Discípulas e discípulos do profeta Isaías escreveram muito tempo atrás que "como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, sem terem regado a terra, tornando-a fecunda e fazendo-a germinar, dando semente ao semeador e pão o que come, tal ocorre com a palavra que sai da minha boca [Deus]: ela não torna a mim sem fruto; antes, ela cumpre a minha vontade e assegura o êxito da missão para a qual a enviei" (Is 55,10-11).
Neste mês de setembro, estamos especialmente prestando atenção ao Evangelho de Lucas. Claro que durante todo o ano o escutamos nas liturgias, mas em setembro, que é quando celebramos o Mês da Bíblia, na Igreja Católica Romana (para os protestantes essa data é o segundo domingo de Dezembro), damos especial atenção a algum tema ou livro. Esse ano é Lucas.
A Bíblia é uma biblioteca, penso que muita gente já sabe disso. Nesta biblioteca, encontramos muitos livros diferentes e com objetivos diferentes. Os evangelhos nasceram muito tempo depois que Jesus havia sido assassinado e ressuscitado. Eles querem comunicar esperança e vitalidade para o povo, que estava em desespero e se desligando da comunidade. Tomo um texto conhecido e muito importante para a espiritualidade e teologia da comunidade lucana. É o texto da "mulher que demonstrou muito amor". Amor, desapego, solidariedade e misericórdia (a imagem de Deus como aquele que tem misericórdia incondicional) são elementos fundamentais da espiritualidade e do Evangelho de Lucas.
Em nossos textos e contextos vivemos muitas formas de opressão. Não se pode ficar calado diante disso: essa prática, da opressão em qualquer nível, não revela o Deus de Amor que se apaixonou pelo mundo. Quando vamos para a Bíblia, para alimentar nossa fé e buscar orientação para nossa caminhada (Sl 119,105), percebemos que dois textos se encontraram: a vida (nossos corpos/o corpo do planeta) e os textos escritos (a Bíblia) e descobrimos que ambos são textos sagrados, porque vieram da mesma boca de Deus. Desse encontro, aprendemos que a liberdade e a libertação, frutos do amor de Deus, são nosso alimento do dia a dia.
Como parecer-se com Jesus neste mundo? Como apaixonar-se a ponto de dar a vida? Deve ser por isso que a prática de Jesus foi tão conflitiva no seu tempo: ele é um homem diferente do tipo de homem que oprime as mulheres; ele é um homem diferente daquele que exclue; quem não é igual a ele. Ele é um homem que cuida e se aproxima. Ele é um homem que se apaixonou e demonstrou isso. Deve ser por isso que seguir Jesus é tão difícil hoje em dia.
Os temas que a comunidade de Lucas estão apresentando são difíceis para refletir nas nossas Igrejas e práticas pastorais. Como acolher à mesa, na comunidade, uma mulher pecadora? Normalmente, na doutrina e na legislação das nossas Igrejas, fazemos o contrário: para aproximar-se da mesa é necessário ter confessado os pecados e ter recebido absolvição eclesiástica antes. Parece que ainda escutamos os fariseus do tempo de Jesus falando hoje nas nossas comunidades: Deus/Jesus é só para os puros, para os que não tiverem pecados. Tem gente que não anda lendo o evangelho. O trabalho da Pastoral da Criança, ao contrário, é uma expressão positiva deste Evangelho na vida cotidiana.
O problema colocado neste texto é que um fariseu, que quer dizer separado, consagrado, convida Jesus para comer em sua casa. Os fariseus eram como nós hoje, pessoas bem de Igreja. Eles conheciam muito bem a religião, os textos sagrados, a doutrina. E estavam convencidos de que somente pela prática correta das normas você seria digno do amor e da salvação que vem de Deus.
Muitas vezes acontece também nas nossas relações eclesiais e nas nossas reflexões teológico-pastorais. Ficamos muito presos a lei e ao cumprimento dela e esquecemos do amor e graça de Deus.
Mas, chegando na casa do fariseu e 'reclinando-se a mesa', uma mulher, pecadora1 fica sabendo que ele está lá e vai ao seu encontro (de Jesus). Vai inteira, vai porque algo diz a ela que aquele homem, diferente dos outros homens de sua época, vai escutá-la, vai recebê-la, vai entender o que ela deseja.
Os pecados são perdoados porque ela conseguiu achar o rumo certo para a vida dela. Ela aqui se torna modelo de busca de Deus. Desejar, mover-se, entrar em lugares não permitidos, fazer coisas não 'ortodoxas' por causa do amor. Esse movimento salvífico está na base da experiência das comunidades com Jesus e que não pode se perder, especialmente num momento em que começam a aparecer estratificações sociais na comunidade, onde os ideais primeiros estão comprometidos.
O critério da fé agora vai ser o 'movimento' em direção a Jesus e não mais o cumprimento estrito da lei. A transformação ocorrida aqui é que ela sai de casa, se arrisca, se dedica a outro além dela mesmo. Não importa aqui, antes de tudo, se existe pecado ou não. A atitude daquela mulher deve ensinar a Igreja daquela época e, quem sabe, de hoje também, que o discipulado se dá no caminho, no risco, no desejo sincero e apaixonado de continuar se movimentando em direção ao amor, em direção à vida plena, dádiva gratuita de Deus para o mundo. É muito comum quando Jesus tem que elogiar alguém ou fazer alguma escolha preferencial, entre os fariseus (e até os/as discípulos/as) e os pobres, doentes e pecadores em geral, ele escolhe estes últimos sem pestanejar. Isso diz alguma coisa para nossa teologia, espiritualidade e prática pastoral? A Pastoral da Criança continua fazendo as opções evangélicas sem pestanejar. Estar onde mais se é necessário para que todos e todas tenham vida e vida em abundância.