Dra. Zilda

“Com a certeza de que Deus está entre nós e age através de nós, na Pastoral da Criança fazemos a multiplicação do saber. Tudo o que aprendemos repassamos às nossas famílias, às famílias vizinhas, pelas quais somos responsáveis”.

Papa Francisco

“A fecundidade da fé expressa-se na solidariedade concreta para com os nossos irmãos e irmãs, independentemente da sua cultura ou condição social”.

Mesmo com toda a informação que temos acesso atualmente, trazer um ser ao mundo ainda é cercado de mistério. Quem é mãe e pai de primeira viagem então, fica perdido nesse turbilhão de informações da avó, da tia, da vizinha... E aí vem as dúvidas: será que realmente não posso passar vontade de nada? O leite realmente vai aumentar se eu tomar cerveja preta ou comer canjica branca? E será que meu leite vai ser suficiente para sustentar o bebê? É verdade que se minha barriga for pontuda será menino? E a azia, é por conta do cabelo mesmo? As dúvidas são várias, e cada região do mundo se apresentam de uma maneira.

O que não muda em lugar nenhum é a certeza de que a mulher grávida está com hormônios diferentes do normal agindo, mais instável emocionalmente e, portanto, muito mais vulnerável às informações que chegam a ela. Por isso é importante ter cuidado com o que se fala a uma grávida, especialmente se isso se trata daquelas certezas passadas de geração em geração, mas que nunca ninguém teve comprovação de que realmente é verdade... Por exemplo, alguém já viu uma criança nascer com cara de telha porque a mãe não comeu o item durante a gestação? Respeitar a cultura de cada lugar é essencial, mas cuidar para que a gravidez se desenvolva da melhor maneira possível, com filho e mãe saudáveis, é mais importante.

O trabalho realizado pelos líderes da Pastoral da Criança é muito significativo, porque na visita domiciliar eles conversam com a gestante sobre esses mitos. A medida que elas vão entendendo as orientações, esses mitos vão perdendo força e uma nova confiança vai surgindo, colaborando para que as gestantes fiquem mais seguras para levar a gestação adiante, sem tantos medos, dúvidas e ansiedade.

cpf curso de gestante 2Curso para gestantes

Em Limeira (SP), três paróquias promovem cursos com gestantes, atividade que auxilia as mães a esclarecer as questões que as cercam neste momento. “Tiramos todas as dúvidas”, conta a coordenadora de área da Pastoral da Criança, Maria José Furlan. Ela, que atua como líder na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, conta que tem quem queira comer terra, barro e até tijolo. “Sobre a vontade de comer, a nutricionista e a enfermeira sempre deixam bem claros que este desejo é falta de algum nutriente que elas precisam”. Além disso, durante a gravidez os hormônios entram em ação, fazendo com que a mulher que nunca gostou de determinado alimento, sinta vontade dele. “Os hormônios HCG (Gonadotrofina Coriônica Humana) e a progesterona liberados durante a gestação são os maiores responsáveis pelos desejos e alterações de gosto”, explica a enfermeira da Coordenação Nacional da Pastoral da Criança, Regina Reinaldin.

Maria José conta que são sete encontros com líderes e profissionais da saúde: enfermeiras que falam sobre o momento do parto, sobre primeiros socorros, as mudanças no corpo da mãe e o desenvolvimento do bebê; as nutricionistas abordam a importância de uma alimentação equilibrada durante e após a gestação; e uma psicóloga aborda o tema maternidade e paternidade responsável. A amamentação tem um espaço à parte: um encontro é inteiramente dedicado a esclarecer as dúvidas e ensinar a importância do leite materno e da exclusividade até os seis meses. Nos encontros, as gestantes - além de orientações - podem perguntar tudo o que quiserem. “Temos tido muito sucesso com o curso, principalmente em relação a amamentação”, afirma a coordenadora. Ela conta que muitas mães – mesmo sem acompanhamento direto delas – voltam ao curso depois do parto para mostrar os bebês e como essa formação foi importante. “Elas vêm de bairros distantes para contar suas experiências”, relata Maria José.

Há quem fale que no sétimo dia após o parto, a mãe e o bebê não devem receber ninguém. No curso, as líderes esclarecem que não é necessário ser tão radical, mas que é preciso preservar a intimidade familiar, especialmente nos primeiros dias após o parto. “Indicamos à mãe se preservar não na primeira semana, mas no primeiro mês. É importante o contato com o bebê, ter esse momento deles com o pai. E quando tem muita gente, durante muito tempo, isso pode atrapalhar um pouco”, explica a líder.

Mitos e crenças sobre o aleitamento em Guiné-Bissau

Assim como acontece no Brasil, as gestantes de Guiné-Bissau, país do continente africano, também convivem com diversos mitos acerca da gravidez. Como parte da população mora em aldeias (lá chamadas tabancas), a comunidade participa junto das decisões tomadas na gravidez, incluindo a amamentação. Esta última é, inclusive, um dos temas de maior dificuldade de desmistificação, ou seja romper os mitos existentes, para a Pastoral da Criança local, já que a instituição reconhece e prega a importância da amamentação exclusiva até os seis meses do bebê.

“Diante de uma realidade bem diferente no contraste cultural, muitas etnias, tradições, religiões, mitos e crenças, sabendo que a cultura tradicional é muito forte nas pessoas - sendo enraizada - e percebendo as dificuldades que as mães encontram para poder amamentar, fiquei pensando como poderia trabalhar o aleitamento exclusivo”, conta a missionária da Pastoral da Criança, Dulcinéia Marcondes. Ela relata que lá, quem decide se a mãe vai amamentar ou não é a “mulher mais velha” da tabanca. E se a mãe insistir em amamentar mesmo com indicação negativa da anciã, ela será reprimida e pode sofrer “algumas consequências, como ser ignorada por todos na tabanca”, diz.

Quando o aleitamento é tema da formação de líderes, é comum encontrar mulheres e homens que não aceitam a amamentação como é descrita no Guia do Líder da Pastoral da Criança, “e vira um debate muito bom”, afirma a missionária. Segundo ela, para convencê-los, “tem que ter muito conhecimento, confiança e conhecer bem sobre o aleitamento materno, pois eles têm essa convicção cultural enraizada e falar contra essa crença é um grande desafio”.

Outras dificuldades encontradas pela líder na cultura local é a questão do sexo durante a amamentação – eles acreditam que o leite fica impuro –, e a resistência de muitas mulheres em tomar as vitaminas e suplementos alimentares durante a gravidez, com o argumento de que aquilo pode engordar demais o bebê e elas poderão morrer no parto. “Há casos da mãe já encontrar-se anêmica e desnutrida durante a gestação, e o bebê já nasce com vários problemas como baixo peso, desnutrição, anemia. Esses fatores culturais, os 'mitos', contribuem para os riscos de vida, levando à morte infantil e materna”, descreve Dulcinéia.

O trabalho não é fácil, mas os líderes do Brasil e de outros países se esforçam para que as futuras mães compreendam a importância de uma gravidez sadia para ela e para o bebê, apesar dos diversos empecilhos que possam ser encontrados em cada lugar. Em Limeira, o curso existe há dez anos e não tem data para parar; em Guiné-Bissau, pouco a pouco, os capacitadores vão transformando o entendimento local: primeiro para os líderes, para em breve, chegar a todos nas tabancas. “Observamos que os líderes entendem a importância e vão multiplicar, passando as orientações para as mães, o que nos mostra ser um grande avanço o entendimento e aceitação dos voluntários", destaca a missionária.