com a seca, a monocultura, a migração dos povos indígenas, o contágio por doenças, pouco acesso aos serviços de saúde e à educação, demora ou não legalização das terras, conflitos culturais e de identidade, alcoolismo e preconceito entre outros”.
Veja também:
Nota da CNBB "Em defesa dos direitos indígenas e quilombolas, pela rejeição da PEC 215"