Foto: Jeremy Doorten
Em seus materiais educativos, a Pastoral da Criança não utiliza a palavra deficiência, pois a mesma, segundo a visão adotada pela instituição, traz uma ideia de falta ou falha que leva a preconceitos e discriminações. Optou-se pela expressão “criança com diferença no funcionamento do seu organismo”, a qual explica o que a criança realmente tem, por exemplo: uma diferença genética, um problema no nascimento, um acidente que comprometeu seu organismo, o que faz com que ele funcione ou passe a funcionar de forma diferente. A base teórica sobre desenvolvimento infantil e o uso dessa expressão na Pastoral da Criança se encontra nos textos de Lev Semenovitch Vygotsky. Conforme a concepção teórica de Vygotsky, toda e qualquer criança desenvolve-se. Não há bom desenvolvimento, nem mau, nem ausência de desenvolvimento. O que há, de verdade, são condições que oprimem (ou até mesmo impedem) as possibilidades de manifestação das infinitas formas de desenvolvimento; ou, em outras palavras, o que há são as formas opressoras ou impeditivas da manifestação da diversidade. Procura-se mostrar às famílias que seus filhos ou filhas com diferença no funcionamento do seu organismo não são deficientes, eles têm diferença em algum aspecto de seu organismo, mas, como toda criança, precisam do convívio com sua família, com outras crianças e com as pessoas do lugar onde mora que lhes aportam oportunidades de relacionamentos e aprendizagens e também, sempre que necessário, de oportunidades diferentes para ajudá-los a se desenvolver bem de acordo com as características que possuem.
Durante muito tempo, foi discutido como falar sobre pessoas com deficiência. Muitas expressões já foram criadas. Algumas deixaram de ser usadas e outras ainda são combatidas pelos especialistas. Desde 2008, o Brasil adotou os termos presentes na Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa discussão sobre os nomes que damos às pessoas é importante, pois pode demonstrar respeito ou discriminação. Mas, além disso, mesmo que existam pensamentos diferentes, é essencial garantir o cumprimento da legislação e a inclusão social.
Para ajudar a pensar sobre o assunto, a Pastoral da Criança traz a fala de Manoel Negraes, cientista social que atua na área de defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
Programa de rádio Viva a Vida
Programa de Rádio 1303 - 19/09/2016 - Crianças com diferença no funcionamento do seu organismo
Esta entrevista é parte do Programa de Rádio Viva a Vida da Pastoral da Criança.
Ouça o programa de 15 minutos na íntegra
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Manoel, como a família deve agir quando descobre que tem um bebê ou uma criança com diferença no funcionamento do seu organismo?
A descoberta de uma deficiência traz uma preocupação, ela desestabiliza a família. Por isso, é importante que a família receba orientação, tanto dos médicos, quanto de outros profissionais, para que assim, a criança possa ter condições de ter uma estimulação precoce e ter acesso aos recursos para que ela possa se desenvolver. Isso a família vai encontrar nas instituições que trabalham com a questão da deficiência, onde terão acesso a esses vários profissionais. Além disso, é fundamental que nessas instituições, a família tenha contato com outras famílias. A troca de experiência é muito importante nesse momento.
Quais são os principais direitos da pessoa com deficiência?
As pessoas com deficiência, como qualquer cidadão, têm os direitos à saúde, à educação, ao trabalho, os direitos sociais, os direitos civis e outros. Mas, o fato de ter a deficiência, traz, logicamente, uma dificuldade maior do que para as pessoas que não têm. Então, isso faz com que as pessoas com deficiência tenham direitos específicos também, como: algumas isenções de impostos e algumas vagas de trabalho. Enfim, são direitos específicos que surgiram para tentar amenizar todas as dificuldades que as pessoas com deficiência enfrentam na nossa sociedade.
O que é a acessibilidade para pessoa com deficiência?
A acessibilidade ficou conhecida como uma questão de rampa, de elevador, de transporte público acessível, de calçadas acessíveis. Mas, a acessibilidade não é só isso. Tem acessibilidade à comunicação para as pessoas cegas, por exemplo, para que elas possam assistir um filme, há o recurso de audiodescrição. A acessibilidade, também, em materiais didáticos, um livro em braile garante a acessibilidade. São várias questões que não envolvem simplesmente rampa ou elevador. Para todos os tipos de deficiência existem recursos de acessibilidade importantes.
Manoel Negraes - Cientista social
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A criança com diferença no funcionamento de seu organismo no contexto familiar
A Lei Brasileira de Inclusão completa um ano. Que avanços ela traz para a pessoa com deficiência?
Ela traz algumas mudanças importantes, como essa da discriminação, que passa a ser crime. Traz uma nova concepção de deficiência, que é uma concepção mais moderna e que tem haver com os fatores ambientais, sociais, econômicos do que propriamente com o fator físico. Então, o que determina a deficiência não é mais só a doença que a pessoa tem, mas são os fatores econômicos, sociais, a falta de acessibilidade. Tudo isso é considerado pelo modelo biopsicossocial, que é um modelo de deficiência que a Lei traz. E, agora, cabe ao poder público buscar todos os instrumentos e se organizar para que a avaliação da deficiência seja feita a partir desse olhar do modelo biopsicossocial. Além disso, traz uma outra vitória histórica para pessoas com deficiência intelectual, que é a tomada de decisão apoiada, o que significa que a pessoa com deficiência intelectual terá condições de decidir por conta própria se ela quer casar, qual é o tipo de tratamento que ela quer ter, qual é o tipo de atividade que ela quer exercer no dia a dia. Ela vai poder escolher duas pessoas de confiança dela e, com o apoio dessas duas pessoas, vai decidir o que é melhor para a sua vida.
Leia a entrevista na íntegra: 1303 - Entrevista com Manoel Negraes - Crianças com diferença no funcionamento do seu organismo (.PDF)
Nomenclaturas
Veja alguns termos para não errar mais:
Pessoa com deficiência: Não diga pessoa portadora de deficiência ou portador de deficiência. A pessoa não porta, não carrega sua deficiência, ela tem deficiência e, antes de ter a deficiência, ela é uma pessoa como qualquer outra.
Pessoa com deficiência física: Substitui os termos deficiente físico, o deficiente, a deficiente.
Pessoa com deficiência visual: O termo deficiência visual se refere à categoria dentro da qual existem os tipos cegueira e baixa visão (em variados graus).
Pessoa cega: Muitas pessoas cegas aceitam ser chamadas cegas.
Pessoa com baixa visão: Substitui o termo pessoa com visão subnormal.
Pessoa com deficiência auditiva: O termo deficiência auditiva se refere à categoria dentro da qual existem os tipos surdez e baixa audição (em variados graus).
Pessoa surda: Muitas pessoas surdas aceitam ser chamadas surdas.
Pessoa com baixa audição: Algumas pessoas com baixa audição preferem ser chamadas pessoas com deficiência auditiva ou deficientes auditivos em vez de pessoas com surdez parcial, pois elas não se consideram surdas.
Pessoa com tetraplegia: Substitui os termos tetraplégico, tetra, quadriplégico.
Pessoa com deficiência intelectual ou pessoa com déficit cognitivo: Substitui os termos deficiente mental, excepcional, retardado mental.
Pessoa com transtorno mental: Substitui o termo doente mental.
Pessoa com deficiência múltipla: É a pessoa que tem duas ou mais deficiências ao mesmo tempo.
Pessoa com mobilidade reduzida: É a pessoa que, não se enquadrando no conceito de pessoa com deficiência, tem, por qualquer motivo, dificuldade de movimentar-se, permanente ou temporariamente, gerando redução efetiva da mobilidade, flexibilidade, coordenação motora e percepção: pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, gestante, lactante e pessoa com criança de colo (Decreto nº 5.296, 02/12/2004, Art. 5°, § 1°, II, e §2°).
Conteúdo retirado e adaptado do site da Secretaria Especial de Direitos da Pessoa com Deficiência de Curitiba.