Escrevo este texto pensando na espiritualidade beneditina, da qual bebo e na qual procuro viver a minha vocação. A Regra de São Bento começa com o convite para escutar. Está implícito que para escutar precisamos calar, fazer silêncio e despojar-se para contemplar. Só a contemplação, no caso da vida cristã, muda a nossa maneira de ver e entender o mundo. Por isso, é fundamental escutar a vocação de Deus: Deus chama, Deus fala, Deus age: nós entendemos?

 

 

 

Quando somos pequeninos (mais novinhos/as) sempre alguém pergunta: “O que você quer ser quando crescer?” Esta pergunta é de fundamental importância ser feita. Também serve para os nossos projetos de agora. Esta pergunta tem a ver com a nossa vocação. Para que fui chamado/a? Onde é o melhor lugar para eu estar (para quem é cristão/ã)? Vocês já se fizeram esta questão na frente do espelho? Já tiraram tempo no silencio do seu deserto para ir descobrindo isso?

Vocação quer dizer chamado. Não tem nada a ver com “habilidades ou talentos naturais”. No mundo das religiões, Deus é quem toma a iniciativa de chamar. Ele vem ao nosso encontro porque nos ama. Vale a pena ler Os 11,1-4.

Nossa primeira vocação é para a vida. Já dizia Irineu de Lião (bispo do século II) que “a glória de Deus é a vida do homem”. De acordo com o segundo relato da criação (Gn 2), Deus apresenta-se como um oleiro que, da terra (Adamah), vai moldando a humanidade (Adam) e, para que ela se torne um ser vivente, Ele sopra o espírito (ruah – hálito) através de suas narinas. E dá uma ordem à humanidade: tomar a terra, guardá-la e cultivá-la.

Nossa segunda vocação é para a liberdade. “Foi para a liberdade que Cristo vos libertou (Gl). Deus mesmo se levanta e desce com braço forte para libertar o povo da opressão (o Egito é o evento paradigmático – Ex 1-15). Para isso, precisou que a humanidade colaborasse com Ele neste processo em direção à terra prometida. Deus precisa da gente. Você já imaginou quão importantes somos nós para o Criador? É por isso que Jesus “chama para si os discípulos e discípulas e os envia para o mundo, para a missão”. Deus faz em nós, através de seu espírito, aquilo a que somos chamados a fazer com o mundo, como instrumentos d´Ele: um trabalho de libertação que tem um efeito onda em todo o cosmo e é dialético: somos libertos na medida que libertamos e libertamos na medida em que nos tornamos livres interiormente. Durante muito tempo houve uma certa separação entre o pessoal (que virou sinônimo, equivocadamente, de intimista, egoísta) e o coletivo. Hoje, estamos chegando a uma síntese.

E também penso que somos chamados/as à indignação. Este chamado nos leva ao imperativo da missão. Precisa-se cultivar novamente a chama da rebeldia contra a morte e seus lacaios. É necessário o enfrentamento daquilo que destrói a criação de Deus. É impossível pensar o cristianismo sem militância. Orar e trabalhar já dizia São Bento, inspirado na obra de Deus, no serviço dos profetas e no exemplo de Jesus. Ação e Oração: duas asas da mesma pomba. Sem uma delas a pomba não voaria e não seria uma pomba.

Nesta direção somos também chamados ao equilíbrio e à contemplação. Fazer novas sínteses. Aprender a olhar a criação de Deus como responsabilidade de todos e todas. Viver e fazer viver. “Viver e não ter a vergonha de ser Feliz”.

O que você está fazendo para ser feliz e fazer o mundo feliz? O que você pode fazer para que a felicidade seja uma experiência cada vez mais constante na vida das pessoas e na vida do universo? Acho que vale a pena olhar novamente o Sl 1 e 150 e também Lc 10.