“É importante entender que a espiritualidade não se mede apenas pelo quanto você ora, quantas vezes você jejua, seu código de vestimenta ou sua dieta, mas o mais importante, por como esses atos de adoração o capacitam a interagir e viver ao lado de seres humanos”.
Dr. Imam Rashied Omar, Mesquita Claremont, Cidade do Cabo, África do Sul
O líder religioso e espiritual exerce uma influência poderosa e única na comunidade. Ele pode contribuir para a criação de comunidades acolhedoras, seguras, respeitosas e livres de ambientes violentos para crianças, promovendo uma compreensão teológica positiva do significado da criança em suas comunidades. Pode promover diálogos e reflexões em suas comunidades sobre a importância da espiritualidade infantil e do desenvolvimento integral nos primeiros anos e o significado da primeira infância em sua tradição religiosa e espiritual.
Tal diálogos e reflexões também podem ajudar a desafiar práticas e crenças que contribuem para o uso de violência contra crianças em qualquer uma de suas formas: física, emocional, espiritual, etc. Ele pode ajudar criando espaços e exemplificando estilos de relacionamentos que afirmem a dignidade das crianças e assegurem que a comunidade religiosa e espiritual - e também a comunidade mais ampla - são seguras e favoráveis ao crescimento, desenvolvimento e prosperidade das crianças.
Criar espaços seguros para o diálogo
Dentro da própria comunidade religiosa ou espiritual, é possível criar espaços seguros para crianças e para adultos dialogarem sobre a importância da primeira infância, do desenvolvimento integral da criança e como protegê-las da violência. Isso inclui a criação de um diálogo sobre o impacto da mudança climática como uma forma de violência estrutural que afeta o bem-estar das crianças e seu futuro e as várias maneiras pelas quais as comunidades podem ajudar a enfrentar ou mitigar as mudanças climáticas.
O que os líderes religiosos e espirituais poderiam fazer:
- Iniciar programas ou sessões de diálogo em sua comunidade para criar consciência sobre a importância do desenvolvimento na primeira infância e destacar o que a comunidade pode fazer para apoiar o desenvolvimento espiritual e o bem-estar das crianças. É possível usar este material e os encontros específicos do Módulo 1 para apoiar o diálogo.
- Organizar atividades durante dias especiais e celebrações, por exemplo, o Dia Mundial da Oração e Ação pelas Crianças, comemorado todos os anos no dia 20 de novembro, que coincide com o Dia Universal da Criança, para refletir com sua comunidade religiosa sobre as crianças, seus direitos, seu bem-estar e o que a comunidade está fazendo para protegê-los de violência — e tomar alguma ação concreta para as crianças juntos. Aqui no Brasil este dia é promovido pela Rede Global de Religiões pela Criança (GNRC). Saiba mais em: GNRC.
- Levar os membros da comunidade a refletir durante os sermões e outras oportunidades de reflexão, incentivando-os ao auto-exame e diálogo. Abordar questões como: Por que ocorre a violência contra crianças? Como a violência contra crianças é explicada em nossas tradições religiosas e o que nossos textos sagrados dizem sobre proteger as crianças da violência? Quais tipos de violência afetam as crianças em nossa comunidade? O que podemos fazer para proteger as crianças da violência?
- Aumentar a conscientização sobre o impacto das mudanças climáticas na primeira infância e promover auto-exame de práticas que podem ser vetores de degradação ambiental, por exemplo, poluição, aumento do consumo de energia ou esgotamento dos recursos naturais, entre outros.
- Criar diálogo sobre os valores comuns compartilhados entre diferentes religiões e tradições espirituais e os princípios da Convenção dos Direitos da Criança. É possível usar o estudo multi-religioso sobre a Convenção dos Direitos da Criança:
- Espanhol: Fe y Derechos de la Niñez: Estudio Multirreligioso acerca de la Convención sobre los Derechos del Niño
- Inglês: Faith and Children’s Rights: A Multi-religious Study on the Convention Rights of the Child PREVIEW Faith and Children’s Rights: A Multi-religious Study on the Convention on the Rights of the Child
- Quando o diálogo e a reflexão ocorrem dentro da própria comunidade, pode ser útil convidar também membros de outras comunidades a se envolverem em reflexões conjuntas.
NOTA: No tópico “Diálogo inter-religioso”, é possível encontrar um modelo para promover o diálogo sobre questões de violência na primeira infância em sua comunidade de maneira prática.
Desafiar normas e tradições sociais e culturais
“Há uma tendência de romantizar a religião como uma panaceia para a injustiça social. É preciso reconhecer a violência histórica e atual infligida dentro e por instituições religiosas, incluindo exploração sexual de crianças. É um fato que as instituições religiosas e os líderes religiosos estão entre os autores de violência. A autorreflexão dos líderes religiosos ajudará a desafiar e enfrentar a realidade à nossa frente.”
Rev. Duleep de Chickera, ex-bispo da Igreja Anglicana no Sri Lanka
Recordando a imagem da criança como bênção e dádiva, e a afirmação da sua dignidade em todas as tradições religiosas, não se pode negar que existe uma contradição entre a realidade que crianças enfrentam em comunidades ao redor do mundo e os ensinamentos das religiões e tradições espirituais.
A má interpretação de textos religiosos tem sido usada como justificativa de violência contra crianças. É de suma importância que os líderes religiosos e espirituais mobilizem suas comunidades a questionar e sensibilizar sobre interpretações de textos sagrados que sancionar o uso de violência contra crianças.
O que os líderes religiosos e espirituais poderiam fazer:
- Fazer autoexame sobre as práticas em sua comunidade que toleram a violência contra crianças. É possível desafiar tais práticas usando textos sagrados que afirmam a dignidade das crianças, apoiam práticas não violentas e criam uma narrativa positiva da dignidade humana da criança.
- Influenciar famílias, pais e cuidadores a não normalizar a violência contra crianças e desconectar as práticas violentas de disciplina das crenças e entendimentos religiosos e espirituais. Isso pode ser feito dando exemplos positivos de alternativas para disciplina violenta e como estes beneficiam o futuro e o desenvolvimento saudável da criança, e fornecendo educação e treinamento para capacitar o uso de técnicas de parentalidade positiva.
- Usar evidências científicas para explicar o impacto negativo da violência contra crianças no desenvolvimento, principalmente nos primeiros anos de vida. Na Sessão 4 deste material há diversos tópicos com conteúdos sobre o assunto.
- Extrair da essência dos ensinamentos religiosos e textos sagrados a importância de nutrir o desenvolvimento espiritual das crianças, criando ambientes seguros e respeitosos e ambientes livres de violência, apoiando relacionamentos positivos e proporcionando experiências empoderadoras para crianças que podem atuar como um fator de proteção contra a violência.
Fazer que as comunidades religiosas e espirituais sejam espaços acolhedores das crianças
Nutrir o desenvolvimento espiritual das crianças é uma grande contribuição para seu desenvolvimento integral e bem-estar. Locais de culto podem ser espaços onde as crianças podem entrar em contato com seu interior, descobrir a si mesmos e aos outros, e se beneficiar da nutrição espiritual. Comunidades religiosas e espirituais também precisam ser seguras, respeitosas e livres de violência, espaços sagrados onde a dignidade das crianças é sempre protegida e afirmada.
“O valor profundo para a criança no hinduísmo importa muito pouco, a menos que leve a práticas que nutrem e promovem o florescimento da criança. Por exemplo, deve encontrar expressão na erradicação da exploração sexual e abuso físico de crianças. Essas são violações grosseiras do princípio ético hindu de não ferir, ou ahimsa”.
Prof. Anantanand Rambachan, St. Olaf College, United States of America
O que os líderes religiosos e espirituais poderiam fazer:
- Criar espaços dentro do local de culto para brincar e ouvir as crianças, pois isso pode tornar-se uma forma de proteção à criança.
- Criar oportunidades para pais, cuidadores e educadores para promover o desenvolvimento espiritual de seus filhos. Apoiar a implementação e-Espiritualidade na infância, oferecendo tempo e espaço para que essas atividades ocorram em sua comunidade.
- Desenvolver uma política de proteção infantil para o seu local de culto ou comunidade. Isso envolve a criação de medidas para prevenir e denunciar o abuso infantil, fornecer espaços seguros para os membros da comunidade discutirem soluções para a violência contra crianças, para as crianças conversarem com adultos de confiança sobre qualquer violência que podem experimentar e desenvolver mecanismos para apoiar e proteger crianças vítimas de violência. Isso inclui promover a conscientização não apenas sobre o impacto que a violência tem nas crianças, mas também de como isso pode afetar os pais e cuidadores que usam a violência contra a criança.
- Melhorar a participação infantil em seu local de culto, mantendo diálogos com crianças, ouvindo e considerando suas opiniões e ideias, e permitindo-lhes estar envolvido em tarefas rotineiras semanais, mensais ou em ocasiões especiais. Tais práticas aumentam a auto estima e o valor próprio da criança.
Mobilizar contra práticas tradicionais prejudiciais
Para acabar com as práticas tradicionais nocivas, os líderes religiosos e espirituais podem criar espaços seguros para reflexão e diálogo sobre essas questões. Por exemplo, podem ajudar pais, cuidadores, educadores e outros membros da comunidade a entender por que essas práticas violam a santidade e dignidade da criança e, para isso, podem fazer uso de textos sagrados que condenam a violência contra crianças.
O que os líderes religiosos e espirituais poderiam fazer:
- Conscientizar e deslegitimar a violência, incluindo a violência de gênero, reconhecendo que cada criança, independentemente do seu sexo, é um presente precioso de Deus, o Divino, o Transcendente ou a Realidade Suprema.
- Criar diálogos com a comunidade sobre quais práticas tradicionais podem ser prejudiciais às crianças e o motivo, por exemplo: Defender contra casamentos precoces e forçados se for relevante em sua área local; posicionar-se contra a mutilação e corte genital feminino, que, em algumas comunidades, é considerado um requisito religioso, indicando a prontidão para o casamento.
- Tomar medidas para desconectar da religião práticas nocivas e estar na vanguarda para condenar publicamente práticas violentas, como mutilação e corte genital feminino, punição corporal ou violência sexual, exploração e abuso de crianças, entre outras formas de violência.
- Usar as mídias sociais, a TV ou rádio para aumentar a conscientização e compartilhar narrativas que desafiam normas sociais que toleram práticas tradicionais nocivas. Promover reflexões teológicas que afirmam a dignidade humana das crianças e a sacralidade de suas vidas.
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