E procurando o Senhor o seu operário na multidão do povo, ao qual clama estas coisas, diz ainda: “Qual é o homem que quer a vida e deseja ver dias felizes?” Se, ouvindo, responderes: “Eu”, dir-te-á Deus: “Se queres possuir a verdadeira e perpétua vida, guarda a tua língua de dizer o mal e que teus lábios não profiram a falsidade, afasta-te do mal e faze o bem, procura a paz e segue-a”. E quando tiveres feito isso, estarão meus olhos sobre ti e meus ouvidos junto às tuas preces, e antes que me invoques dir-te-ei: “Eis-me aqui”. Que há de mais doce para nós, caríssimos irmãos, do que esta voz do Senhor a convidar-nos? Eis que pela sua piedade nos mostra o Senhor o caminho da vida. (Do Prólogo da Regra de São Bento)
A Regra de São Bento começa pedindo para que os “filhinhos” ESCUTEM. Escutar é uma atitude fundamental na espiritualidade cristã e na convivência neste mundo marcado por contradições. Escutar exige da gente atenção, silêncio e respeito por algo e/ou alguém que não seja a gente mesmo. Exige relação e compromisso.
Quando Deus fala, algo acontece. A Palavra de Deus é um acontecimento concreto na vida da gente que nos provoca movimento e interação. Encontramos a palavra de Deus na vida cotidiana e na Bíblia. É difícil, com tanto ruído e com pouco silêncio, também interior, entender o que Deus deseja para nós e o que ele quer de nós.
Qual é a nossa vocação? Para que somos chamados? Onde e quando?
“Deus chama a gente para um momento novo, de caminhar junto com seu povo” canta o poeta. Quais realidades estão clamando por libertação e por presença, como o fez o povo do Egito, Jeremias, Jesus na Cruz? Que vozes estamos ouvindo que faz arder o coração e movimenta nossas pernas e braços para uma vida melhor, que nos faz transgredir a norma estabelecida e ajudar o necessitado, como grandemente fez o samaritano na estrada de Jericó?
Somos chamados para diminuir a violência contra mulheres e crianças. O Brasil é o 6º país mais inseguro no mundo para mulheres viverem. 70% dos crimes de abuso contra mulheres e meninas acontecem no seio da família tradicional. Somos chamados para esfriar as vozes e as ações violentas contra outras religiões e jeitos de viver e ser no mundo. Somos chamados para dizer Paz e abraçar. Somos chamados para experimentar o diálogo e a conversão que provém dele.
A vocação cristã é um chamado urgente e atual para testemunhar que o Reino de Deus está entre nós. Jesus nos convoca para a relação. Ele chama homens trabalhadores para estar com ele nesta tarefa de ir ao encontro das pessoas (de todas as pessoas). Muitas mulheres nem precisaram ser chamadas, elas nos ajudaram a cultivar esse desejo de estar com quem precisa de cuidado e carinho. Como testemunham os evangelhos desde a Galiléia muitas mulheres já seguiam
Jesus. Jesus é o exemplo fundamental de que a relação é salvadora e curadora. Ele tem interesse em estar com as pessoas, ele vai atrás, ele pergunta o nome, quer saber quem o tocou, não vai embora de um conflito e permanece no diálogo sempre.
Penso que esses são apelos fortes que vêm de Deus. Estar presente. Ouvir. Agir. E o critério é a necessidade, não a moral ou os bons costumes, não o que se veste ou o que se diz. Mesmo o que diz e faz barbaridades merece o perdão de Deus. Jesus e Estevão nos lembram disso: “perdoa-os porque eles não sabem o que fazem”, se referindo aos soldados romanos a serviço do império que assassinaram Jesus e aos enviados dos chefes dos sacerdotes judeus que apedrejaram Estevão, acusado de blasfêmia.
Somos chamados para o amor incondicional e apaixonado pela vida e pela vida em abundância. Isso faz de nós peregrinos e caminhantes sempre. Errantes conforme diz a Bíblia. Somos errantes (vamos errando por aí até chegar ao certo) do mesmo jeito que Isaac foi o “arameu errante”, pai na fé.
Que nós possamos aprender de Deus, Jesus e o Espírito Santo essa capacidade de permanecer no amor e na relação, mesmo quando ela é difícil e parece impossível, até mesmo quando ela parece contrária a nós mesmos. Só o amor permanece. O resto se vai.
Paulo Ueti
Assessor da Pastoral da Criança