Matéria publicada hoje (9 de dezembro) pelo jornal Gazeta do Povo destaca que um dos desafios para a saúde pública no país é diminuir o número de bebês nascidos com baixo peso – menos de 2,5 quilos. A relação entre o baixo peso ao nascer e as doenças crônicas, hipótese levantada pelo epidemiologista inglês David Barker, foi abordada pelo coordenador nacional adjunto da Pastoral da Criança, médico Nelson Arns Neumann, durante a Assembleia Nacional da entidade realizada em Curitiba na última semana de novembro.

 

 

Na ocasião, Nelson divulgou estudos internacionais sobre a influência dos primeiros 1000 dias de vida na saúde das pessoas – 270 dias de gestação e 2 x 365 dias após o nascimento. O resultado indica para uma mudança de paradigma nos cuidados com a saúde na gestação e nos dois primeiros anos de vida. “Este é um período fundamental para prevenir doenças crônicas como diabetes, hipertensão, osteoporose ou doenças coronarianas”, afirma Nelson, um dos especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo.

 

 

Acompanhe a matéria publicada na Gazeta do Povo (Curitiba, 9.12.2011)

 

GESTAÇÃO
Número de bebês abaixo do peso cresce 25% desde 1994

Nos últimos 16 anos, a quantidade de recém-nascidos com menos de 2,5 quilos passou de 190 mil para 240 mil no Brasil. No Paraná, índice aumentou 16%

Apesar da queda de 30% na mortalidade infantil entre brasileiros nos últimos dez anos, a sobrevivência dos bebês ao primeiro ano de vida não significa que uma criança saudável e plenamente desenvolvida veio ao mundo: um dos desafios para a saúde pública é diminuir o número de bebês nascidos com baixo peso – menos de 2,5 quilos –, ação que pode protegê-los da incidência de doenças crônicas na vida adulta. Em 2010, cerca de 240 mil crianças brasileiras nasceram com baixo peso. Esse número representa 8% do total de nascidos vivos no país e é 25% maior do que o índice de 1994.

No Paraná, o crescimento no número de nascidos com baixo peso nesse período foi de 16%. No último ano, 12 mil paranaenses nasceram com menos de 2,5 quilos. Entre os 10 maiores municípios do estado, Ponta Grossa tem o maior porcentual de crianças nascidas nestas condições (10%).

O nascimento de bebês pequenos preocupa: o baixo peso é sinal de problemas no desenvolvimento do feto dentro do útero, com prejuízo para a formação dos órgãos e a possibilidade de aparecimento, no futuro, de doenças crônicas, como hipertensão, obesidade, diabete e osteoporose.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2009, as doenças crônicas não transmissíveis foram responsáveis por 72% das mortes no país. “A relação entre o peso ao nascer e as doenças crônicas, hipótese levantada pelo epidemiologista inglês David Barker, é o que existe de mais moderno nas descobertas da medicina fetal. Uma das maneiras de combater essas doenças é evitar que as crianças nasçam com menos de 2,5 quilos”, observa o obstetra e presidente da Comis­­são de Medicina Fetal da Federação Brasileira das Asso­­ciações de Ginecologia e Obste­­trícia (Febrasgo), Eduardo Sérgio Borges da Fonseca.

Os médicos explicam que, além da restrição de crescimento intraútero relacionada à nutrição do bebê por meio da mãe, crianças podem nascer magras devido a características genéticas e à prematuridade. Porém, os fetos com atraso no desenvolvimento durante a gestação (como no primeiro caso) são aqueles com mais chances de apresentar problemas crônicos no futuro. “A maioria das crianças com menos de 2,5 quilos nasce prematura. Porém, há crianças de nove meses que também nascem com baixo peso. Essa situação acontece devido ao aumento no número de cesáreas, à idade em que as mães engravidam, ao tabagismo da gestante e à dieta da grávida”, observa o presidente do departamento de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Procianoy. Segundo ele, aos nove meses, o peso médio de um bebê saudável fica entre 3 e 3,2 quilos.

Dentro do útero, o metabolismo de um feto com restrição de desenvolvimento se programa para enfrentar adversidades: seu organismo passa a economizar energia e desacelera o crescimento, pois o bebê não apresenta reservas suficientes. Assim, os esforços do feto são direcionados para manter o funcionamento das glândulas suprarrenais e de órgãos vitais, como o cérebro e o coração – os demais órgãos, como rins e fígado, por não se desenvolverem plenamente, podem ter suas funções comprometidas.

“Todos os nutrientes são utilizados para que o bebê se mantenha vivo. Assim, ele não consegue crescer e ganhar peso. Mesmo depois de adulto, seu organismo vai estar programado para viver em situações de energia restrita, o que afeta o metabolismo de gorduras e pode acarretar diabete e obesidade”, explica a professora Regina Vieira Cavalcanti, do departamento de Pediatria do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Cuidados se estendem aos dois primeiros anos

“Hoje o Brasil sofre com o número de hipertensos, diabéticos e obesos devido à falta de cuidados que teve com os nascimentos de nossos avós”, avalia o coordenador nacional adjunto da Pastoral da Criança, o médico epidemiologista Nelson Arns Neumann. A observação foi feita durante a Assembleia Nacional da entidade realizada em Curitiba no fim de novembro. No evento, a Pastoral pediu a seus colaboradores atenção especial aos primeiros mil dias de vida das crianças (os 270 dias da gestação mais os dois anos seguintes), considerados fundamentais para evitar o desenvolvimento de doenças crônicas. “Nesse período, é definido como o metabolismo vai controlar a diabete e a pressão para o resto da vida”, observa Neumann.

Os dois primeiros anos de vida são importantes porque consistem em uma das fases mais rápidas do crescimento humano. “Trata-se de um momento em que o organismo é muito imaturo. Passar bem por esses anos dá uma espécie de garantia de crescimento mais saudável”, diz Renato Procianoy, presidente do departamento de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Para recuperar o peso e a altura de um bebê nascido com menos de 2,5 quilos, não é preciso realizar intervenções médicas complexas. “Ele vai precisar de mais atenção no aleitamento materno e da garantia de uma alimentação sem problemas, com retornos mais precoces ao pediatra e acompanhamento do peso”, observa a professora Regina Vieira Caval­canti, da UFPR.

Porém, ainda que os pais fiquem ansiosos e preocupados diante de um bebê magro, o ganho rápido de peso nesse período deve ser evitado, pois está relacionado ao desenvolvimento de hipertensão, diabete e problemas coronários. “As pessoas estão muito apegadas à imagem do “bebê johnson”, gordinho. Cabe ao médico incentivar uma dieta parcimoniosa, com aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade, sem qualquer tipo de complementação alimentar”, diz o obstetra Eduardo Borges da Fonseca.

Neumann ressalta que crianças nascidas com baixo peso têm, até os 2 anos de idade, tendência a sofrer um efeito rebote na balança, associado à ocorrência de doenças metabólicas em adultos. “Elas costumam engordar mais rápido do que as crianças que nasceram com o peso adequado, o que traz consequências, como a obesidade, pois seu organismo se preparou para viver com uma estrutura pequena, que não comporta o ganho de peso rápido”, explica.

Mãe não precisa comer por dois

Durante a gestação, a mãe é a única fonte de alimento para o bebê, mas não é preciso comer por dois para garantir o desenvolvimento da criança. “O excesso de peso pode acarretar o desenvolvimento de diabete gestacional e problemas de oxigenação cerebral para o bebê. A gestante obesa tem dificuldades de contração no parto normal e a cesárea é delicada devido à dificuldade de cicatrização”, explica a especialista em nutrição ma­­terno-infantil e coordenadora do curso de Nutrição das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), Cynthia Passoni.

Segundo ela, o consumo de nu­­trientes por uma gestante deve ser 15% a 30% maior nos nove meses de gravidez. O ideal é comer de três em três horas, para que a mãe e o feto recebam nutrientes de forma constante. No entanto, mesmo uma alimentação equilibrada não fornece todos os nutrientes necessários para o bebê. “A complementação da dieta é feita com ácido fólico, para a formação do tubo neu­­ral do bebê, e ferro, para a ma­­nutenção da imunidade e prevenção da anemia”, observa Cynthia.

Experiência

Orgulho dos 16 kg e do parto normal


Durante a gestação de Frederico, 3 anos de idade, e da recém-chegada Manuela, com pouco mais de uma semana de vida, a autônoma Camila Voigt não teve qualquer receio com o ganho de peso e se orgulha dos 16 quilos – um a mais do que sua meta inicial – adquiridos na última gravidez. “Pensei muito no bebê. Comia pequenas porções de comida durante todo o dia, o que é bem importante no início da gestação, quando a mulher tem muito enjoo e não pode deixar o estômago sempre vazio”, lembra ela.

Os cuidados com a alimentação garantiram a chegada de Manuela com 3,7 quilos e muita saúde. Além da dieta sem restrições, Camila revela que o peso da filha foi diretamente influenciado pela opção de fazer um parto normal: com 36 semanas, Manuela pesava 3,2 quilos e nas últimas três semanas de gestação ganhou meio quilo. “Meu primeiro filho nasceu de cesárea e pesava 3,5 quilos. É importante que a mãe tenha paciência e espere o bebê dar sinais de que está na hora de nascer, pois senão ele pode deixar de ganhar peso. O corpo sabe a hora em que o bebê está pronto”, recomenda ela, em sintonia com as indicações médicas sobre o assunto. Para trazer Manuela ao mundo, Camila precisou de quase 40 semanas de gestação e de 27 horas de trabalho de parto que, segundo ela, fizeram toda a diferença para a saúde da caçula.

De acordo com a nutricionista Cynthia Passoni, da UniBrasil, um bebê deve ter no máximo 4 quilos. Recém-nascidos acima desse peso são considerados gigantes ou macrossômicos e também têm risco maior de desenvolver doenças crônicas ao longo da vida. O excesso de peso pode acarretar ainda problemas de oxigenação cerebral para o bebê.


Causas

O baixo peso está diretamente relacionado ao comportamento e às doenças da mãe, assim como às decisões maternas e médicas:

Cesáreas eletivas: A realização do parto antes do tem­­po prejudica o desenvolvimento ple­­no do bebê, que ganha cerca de um quilo nos últimos dois meses de gestação

Mãe adolescente ou acima dos 35: Na primeira, o organismo precisa dividir a energia recebida entre a gestante em fase de crescimento e o bebê; na segunda, o corpo está mais debilitado para gerar a criança

Mãe fumante: O fumo prejudica a circulação sanguínea na placenta – responsável pelas trocas gasosas e nutricionais entre mãe e bebê – e estreita o cordão umbilical para proteger o feto das substâncias tóxicas do cigarro. Isso faz com que o feto receba menos nutrientes

Doenças: Hipertensão, diabete e problemas renais e cardíacos danificam a pla­­centa e dificultam a nutrição da criança

Dieta pobre em nutrientes: A dificuldade de acesso à comida ou a tentativa de evitar o ganho de peso na gestação devido a apelos estéti­­cos expõem o bebê à falta de nutri­en­­tes e preparam o organismo da criança para viver em uma situação de energia restrita, o que pode levá-la ao desenvolvimento de obesidade.

 

Fontes: Nelson A. Neuman, coordenador nacional adjunto da Pastoral da Criança; Eduardo da Fonseca, presidente da comissão de medicina fetal da Febrasgo; Renato Procianoy, presidente do departamento de neonatologia da SBP, e Regina Cavalcanti, professora do departamento de pediatria do curso de Medicina da UFPR.