A década de 1980 foi um período de grandes transformações para o Brasil. A grave crise econômica deu à década o título de “perdida”. Entretanto, nascia nesta época um novo sentimento em todo o país: o fim da ditadura, a nova Constituição Brasileira, questões sociais que voltavam à pauta e a movimentação social traziam de volta as necessidades e esperanças de toda a população.
Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi admitido como parte integrante da Constituição, em 1990, muita coisa já havia sido discutida. O ECA foi resultado de anos de debate de diversos movimentos sociais, como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, da Igreja e suas pastorais – especialmente a do Menor e a da Criança – do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e de pessoas interessadas em promover um cenário mais significativo para aqueles que cresceriam por estas terras. No início da década ainda, o mundo iniciava a discussão sobre uma Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que aconteceria em 1989.
O nascimento dos direitos civis para crianças
Foram pelo menos três anos de escrita do documento até tornar-se lei. E pelo menos 10 anos antes de sua inserção na Constituição, entidades de todo o país iniciavam discussões sobre direitos àqueles que então eram vistos apenas como “menores”. Isso porque o que existia de legislação para crianças e adolescentes, até então, era o Código de Menores, criado em 1927, no qual eles eram vistos realmente como menores: de idade e de direitos.
Roda de Conversa em Florianópolis (SC)
A realidade hoje é outra. Ou pelo menos, tenta ser. Isso porque mesmo com a marca histórica de 27 anos de uma lei que reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, detentores de opinião e saberes, tida como uma das legislações mais avançadas do mundo por organismos internacionais, ainda há aqueles que não reconhecem o momento de singularidade – e de possibilidades – que esta população está passando. Ainda hoje há quem se refira ao ECA como um estatuto menor, que apenas beneficia e não limita os adolescentes. A atuação de diversas entidades ao longo desses anos vem mostrando o contrário: a importância dessa legislação, e de se pensar na criança para se planejar o presente e vislumbrar um futuro.
Leyla Menezes de Santana, coordenadora da Pastoral da Criança no estado de Sergipe, viu de perto essa história. Há 19 anos atuando na Pastoral da Criança, ela relembra que o surgimento da entidade também veio de encontro às necessidades da época, e que o protagonismo à frente dos direitos das crianças fortaleceu a discussão em torno desse assunto. Para ela, o resultado pode ser visto até nos dias atuais: “ao longo desses anos, ela [a Pastoral da Criança] tem possibilitado que a sociedade dialogue com o poder público para garantir esse acesso”. A história mostra o mesmo. Nas publicações que relatam a luta pela implementação do ECA, é comum as histórias citarem a Pastoral da Criança como um dos marcos nesse contexto.
Dra. Zilda
“Para construir a paz é preciso começar com a criança desde a gestação. Os primeiros anos de vida são os principais para que a criança adquira valores culturais e se transformem em sementes da paz”.
Papa Francisco
“Temos necessidade de ver cada criança como um dom que deve ser acolhido, amado e protegido. E devemos cuidar dos jovens, não permitindo que lhes seja roubada a esperança e sejam condenados a viver pela estrada”.
Novos direitos: novas organizações
Junto com o reconhecimento de que eram prioridade absoluta no país, crianças e adolescentes ganharam novos espaços para garantir o bom funcionamento do ECA: foram instituídos órgãos como conselhos de direitos e tutelares, por exemplo. A legislação prevê que cada município deve ter seu próprio Conselho Tutelar. Segundo os dados da Secretaria de Direitos Humanos, que discute as questões que envolvem crianças e adolescentes, haviam pelo país 5904 conselhos em 5565 municípios existentes em 2012. Os Conselhos de Direitos, da mesma forma, deveriam ser criados em cada município, assegurando a efetivação das políticas públicas a favor das crianças e adolescentes.
E a participação em órgãos consultivos e deliberativos mostra que a ação dos voluntários da Pastoral da Criança vai muito além das visitas domiciliares às famílias: eles também buscam a garantia de que a prioridade absoluta se faça na prática. A participação nos conselhos municipais de saúde e de direitos confirmam esse papel.
Leyla afirma que uma das primeiras ações ao chegar em uma cidade onde ainda não há a presença da Pastoral da Criança é procurar o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente do município e saber o que está sendo feito ali em prol das crianças. “Não adianta só manter um espaço físico, com o nome mostrando que ali tem um conselho”, destaca. Para ela é preciso que haja alguma intervenção que proteja de fato a criança. Após esse diálogo inicial, são apresentados os voluntários da entidade aos conselheiros para que as ações de benefício sejam feitas sempre em parceria.
Outras vezes, conhecer as histórias e as necessidades da primeira infância faz com que os voluntários da Pastoral da Criança busquem novas formas de atuação. E isso, muitas vezes se faz pelos conselhos de direitos. “A confiança da comunidade neste líder é maior”, assegura Leyla. “Quando o conselheiro é candidato, ele levanta e diz, eu sou da Pastoral da Criança, a comunidade respeita”, diz.
Segundo a coordenadora sergipana, a presença da Pastoral da Criança nestes espaços de discussão deve ser visto como natural. “Esse é um conteúdo abordado em nossas formações. Quem entra pela primeira vez na Pastoral da Criança recebe o auxílio para compreender tanto a história do ECA, quanto o que ele contempla e seu objetivo principal”, lembra. Ela explica ainda que uma das questão mais trabalhadas pela entidade – da saúde integral da criança – perpassa por um dos artigos do ECA que diz também que é dever da comunidade, da família, do poder público e da sociedade em geral zelar de forma prioritária pela criança e pelo adolescente. “E quando trabalhamos os direitos sociais básicos presentes na Constituição, mostramos ao voluntário que para além dela, existe o Estatuto da Criança que dá mais proteção ainda a um indefeso, garantindo a educação, a saúde integral, o direito ao lazer, a ter uma família”, conta.