A saúde do bebê é construída essencialmente nos primeiros 1000 dias de vida. Pois, são nos primeiros anos que as crianças mais crescem, se desenvolvem e adquirem habilidades essenciais à vida, como sentar, andar, falar, etc. É inquestionável o valor da amamentação e da alimentação saudável nessa etapa de vida para poder usufruir de todo seu potencial genético, evitando doenças crônicas futuras. Como líderes da Pastoral da Criança, lutamos de coração e alma, para que os bebês recebam o que há de melhor nessa fase: nasçam de parto normal, tenham contato pele a pele com sua mãe desde a primeira hora, sejam amamentados exclusivamente no seio pelos primeiros seis meses (sem água, chás ou outros alimentos) e que continuem a mamar até 2 anos ou mais.
Nossa luta não é pequena, ainda mais em uma sociedade onde existem ainda tantos mitos e lendas ao redor da amamentação. Percebemos que, passado o desafiador primeiro mês de vida do bebê, um outro momento crítico ao sucesso da amamentação é o retorno da mulher no trabalho. Período em que há introdução de outros leites ou até mesmo o desmame (interrupção total da amamentação). Por que será que isso acontece?
Necessidades biológicas e direitos trabalhistas
O primeiro item que precisamos citar é que há um descompasso entre as necessidades para a saúde do bebê e os direitos que protegem as mães trabalhadoras. Claro, não podemos negar que nas últimas décadas houve avanços. Contudo, ainda estamos muito distantes do necessário. E para uma mulher trabalhadora conseguir oferecer exclusivamente seu leite ao bebê até seis meses, é preciso muito mais que boa vontade e empenho. É preciso um trabalho de equipe, com o apoio familiar e dos colegas de trabalho (sem contar o apoio do chefe!). Vamos explicar isso melhor...
Infelizmente, no Brasil, não são todas as mães que trabalham com carteira assinada, no que chamamos de emprego formal, e que consequentemente possuem direitos legais que as protegem, como a licença maternidade de 120 dias. E ainda mais raras são as mulheres que possuem a licença maternidade de seis meses, pois esse tempo não é obrigatório - está ligado ao projeto Empresa Cidadã, em que as empresas interessadas em oferecer licença maternidade de seis meses realizam seu cadastro junto ao Ministério da Saúde, e são restituídas financeiramente dos custos desses 2 meses extras para suas colaboradoras.
Muitas mulheres brasileiras possuem trabalho informal, não têm carteira assinada e não contam com nenhuma proteção legal. São manicures, faxineiras, sacoleiras e tantas outras profissionais autônomas que trabalham por conta própria, e que não raro são as responsáveis pelo sustento da família. Para esse grupo, a licença maternidade de 4 meses é mais do que um sonho, é um luxo que elas não podem se dar, pois dependem da renda que geram para a sua sobrevivência, como a de seus entes queridos.
O desafio de voltar ao trabalho
Mas, independentemente do trabalho exercido e dos benefícios que a mulher possui, o retorno ao trabalho após a chegada do bebê é sempre preocupante e difícil. E ainda mais desafiador é conseguir manter o aleitamento materno, como é preconizado pelo Ministério da Saúde, exclusivo por seis meses e prolongado até 2 anos ou mais.
Conseguir seguir o recomendado exige não apenas muito esforço e força de vontade, como também apoio da família, de profissionais de saúde e das pessoas do trabalho.
Contudo, não é impossível e podemos listar ações simples que ajudam e muito a conseguir combinar com sucesso amamentação e trabalho. São elas:
Ações que ajudam a conseguir amamentar e trabalhar
Na gestação
Na gestação
- Acreditar desde a gestação que é possível: otimismo, perseverança e fé fazem milagres acontecerem. E têm ajudado muitas mulheres a superarem os obstáculos iniciais.
- Criar rede de apoio: pedir colaboração da família e de amigos próximos é muito importante. Eles poderão, não só com palavras de estímulo, mas também ajudar na prática, como levar o bebê para mamar no trabalho da mãe (quando possível).
- Buscar um pediatra que apoie a causa: muitos pediatras são responsáveis pelo insucesso da amamentação no trabalho, pois não só deixam de realizar a orientação adequada, mas, na primeira oportunidade, já prescrevem mamadeira e leites complementares, apesar de não ser esse o protocolo oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria.
- Criar rede de apoio no trabalho: buscar sensibilizar parceiros de trabalho, o chefe e até o setor de recursos humanos. Quem sabe a empresa não se sensibiliza e cria uma sala de apoio à amamentação? Não é difícil, nem requer muitos recursos. E o Ministério da Saúde oferece consultoria gratuita sobre o assunto. Está mais do que comprovado que quando a mulher trabalhadora amamenta os benefícios também são para a empresa, pois isso aumenta a produtividade e diminui as faltas, já que os filhos são mais saudáveis.
Na licença-maternidade
Na licença-maternidade
- Amamentar em livre demanda: dar de mamar sem ter horários rígidos, quantas vezes o bebê quiser e por quanto tempo desejar.
- Fazer estoque de leite no congelador: procurar já ir congelando o leite materno em frascos, para que esse leite seja oferecido ao bebê quando a mãe estiver trabalhando. O leite congelado em casa, sem pausterizar, dura 15 dias no freezer. Mas, se pausterizado no banco de leite, pode durar seis meses. Procurar um banco de leite para receber as informações de como ordenhar e conservar é muito importante.
- Não dar ouvidos aos maus conselhos: não são poucas as pessoas que dizem que o bebê precisa ir se acostumando com a mamadeira e os outros leites, para quando a mãe for trabalhar. Mas essa informação, além de incorreta, é prejudicial, pois favorece ao desmame. Os bebês não precisam se acostumar com o leite ou com o bico antecipadamente. Se for necessária a alimentação complementar, ele a receberá na hora da necessidade. E lutaremos para que não exista essa necessidade. Se essa orientação vier de um pediatra, procure uma segunda opinião junto ao profissional que abrace de verdade a causa da amamentação. Peça indicação aos amigos, doulas ou banco de leite.
Após o retorno ao trabalho
Após o retorno ao trabalho
- Ordenhar a mama no trabalho: a cada três horas, é importante que a mãe manipule as mamas, retirando o leite que ali se encontra. Se houver onde e como armazenar, ótimo! Se não, ordenhe nem que seja para desprezar no banheiro. Se não tirar o leite com disciplina, a produção será diminuída.
- Armazenar o leite para seu bebê: várias empresas possuem um espaço privativo (que não o banheiro) para realizar a ordenha e uma geladeira para armazenar o leite. É a chamada sala de apoio à amamentação. Esse espaço possibilita que você colha hoje o leite que seu bebê tomará amanhã, enquanto estiver trabalhando. Consulte um banco de leite quanto ao transporte e manipulação do leite.
- Fugir das mamadeiras: mamadeiras, chuquinhas e bicos são “inimigos número um” da amamentação. Causam confusão de bicos e favorecem o desmame. O ideal é que o leite, ordenhado da mãe ou as fórmulas lácteas, sejam dadas para o bebê no copinho ou na colherzinha. (Veja um vídeo de Suzana Lopes sobre o uso do copinho).
- Quando estiver em casa, amamentar em livre demanda: é muito importante que a mãe ofereça seu seio em livre demanda quando estiver em casa, de dia e de noite. Pode ser apenas de manhã (antes de sair ou ao voltar), mas manter as mamadas frequentes enquanto a mãe estiver junto com o bebê é muito importante, especialmente nos primeiros seis meses de vida. As mamadas noturnas podem ser cansativas (sem dúvida!), mas são fundamentais para manter uma boa produção de leite materno, pois é a hora de maior liberação da prolactina (hormônio que controla a produção do leite humano). Além do mais, o bebê está com muita saudade da mãe e a mãe dele, e merecem se curtir!
- Conversar com o pediatra se precisar antecipar a alimentação complementar: em alguns casos particulares, quando o bebê tem mais de 4 meses e a mãe (apesar de todo esforço) não está conseguindo a quantidade de leite materno necessária para oferecer ao bebê em sua ausência, e há o risco de desmame, é preferível antecipar a alimentação complementar do que perder a amamentação. Não é o ideal, mas é uma alternativa possível para reduzir danos à saúde do bebê. Pois, procurar resguardar a amamentação é muito importante.
Nessa fase, o desafio é vencer as dificuldades que aparecem a cada dia, sem desanimar ou desistir. O que não é nada fácil! E procurar encontrar soluções criativas para estar com o bebê o máximo possível. Pode ser “dar uma fugidinha” para amamentar no intervalo do almoço, pedir para alguém levar o bebê ao trabalho, flexibilizar o horário de trabalho, remanejar o caminho para passar perto de casa por alguns minutos, ou até levar o bebê no trabalho quando for permitido. Mesmo que a amamentação são seja exclusiva, é sempre preferível a amamentação complementada com outros leites ou com alimentos (4-6 meses) ao desmame total.
O que nos dá esperança é saber que felizmente muitas brasileiras têm conseguido conciliar, com sucesso, trabalho e amamentação. Mas, para que isso seja cada vez mais frequente, informação adequada desde a gestação, apoio familiar e profissional são peças fundamentais.
Saiba mais SBP: Aleitamento materno
Dra. Luciana Herrero
Pediatra - CRM/SP: 137.701
Foto: Eli Pio