"A saúde é direito de todos e dever do Estado..."
(Constituição Federal do Brasil de 1988)
A Igreja do Brasil, mais uma vez em sintonia com o espírito penitencial do Tempo da Quaresma, realiza a Campanha da Fraternidade (CF), esforçando-se por dar à penitência e ao esforço quaresmal uma dimensão concreta, ao chamar a atenção das comunidades cristãs católicas a algum aspecto da realidade do povo brasileiro que merece maior cuidado e um esforço conjunto para a solução dos seus problemas e a superação dos seus desafios.
Neste ano, a Campanha da Fraternidade tem como tema: "Fraternidade e Saúde Pública"; e lema: "Que a saúde se difunda sobre a terra" (cf. Eclo 38,8). À primeira vista, esse tema parece repetir o da Campanha da Fraternidade de 1981: "Fraternidade e Saúde - Saúde para todos".
Na verdade, o tema deste ano avança na abordagem da questão da saúde. Partindo do princípio de que a ação de Jesus foi de gerar vida em abundância (Jo 10,10), e de que a salvação conquistada por Ele é também sinônimo de vida saudável, saúde integral e bem estar para todos; deparamo-nos com uma realidade bastante difícil que nos desafia a todos.
Falando da vida saudável como sinônimo de saúde, o Texto-Base da CF relembra que: "A vida saudável requer harmonia entre corpo e espírito, entre pessoa e ambiente, entre personalidade e responsabilidade." (n. 15). Não se trata, portanto, apenas de garantir recursos e incrementar os equipamentos da saúde, mas de desencadear um processo que leve as pessoas desde a defesa e promoção dos seus direitos a tratamento adequado, até a tomada de consciência da importância de cuidar da vida e cultivar a saúde através da prevenção cuidadosa às doenças e da participação daqueles espaços criados para salvaguardar o acesso de todos à vida com qualidade.
O Texto-Base da CF-2012 chama nossa atenção para as grandes preocupações na saúde pública no Brasil, alertando para as "doenças crônicas não transmissíveis (doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, cânceres, doenças renais crônicas e outras); doenças transmissíveis (AIDS, tuberculose, influenzae ou gripe, dengue ou outras); fatores comportamentais de risco modificáveis (tabagismo, dislipidemias por consumo excessivo de gorduras saturadas de origem animal, obesidade, ingestão insuficiente de frutas e hortaliças, inatividade física e sedentarismo); dependência química e uso crescente e disseminado de drogas lícitas e ilícitas (álcool, crack, oxi e outras); causas externas (acidentes e violências)." (n. 65).
Essas doenças são responsáveis por um alto índice de mortes ocorridas, hoje, no mundo; que, portanto, podem ser evitadas com programas de prevenção, ou iniciativas pessoais e comunitárias.
A temática da CF-2012 obriga-nos, ainda, a refletir sobre a importância e a necessidade de conhecimento mais aprofundado sobre o SUS (Sistema Único de Saúde). Inspirado em belos princípios como a proposta de atender a todos, indiscriminadamente, ele ainda não conseguiu ser implantado e, está longe de atingir os seus objetivos.
Um dos aspectos que dificulta ao SUS atender às necessidades das populações, está ainda na pouca participação da população aos processos de tomada de decisão, ou seja, o distanciamento e a falta de informação das pessoas sobre a importância de participar das instâncias colegiadas do SUS (Conselhos e Conferências de Saúde), cujo objetivo é manter o controle social sobre o próprio SUS. (cf. n. 115).
Merece nossa atenção a importância de formar e estimular as pessoas para participar dos conselhos e conferências de saúde que são "espaços de participação democrática por meio dos quais se pode avançar na melhoria dos serviços públicos. Os conselhos têm caráter deliberativo e a função de exercer o papel de formulação, acompanhamento e controle permanente das ações do governo em seus três níveis." (n. 116).
Em nosso país, os recursos destinados à saúde atingem 15% da arrecadação municipal e 12% da estadual. Somados aos recursos provenientes da esfera federal, "têm obrigatoriamente que ser administrados com a participação popular", para "evitar práticas de corrupção ou o uso dos cargos de administração pública como moeda eleitoral, que normalmente alça a tais cargos, pessoas despreparadas para uma área de vital importância para a população." (n. 118).
Não deixa de preocupar o fato de muitos governantes não destinarem nem o mínimo do investimento na saúde, gerando um arriscado e perigoso subfinanciamento na saúde pública.
Essa realidade, marcada por sombras e luzes, possibilidades e entraves, está a exigir das comunidades cristãs uma ação conjunta para poder ser conformada à vontade do Criador que quer que a saúde se estenda sobre toda a terra (cf. Eclo 38,8).
Ao tratar da saúde, o autor do livro do Eclesiástico, inspirado por Deus, sugere que o "mais importante que curar é o trabalho de evitar que as pessoas adoeçam e promove-las para que tenham vida em abundância. Realidade que o ditado popular consagrou: 'é melhor prevenir que remediar'." (n. 158).
Além do mais, na compreensão do autor sagrado, é Deus quem providencia os bens e recursos e suscita pessoas capazes de cuidar da saúde e superar as doenças. Deus é parceiro das suas criaturas no combate e na superação da enfermidade; pois é Ele, o Criador, que favorece as conquistas alcançadas pela inteligência humana na promoção da vida e na garantia de saúde para todos.
Muitas são as iniciativas que podem surgir da Campanha da Fraternidade pessoal e comunitariamente: o cuidado de cada um com a própria saúde, como a higiene pessoal e a assimilação de hábitos saudáveis; a conscientização dos direitos das pessoas à vida saudável, saúde equilibrada e bem estar; a participação efetiva da comunidade nos conselhos e conferências de saúde; a atenção pessoal aos que sofrem nos próprios lares, na vizinhança; e a participação na Pastoral da Saúde.
Acolher o convite da CF-2012, "Fraternidade e Saúde Pública", é dar ao nosso esforço de conversão pessoal e comunitária uma fisionomia nova, marcada pela esperança, na defesa e promoção da vida. Vamos todos participar!