Louvado sejas Senhor pela irmã A Morte. Essa frase e essa teologia espiritual faz parte da vida de Francisco de Assis, o pequeno, o pobre, o desapegado. Aquele que enfrentou as estruturas da Igreja da sua época por causa do evangelho e da pobreza evangélica, para ele exigência última para o seguimento de Jesus, o Cristo da Cruz.
Pouca gente chamaria a morte de irmã. Pouca gente fala sobre a morte ou a procura integrar na vida, que é ao mesmo tempo morte. Enquanto se vive se está morrendo e na morte a vida reaparece, do mesmo jeito, mas ao mesmo tempo diferente. Mistério e paixão. Duas situações na vida difíceis de enfrentar. Somos nós, ocidentais, muito intelectualizados. Confiamos demais no conhecimento chamado científico e nas definições.
Sem dúvida nenhuma, somos educadas para o apego, para a propriedade, para a única-verdade. Gostamos dos místicos, mas desde que eles ou elas não afetem minhas verdades únicas e absolutizadas por séculos de opressão verbal e de teologias feitas por pouca gente. Cantamos Tereza D'Avila que "nada te perturbe, nada te amedronte, tudo passa, a paciência tudo alcança. Pra quem tem Deus nada falta, só Deus basta".
Ou repetimos em nossos retiros ou palestras de espiritualidade ou nas aulas de teologia espiritual ou teologia fundamental que a "fé é um pulo no escuro", usando a grande reflexão espiritual de João da Cruz (contemporâneo de Tereza D'Avila). Mas no cotidiano da vida, quando alguém morre ou algo morre, ou está prestes a morrer, nos desesperamos e nos apegamos, nos fechamos e acabamos quase construindo círculos de violência e de negação, para nós mesmos e em relação aos outros. E ainda pior: falamos de um Deus que tira as pessoas que amamos da gente, que faz sofrer e nós temos que nos conformar. Será?
Desapegar-se é um imperativo no processo da vida espiritual a qual todas nós somos chamadas como expressão da espiritualidade cristã que flui de nossos corpos e mentes, nossas ações e discursos. Quando perdemos é que ganhamos. Erros e perdas fazem parte do processo da vida. Existem e acontecem para que possamos desenvolver-se e aprender com o acontecido. Mudar, transformar-se. Deixar de ser algo para se tornar algo melhor e mais completo. É preciso um "outro olhar" sobre a morte e o erro. É preciso um olhar de Deus. Para viver, morremos todos os dias. Perder algo ou alguém é uma experiência muito devastadora para muita gente. Por isso, nossas comunidades de fé precisam falar mais sobre isso. A morte não deve mais por medo na gente. Jesus morreu, desceu ao inferno (mansão dos mortos na versão moderna em português) e ressuscitou, foi ressuscitado pelo Pai. Convido vocês a lerem com atenção e meditarem bastante o texto de Romanos 6. Esse é um dos textos que escutamos no dia da Vigília Pascal. A morte e o pecado não têm mais poder. A vida venceu. Sempre vence. A comunidade é um testemunho disso. A vida sempre continua, e continua em conjunto, em solidariedade. Dom Oscar Romero, bispo de San Salvador, El Salvador, uma semana antes de ser assassinado em 1980, numa missa pregava (ele estava ameaçado de morte por defender o povo da ditadura militar e da violência institucionalizada): "se eu morrer, ressuscitarei na luta do meu povo". A morte não tem a ultima palavra. Mas ela é uma palavra que precisa ser escutada e integrada em nosso viver. As vezes, perder é um passo para poder vencer e mover-se na direção de uma vida melhor.
A comunidade tem um papel muito importante quando perdemos alguém. É Deus presente no acompanhamento e no consolo. No silêncio e na contemplação em conjunto conseguimos olhar pra frente e redescobrir forças e significados que podem estar escondidos pela dor e sofrimento. Que palavras saem de nossas bocas e corações neste momento? Que imagem de Deus estamos transmitindo?
Convido vocês a orarem juntos comigo o Salmo 130 (129): "do fundo do meu penar clamo por ti".
Paulo Ueti
Assessor da Pastoral da Criança