Casa comum

Foto: Ariene Rodrigues

Uma pesquisa do Instituto Trata Brasil e do IBOPE, realizada em 2009, mostrou que 31% da população não sabe o que é saneamento básico. Dos que afirmavam conhecer, 54% relacionavam o termo a serviços de esgoto, 28% a serviços de água, 15% a coleta de lixo e 14% a limpeza pública. Saneamento básico vai além de uma única ação. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saneamento “é o controle de todos os fatores do meio físico do homem que exercem ou podem exercer efeitos nocivos sobre o bem estar físico, mental e social”.

Para muita gente, saneamento básico é a diferença entre saúde e a falta dela: uma criança morre a cada 3 minutos por não ter acesso a água potável, por falta de redes de esgoto e por falta de higiene. Crianças com diarreia comem menos e são menos capazes de absorver os nutrientes dos alimentos, o que as torna ainda mais vulneráveis a doenças relacionadas com bactérias. “A situação do saneamento básico no Brasil é muito ruim. Historicamente, foi uma das áreas da infraestrutura que ficaram mais esquecidas. Hoje nós não temos coleta de esgoto nem para metade da população brasileira” , afirma Édison Carlos, presidente do Trata Brasil, no site do instituto.

Compreender a importância do saneamento básico na vida da população, e buscar fazer dele um direito acessível e real a todos, é a proposta da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, que traz como tema “Casa Comum, nossa responsabilidade”, e lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5, 24), deixando claro que é obrigação de todos – sociedade, empresas públicas e privadas e os governos – a preocupação com estas questões. Para esclarecer como cada um pode fazer sua parte, a Revista Pastoral da Criança conversou com o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.

edison carlos

Édison Carlos

A Campanha da Fraternidade de 2016 é ecumênica, envolvendo diversas igrejas cristãs, e como sempre, quer contar com a colaboração de outras organizações da sociedade, como o Instituto Trata Brasil. Como as diferentes entidades podem colaborar para construir um cenário mais favorável para o saneamento no país?

Édison Carlos: O Trata Brasil já está colaborando, fazendo palestras para os Regionais da Conferẽncias Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) por todo o país, explicado a situação do saneamento básico no Brasil, as consequências da falta de água tratada, coleta e tratamento de esgotos para o meio ambiente e para a saúde da população, sobretudo com doenças que atingem mais as crianças pequenas. Penso que cada entidade tem que ajudar com a especialidade que possui, pois é da soma dessas especialidades que podemos ajudar a conscientizar mais pessoas.

Entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o número 6 – “Água limpa e saneamento” – propõe garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos até 2030. Todos os 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) adotaram a Agenda 2030, do qual os ODS fazem parte.

No Brasil, menos de 50% da população tem acesso à coleta de esgoto e 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada. Como mudar essa situação?

A mudança passa por formarmos cidadãos mais informados sobre o problema e fazermos cobranças mais fortes às nossas autoridades. Atualmente, são poucas as comunidades que lutam para ter direito ao saneamento básico, que é a mais essencial das infraestruturas de um bairro ou cidade. Ao mesmo tempo, temos que cobrar mais envolvimento dos prefeitos, governadores e governo federal, com mais recursos para as obras e fiscalização nas empresas. Poucas pessoas sabem que a falta de saneamento reduz o valor de nossas casas, atrapalha o turismo, reduz as horas de trabalho das famílias, entre muitas outras consequências.

Apesar de existir uma legislação específica relacionada a saneamento básico, a lei 11.445, de 2007, vem tendo a sua implementação adiada. Por que isso acontece e o que falta para que o Brasil consiga ter qualidade no saneamento básico oferecido para sua população?

Está provado que por mais importante que seja a Lei do Saneamento, ela não está sendo suficiente para que as coisas avancem no ritmo que o país precisa. Algumas obrigações, como a de cada cidade entregar seu Plano Municipal de Saneamento Básico e a regulação dos serviços, têm sido pouco atendidas e constantemente têm seus prazos adiados pelo governo federal. Isso, muitas vezes, é um desincentivo aos municípios a cumprirem os prazos. Precisamos estimular os municípios que cumprem e colocar cláusulas mais rígidas para quem não cumpre. O Plano Municipal de Saneamento Básico deve envolver discussões por toda a cidade e, assim, planejar o futuro sanitário do município, evitando que a cidade continue crescendo sem saneamento. Já a regulação dos serviços é fundamental, porque é a fiscalização para que eles sejam feitos com qualidade.

O saneamento básico está intimamente ligado a problemas de saúde. E as crianças são as principais vítimas de toda essa situação. Apesar de ter diminuído muito a mortalidade infantil – hoje o índice é de 15,6 a cada mil crianças nascidas vivas (IBGE 2010) – o Brasil continua atrás de países vizinhos, como Uruguai, Argentina e Chile.

Como é possível mudar a realidade das crianças que vivem em locais sem o mínimo de saneamento e diminuir ainda mais o índice de mortalidade infantil brasileiro?

São vários os fatores que impactam a mortalidade infantil, mas é conhecida em todo o mundo a estreita relação da falta de saneamento adequado com os altos índices de mortalidade em crianças. A redução da pobreza no Brasil tem contribuído muito para a queda nos índices, mas a lentidão do saneamento faz com que o Brasil se mantenha longe dos países mais desenvolvidos socialmente. É preciso que o saneamento seja foco principal do governo federal, mas especialmente de prefeitos e governadores, principalmente nas regiões Norte e grande parte do Nordeste, onde a lentidão dos avanços é mais acentuada.

Comunidades por onde a lama passou foram devastadas, o Rio Doce está sendo considerado morto e a lama, que saiu de Minas Gerais, chegou ao litoral capixaba. Algumas comunidades sofrem ainda com a falta de água potável por onde a sujeira passou.

O desastre em Mariana, Minas Gerais – que recebeu de alguns especialistas o título de pior desastre ambiental do Brasil – mostra a despreocupação de grandes empresas com a sustentabilidade e com o povo que habita a região explorada. Como promover uma consciência ambiental desde a população ribeirinha até os grandes empresários?

Precisamos implantar uma verdadeira Educação Ambiental no país; algo que esteja formalmente ligado ao Ministério da Educação e cuja didática mínima seja obrigatória, considerando toda a amplitude das questões ambientais, não somente a reciclagem de lixo. É fundamental que as crianças saibam o que é uma crise hídrica e os fatores que a agravam, a necessidade de usar racionalmente a água, de buscar informações ambientais sobre a região onde mora, de cobrar providências de seus pais e responsáveis. Criando crianças mais informadas, teremos adultos mais atentos aos possíveis problemas e não seremos tão passivos a tantas catástrofes.

O tema proposto, “Casa Comum, nossa responsabilidade”, deixa claro que a responsabilidade não é apenas de um, mas de todos, incluindo poder público e população. De que maneira cada um pode atuar para que esse compromisso seja assumido por todos os grupos da sociedade?

O brasileiro tem por cultura ser muito individualista e pouco se importar com os problemas coletivos. No caso dos serviços de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos é comum vermos que cidadãos que moram onde existem os serviços, pouco se importarem com bairros ao lado que nada possuem. Precisamos ser mais atentos e solidários, pois os impactos da falta de saneamento vêm para todos, especialmente a poluição e as doenças. Podemos fazer uma associação com o mosquito da dengue: podemos fazer tudo certo em nossa casa, mas se o vizinho não fizer, o mosquito se prolifera e o problema pode chegar a nossa família. Se a cidade onde moro, ou o bairro ao lado, não tiver acesso aos serviços, é certo que os impactos chegarão a mim também.

"Burocracia e entraves no setor de saneamento" - este é o título do estudo inédito feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que demonstra que, se mantido o ritmo atual, o Brasil só atingirá a meta de universalização dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto em 2054, com muitos anos de atraso em relação à meta. Saiba mais.

Como os voluntários da Pastoral da Criança e de outras entidades podem se engajar em um movimento de mudança para o saneamento que queremos para o Brasil?

Falando com as pessoas, informando e mostrando formas de mudar essa realidade. Precisamos aprender a usar todos os canais de cobrança: juntar os vizinhos, fazer abaixo-assinado, cobrar a prefeitura, a empresa de água e esgotos, a imprensa, o Ministério Público, a Defensoria Pública, entre outras iniciativas.

A Campanha da Fraternidade acontece na quaresma, época de reflexão para os cristãos. Que gestos concretos as pessoas podem fazer já durante esse tempo?

Se organizar e iniciar debates sobre o tema. Em 2016, teremos eleições para prefeitos e vereadores, justamente as autoridades políticas mais próximas do cidadão. É importante, portanto, deixar claro para os candidatos que, tão importante quanto as promessas de levarem mais hospitais, postos de saúde e asfalto, é resolver definitivamente a falta de saneamento na cidade.

Édison Carlos é Presidente Executivo do Instituto Trata Brasil. Químico industrial, o executivo é pós-graduado em Comunicação Estratégica, já tendo atuado nas áreas de tratamento de águas e efluentes. Em 2012, Édison Carlos recebeu o prêmio “Faz Diferença – Personalidade do Ano” do Jornal O Globo – categoria “Revista Amanhã” que premia quem mais se destacou na área da Sustentabilidade em todo o país.

Saiba mais: Boletim Rebidia nº 40


Parte desta entrevista está na terceira edição da Revista Pastoral da Criança