" Não é por coincidência que a atuação da Pastoral da Criança cobre os 30 anos em que a mortalidade infantil em cidades como Sorocaba passou de 52,65 óbitos por mil (registrada em 1982) aos "civilizados" 13,4 de 2010". Veja Editorial produzido pelo jornal Cruzeiro do Sul - Sorocaba/SP, comentando a atuação da Pastoral da Criança.
No momento em que se comemora a redução da taxa de mortalidade infantil e em que os governos, sempre sensíveis às oportunidades, fazem um balanço das políticas públicas que levaram a esse resultado, é dever de justiça lembrar o trabalho anônimo (nem sempre citado nas avaliações oficiais) de milhares de brasileiros, reunidos na Pastoral da Criança da Igreja Católica, que há 28 anos desenvolve um frutífero programa de combate à desnutrição infantil nas comunidades pobres das cidades brasileiras, levando orientação e atenção às mães e às gestantes e acompanhando o desenvolvimento das crianças de zero a seis anos de idade.
Nos últimos 30 anos, o Brasil se distanciou do pelotão de países miseráveis, onde a taxa de mortalidade infantil é verdadeiramente assombrosa, e atingiu índices mais próximos dos países desenvolvidos. Para isso, contribuíram diversos fatores, quase todos resultantes de políticas públicas governamentais, como ampliação do saneamento básico, programas de atenção médica às gestantes, fornecimento de exames e medicamentos, melhores condições para o parto, o diagnóstico e o tratamento de doenças, além da própria redução da miséria e da insegurança alimentar no contexto da recuperação econômica e de programas de transferência de renda.
Isso não quer dizer que o problema esteja solucionado. Os números divulgados na última semana pela Secretaria de Estado da Saúde mostram que houve avanços significativos, mas, pela simples comparação entre os resultados dos municípios, percebe-se que existe ainda uma margem a ser trabalhada. Sorocaba, com 13,4 mortes de crianças de até um ano de idade para cada mil nascidas vivas em 2010 (número contestado pela Secretaria de Saúde local, que pleiteia o desconto de alguns óbitos de crianças não residentes, ocorridos nos hospitais da cidade), está acima da média estadual, que era de 13,4 já em 2005 e chegou a 11,9 no ano passado. Em todo o Estado, 301 dos 645 municípios já exibem taxas "europeias" de um digito apenas. A taxa média paulista caiu 30%, enquanto Sorocaba, que já apresentava índices na faixa de 20 e 21 no final da década de 90, apresentou uma redução de 20% nesse mesmo período.
Todos esses resultados certamente não seriam os mesmos sem a atuação silenciosa da Pastoral da Criança, criada em 1983 pela médica Zilda Arns e pelo então arcebispo de Londrina (PR), dom Geraldo Magella Agnelo, por sugestão do diretor executivo da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), James Grant, ao então arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns.
A linha de ação da pastoral prevê a preparação de lideranças comunitárias, que se encarregam de acompanhar gestantes e crianças de até seis anos, ensinar ações básicas de saúde e mobilizar suas comunidades para a melhoria da qualidade de vida.
Nesse contexto é que a pastoral começou a distribuir, ainda nos anos 80, a célebre multimistura, concentrado de minerais e vitaminas desenvolvido a partir da década de 70 pela médica pediatra e nutróloga Clara Brandão. Com essa farinha obtida a partir de coisas que se jogam fora, como farelo de arroz, pó de folhas secas, sementes e casca de ovo, a desnutrição crônica de milhares de brasileiros foi debelada.
A pastoral de dona Zilda Arns e sua multimistura (hoje utilizada num contexto mais amplo, que procura introduzir o cultivo de hortas e um aproveitamento melhor dos alimentos, além do combate ao problema crescente da obesidade) são referências obrigatórias quando se fala em combate à mortalidade infantil no Brasil. Não é por coincidência que a atuação da pastoral cobre os 30 anos em que a taxa de cidades como Sorocaba passou de 52,65 óbitos por mil (registrada em 1982, segundo a Fundação Seade) aos "civilizados" 13,4 de 2010.
Uma parte do crédito pelas milhares de vidas salvas é devido a essa grande rede social formada por gente comum, sem mandato eletivo mas com muita vontade de servir.
fonte: Jornal Cruzeiro do Sul