A Comissão Especial da Câmara Federal aprovou na quarta-feira (dia 14) o Projeto de Lei 7672/10 que pune os pais que batem nos filhos e proíbe os castigos físicos contra crianças e adolescentes, inclusive a palmada. O projeto determina que as suspeitas de maus-tratos sejam comunicadas ao Conselho Tutelar de cada cidade. O texto sujeita os pais infratores a penas socioeducativas e até o afastamento dos filhos.

 

 

O projeto especifica que crianças e adolescentes devem ser protegidos do castigo físico “em que há o uso da força e resulta em sofrimento e lesão”. No entendimento dos integrantes da comissão, o texto, na prática, proíbe a palmada. Mas na interpretação sobre que tipo de palmada resulta em sofrimento ficará a cargo da Justiça.

 

 

A lei faz emendas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. O estatuto faz restrições aos “maus-tratos”, sem definir a pratica.

 

O projeto foi aprovado em caráter terminativo, o que significa que, caso não haja requerimento para votação em plenário – assinado por 52 dos 513 deputados no prazo máximo de cinco sessões – seguirá para o Senado.

 

É possível educar sem violência, defende Pastoral da Criança

 

Para o gestor de relações institucionais da Pastoral da Criança, Clóvis Boufleur, “há milhões de exemplos de vida de famílias que mostram ser possível dar uma basta à violência”. É preciso insistir em formas de educação e diálogo com as crianças e adolescentes sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel, diz ele. “Os pais devem entender que a violência, em todas as suas formas, é inaceitável”.

 

Membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Boufleur participou em Brasília, dia 27 de setembro, juntamente com representantes de diversos conselhos nacionais, da primeira audiência pública da comissão especial que analisou o Projeto de Lei 7672/10. (veja a seguir a íntegra do seu depoimento)

 

Considerações a respeito do Projeto de lei 7672/10

 

A sociedade pode superar o paradigma que estabelece a violência como parte da condição humana. Existem sistemas e fatores legais, filosóficos, sociais, culturais e até religiosos que contribuem para a violência que podem ser modificados.

 

Felizmente convivemos com milhões de exemplos de vida de famílias que nos ensinam que é possível dar um basta à violência. Nossa missão é insistir no propósito de que é possível construir um ambiente adequado e seguro para as crianças crescerem com oportunidades, saúde, paz e dignidade.

 

O Brasil é reconhecido como um dos países com legislação mais avançada na área da infância e adolescência. A distância entre o que é descrito na lei e a realidade de milhões de crianças e adolescentes nos traz hoje para este debate, e nos desafia a sermos mais incisivos na educação e o cuidado sem uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante. A pratica da lei vem acompanhada de convencimento, insistência, paciência.

O nascimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e dos conselhos tutelares e conselhos municipais de direitos das crianças e adolescentes, contribuiu para que os direitos das crianças e adolescentes sejam conhecidos e praticados. O caminho é longo. A fiscalização das ações governamentais e dos recursos previstos nos orçamentos é um desafio. A iniciativa privada pode e deve investir mais, e junto com as forças sociais compartilhar conhecimentos e iniciativas para que todas a crianças tenham meios de desenvolver seus potenciais.

 

Como nos garante a Constituição, a saúde, educação, defesa dos direitos devem ser orientar as políticas de Estado e não de governos. Por isso é imprescindível que os gestores e legisladores das diferentes esferas se unam e deixem de lado a vaidade pessoal para cuidar das políticas com uma visão de presente e futuro, com a perspectiva de continuidade, e iniciativas competentes e honestas.

 

Estamos cientes das atuais dificuldades para que isso aconteça. Todos nós sentimos na pele as manchetes diárias dos jornais. Cresce a violência dentro de casa e nas ruas, o consumo de drogas, a prostituição infantil e o trabalho forçado de crianças e adolescentes. Milhares de brasileiros estão sem emprego, sem casa, sem terra, sem escola, sem alimentação adequada e o que é ainda mais grave, quase sem forças para impedir a violência.

 

As mudanças de hábitos são sempre ameaçadoras. Velhos hábitos oferecem garantias. Por isso, a proposta de encontrar um novo fundamento para a educação e os cuidados com a criança é desafiador, e para muitos será confortável continuar com a pratica do castigo corporal. O entendimento de que crianças e adolescentes devem ser respeitados na sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, de que são sujeitos de direitos e prioridade absoluta exige um reordenamento de conteúdo, método e gestão no trato com as crianças.

 

No mundo inteiro a violência contra crianças e adolescentes é cada vez mais conhecida e divulgada. Os maus tratos praticados pelos próprios pais ou responsáveis ganham espaço crescente nos diversos meios de comunicação. As principais causas desses maus tratos são: o abuso do poder do mais forte contra o mais fraco, a reprodução da violência, ou seja, pais que quando crianças também foram maltratados, e a situação de pobreza e miséria da família. Todas essas situações podem levar as pessoas a praticarem vários tipos de violência, principalmente dentro de seus próprios lares.

 

A violência doméstica, ou intrafamiliar, acontece quando algumas pessoas querem dominar outras por meio da força, da humilhação e dos maus tratos. As mulheres, os jovens e principalmente as crianças são as vítimas mais freqüentes deste tipo de violência.

 

A ajuda da comunidade para proteger as pessoas contra a violência é imprescindível. Às vezes, é preciso que a criança passe um tempo com outra família para ser protegida da violência de sua própria família, até que seus pais aprendam a lidar com ela de outro modo. Os pais devem entender que a violência, em todas as suas formas, é inaceitável.

 

Os casos mais graves de violência contra crianças podem ser encaminhados para pessoas de referencia reconhecidas pela comunidade e que costumam orientar as famílias. Caso esta estratégia não consiga resolver, o fato deve ser encaminhado para órgãos competentes, como o conselho tutelar, juizado especiais e outros, a fim de proteger a criança vítima de qualquer tipo de violência.

 

O presente e o futuro da família e do país depende de como são cuidadas as nossas crianças. Estudos demonstram que crianças que maltratadas na infância tendem a ser adultos mais violentos. O diálogo, a existência de um ambiente social favorável ao desenvolvimento infantil contribuem para a formação de novas gerações de cidadãos.

 

As instituições devem atuar e orientar as famílias sobre suas responsabilidades para a construção da paz. Os cuidados começam na gestação, se intensificam durante o período do aleitamento materno e nos primeiros anos como oportunidades para a criança. Os resultados se refletem na autoestima e na consolidação de valores culturais que levam à fraternidade e à solidariedade.

 

Como defendemos, brincar é uma atividade infantil fundamental, pois responde a uma necessidade de desenvolvimento da criança. Assim como ela precisa de amor, de se alimentar, de repouso, de cuidados com sua saúde e higiene, precisa também brincar.

 

 

 

Sendo assim, podemos dizer que se constitui numa forma de violência restringir, proibir ou não facilitar as oportunidades para a brincadeira infantil. A brincadeira infantil é atividade que tem por característica a livre escolha da criança, ou seja, uma atividade regida por ela.

 

 

 

É um espaço de liberdade da criança e de formação da autonomia e da vontade. O adulto deve ser de participante atento à segurança da criança e de disponibilidade para brincar com ela. Os limites que são colocados à brincadeira dizem respeito à segurança das crianças e ao respeito pelos outros e pelo que é dos outros. Em nenhuma outra atividade a criança tem essa liberdade e oportunidade.

 

Pergunte a uma criança o que sente quando recebe castigos corporais. Ela sente dor, a agressão arde. Ela sente culpa e vergonha. Fica triste no seu canto, e pode carregar marcas por toda vida, no corpo e na alma.

Os profissionais de saúde tem o dever de enxergar as marcas da violência contras crianças, muitas delas evidentes na cabeça e na face. O ponto de partida é o dialogo franco com a criança, a família e as pessoas que tem a responsabilidade de cuidar delas. Nos casos mais graves será necessário envolver os diversos serviços organizados para orientar e em certos casos tratar as vitimas e os agressores da criança.

 

A formação profissionais de saúde para atuar com crianças que sofrem maus tratos esta aquém do necessário, especialmente na área de pediatria. Alem de conteúdos na graduação, é preciso considerar mais tempo para a qualificação nos períodos de residência.

 

 

 

É nas unidades de atendimento do Sistema Único de Saúde que muitas crianças chegam para receber consolo e remédio para suas feridas. As causas externas, que inclui os maus tratos, são notificações que integram milhares de internamentos. Mas os dados disponíveis mostram apenas uma parte da realidade desta que é uma epidemia silenciosa. Há necessidade de aperfeiçoamento do processo de comunicação e conseqüente controle dos casos de violência e ações de enfrentamento das fragmentações da atenção à saúde.

 

 

 

O Conselho Nacional de Saúde, por meio da aprovação de Políticas Nacionais de Redução da Morbimortalidade por Violência contribui para promover a convicção defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que vê a saúde não apenas como a ausência de doenças, mas como a conjunção de várias formas de bem estar: o físico, emocional, o intelectual e o espiritual. Portanto, o combate à violência que culmina com castigos corporais em crianças requer uma abordagem mais ampla do problema, com elaboração de propostas que contemplem a integração de vários órgãos governamentais e da sociedade.

 

 

 

Como defendia a Dra. Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, e conselheira nacional de saúde, “a história revela que para a prevenção da violência e a construção da paz, que começa em casa, há necessidade de investir fortemente em duas áreas: nas políticas públicas, para que levem à igualdade de oportunidades a todos, e na humanização e fortalecimento do tecido social, isto é, na qualidade humana das pessoas, processo que começa antes da criança nascer e tem sua mais profunda influência inserida nos primeiros anos de vida. Daí a importância de cuidar da criança – semente da paz ou da violência – do seu desenvolvimento físico, social, emocional, espiritual e cognitivo que, por sua vez, está ligado fortemente à família, em seus valores culturais, estimulados ou não pelo contexto comunitário em que vive”.

 

 

 

Nos 10 Mandamentos para a Paz na Família, Zilda Arns destacou:

 

 

 

- Eduque seu filho através da conversa, do carinho e do apoio e tome cuidado: quem bate para ensinar está ensinando a bater.

 

  • Procure resolver os problemas com calma e aprenda com as situações difíceis, buscando em tudo o seu lado positivo.

     

  • Respeite as pessoas que pensam diferente de você, pois as diferenças são uma verdadeira riqueza para cada um e para o grupo.

     

    Veja mais:

    Entrevista Clóvis Boufleur para Rádio Vaticano (16/12/2011)

 

 

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