Esses tempos, estudando o evangelho de João com um grupo, novamente me deparei com a fantástica imagem da irmandade como modelo de vida com Jesus e Deus. “Não vos chamo mais de servos, mas de amigos”. Penso que vale muito a pena ler toda semana da Quaresma o capítulo 15 do Evangelho de João.

Essa é uma intuição desde o movimento de Jesus. Somos irmãs e irmãos entre nós. Não temos um dono e não somos servos de ninguém. Deus é nosso Pai e não dono ou patrão. Essa espiritualidade expressa pela organização da vida cotidiana deve ser um critério de avaliação quando nos preparamos para a grande festa do Aleluia – a Ressurreição de Jesus. A festa do Corpo de Cristo, vivo e cheio de movimento a favor da vida e da libertação. É isso que Deus quer: libertação, vida, felicidade, plenitude, mesa suficiente, direitos garantidos.

 

No início da Quaresma lemos Mateus capítulo 6 (sem a parte do Pai Nosso). Ali, a comunidade de Mateus nos ajuda a lembrar aspectos fundamentais (que dão fundamento – estrutura) da nossa vida como gente cristã, de fé em um Deus que tirou o povo do Egito, da casa da escravidão e que está no meio de nós.

Nos é pedido esmola, oração e jejum. Mas o que são mesmo essas práticas que o Evangelho de Mateus nos diz? Por que lemos isso na quarta-feira de cinzas?

Em primeiro lugar, é bom lembrar que todas essas práticas devem ser feitas com honradez, simplicidade e sem propaganda. É parte da nossa espiritualidade e mística. Essas práticas devem ajudar a gente a mudar de mente (o jeito como a gente pensa e olha para as pessoas e o mundo) e de atitude (o jeito como a gente vive a vida em todos os lugares). Isso chama-se conversão. É sempre o tema mais importante da Quaresma – convertam-se e creiam no Evangelho. E o Evangelho não é o livro que lemos, o Evangelho (com letra maiúscula) é Jesus. “Tenham os mesmos sentimentos que o Cristo” (Fl 2,5).

Esmola é o ato de compartilhar para que não haja necessitados entre a gente, conforme a lei do Deuteronômio 15 nos pede, para que nós sejamos protegidos da tentação da acumulação, que é um pecado grave na comunidade cristã (Tg 5; At 5). Oração é o encontro amoroso com Deus na escuta e no silêncio. Oração não é um monte de palavras que saem de nossa boca. É nossa capacidade de silenciar em primeiro lugar para escutar o que Deus tem a nos dizer ou simplesmente para “curtir” sua presença carinhosa, protetora e comprometida com a justiça e a misericórdia. Sugiro ler o livro “A oração como encontro”, do Monge Beneditino Anselm Grün. Vale a pena. E o jejum, para além de abster-se de comer ou beber algo, é uma prática antiga de luta pela justiça e pelo direito. Leiam o texto, lindíssimo e comprometedor, de Isaías 58, e vamos discutir isso na comunidade. Como fazer jejum hoje que não seja “economia doméstica”, ou seja, simplesmente economizar. Como fazer com que nossa prática de oração, esmola e jejum seja por causa da outra pessoa, do Reino, e não simplesmente uma maneira de achar-se mais merecedor do que outras pessoas das graças de Deus? Fica a dica para pensar e conversar na comunidade.

Para concluir, penso que é importante a gente reconhecer que o trabalho da Pastoral da Criança é uma expressão significativa da esmola, oração e jejum conforme a tradição judaico cristã. Pensem nisso.

Que a graça de Deus nessa Quaresma nos leve mais próximos da luta pela vida, especialmente das juventudes, tema da nossa Campanha da Fraternidade. Que Deus nos ajude a sair do “tema” e ir para a prática.

Paulo Ueti

Assessor da Pastoral da Criança