Deus sempre toma a iniciativa, não somos nós. É Deus quem vem ao nosso encontro, por amor e não por cobrança ou punição. Acho que vale a pena lembrar o relato da Criação (Gn 1 e 2), o final da história do dilúvio (Gn 6-8), o livro inteiro de Juízes, os capítulos 1 a 3 do livro de Oséias e, obviamente, os evangelhos. Jesus sempre tomou a iniciativa e buscou aqueles que a religião tinha excluído. Naquele episódio de Emaús, Jesus aproxima-se, caminha junto e põe-se a escutar a conversa. Aproximar-se, caminhar junto e escutar: de quem eu me faço próximo? Esse caminho terapêutico vai ser (é) fundamental para devolver aos discípulos o sentido da vida e do caminho que eles uma vez escolheram. A comunidade de Lucas está compartilhando um método (caminho) terapêutico para ajudar os discípulos a lidar com a dor e o sofrimento, causados por uma imagem (expectativa) equivocada de Jesus e do Reino.
Jesus quer se relacionar. Quer conectar-se. Quer re-ligar (religião) os dois que estão se desligando da comunidade de Jerusalém. Estão sem esperança e decepcionados. Aproximar-se, caminhar junto e escutar são atitudes terapêuticas, típicas do cristianismo que devemos recuperar no nosso trabalho. Dar mais valor. Jesus não chega ensinando, ele se aproxima entrando na vida das pessoas. Quer saber o que se passa, está interessado. E quando a gente fala, põe pra fora nossas frustrações, dúvidas, desapontamentos, o peso vai aliviando e a gente, verbalizando, vai escutando as próprias palavras e expulsando a escuridão opressora que habitava em nossos corações. Por isso, é importante que a comunidade seja esse lugar da fala, da partilha, da des-coberta (descobrir – tirar a coberta que esconde a tristeza).
Jesus, então, utiliza a memória deles para continuar o processo de reencontro e reconexão. Utiliza textos bíblicos, já velhos conhecidos deles. Não diz nada de novo, mas ajuda a eles a verem uma nova interpretação do que eles já sabiam, mas estava esquecidos, ou paralisado no passado. A Palavra de Deus que encontramos na Bíblia é para isso. Iluminar, acender a brasa dentro do coração. “Não ardia nosso coração enquanto Ele falava das Escrituras?”.
Mas ainda falta um elemento importante. A hospitalidade. Cuidar uns dos outros. Preocupar-se com alguém além da gente mesmo. Querer relacionar-se. A comunidade precisa ser o lugar onde esse sentimento seja cultivado e ensinado. Em nossas sociedades, tão individualistas e tecnológica, onde celulares, tablets e computadores estão se tornando companhias cotidianas, precisamos recuperar o desejo de estar juntos, de comer juntos, de partilhar e compartilhar a vida e os bens materiais. Aí sim, vamos nos tornando UM e vamos reconhecer que no partir do pão (na relação, no acesso ao outro e a outra) reconhecemos a graça e a energia (dinâmica) de Jesus e do Reino. E aí voltamos para a comunidade para continuar a caminhada.
Este texto, quer nos ajudar a reencontrar esperanças e novas imagens para a caminhada cristã. Jesus não está reconhecido no poder da força e da opressão (poder sobre), mas na caminhada em conjunto (Deus conosco – não Deus para nós), na escuta atenta e carinhosa, na relação que se fortalece e permite “broncas e chamadas de atenção” e na capacidade de hospedar uns aos outros, e compartilhar a palavra, a mesa, a comida, a casa e o sofrimento. Aí encontramos o sentido do sofrer como parte da vida. Não como objetivo ou destino final, mas como parte do processo da ressurreição e da caminhada.
Por isso João, o Batista, atraía tanta gente. Para con-verter. Verter em conjunto. Como indivíduos conectados numa comunidade de fé e de relação.
Paulo Ueti
Assessor da Pastoral da Criança