Há uma música chamada “sertaneja” que diz que “quando a gente ama qualquer coisa serve para relembrar”. Por isso, para nós, seres humanos, e especialmente para nós, pessoas cristãs, a memória é tão importante para a vida. Verdade quer dizer “não esquecer” na língua da Bíblia. O amor faz a gente nunca esquecer e nos ajuda a reviver, não da mesma forma, mas de um jeito que nos ajuda a continuar o caminho em direção ao futuro, sabendo que as pessoas, os lugares, os cheiros, os sabores do passado vão conosco.

A Eucaristia é essa memória do “já é, mas ainda não”. É a celebração da presença de Cristo, mas também a memória de sua ausência física e da espera “com esperança” (com ação e movimento-fé) para o cotidiano e para o futuro.

Quando Jesus começou a avisar que o fim de sua estrada seria a cruz (Mc 8,27ss) a primeira reação dos discípulos, aqui figurado por Pedro, foi de recusa e negação. Por essa atitude ele foi chamado de Satanás: “Afasta-te de mim, Satanás”. Pedro não entendeu, não quis aceitar. Não é fácil aceitar, obviamente que alguém que você ame morra, e naquele caso seja assassinado. Perfeitamente compreensível.

Mas o caminho e as opções de Jesus já estavam decididos. Não era possível voltar atrás. Há projetos, caminhos que tomamos na vida que não tem volta. Não porque “devem acontecer”, mas “vão acontecer” como consequência dos atos e decisões tomadas, ou de uma realidade vivida. A morte é uma delas. Por isso, Francisco de Assis, nosso Chiquinho, conseguiu chamar a morte de “irmã”. Ela é companheira. Não é nossa inimiga. Às vezes, chega de maneira brusca, não entendemos. Mas chega e vai chegar.

O jeito que temos de lidar com isso não é dos melhores em várias culturas. Simplesmente cala-se. Ou nega-se. Não é um bom caminho. Os discípulos de Jesus foram por esse caminho. As três vezes que Jesus tentou explicar e compartilhar com eles o seu caminho que chegaria na cruz (Mc 8,31-33; 9,30-32; 10,32-34), houve “desvio de conversa” ou simplesmente “surdez”. Eles não estavam escutando, preocupando-se com outras coisas (não muito boas diga-se de passagem: privilégios). Por isso, essas passagens estão cercadas literariamente pela cura dos dois cegos: Mc 8,22-26 e 10,46,52. Essa cegueira, que significa aqui não entender, não aceitar, negar, precisa de cura, precisa de caminho de fé para compreensão, para seguir juntos.

De novo, a memória é fundamental. Vive aquilo que a gente não deixa morrer. Esquecer, não falar é comparado a morte. Por isso, devemos sempre guardar e relembrar/rememorar aquelas pessoas que nos são caras e que fizeram parte importante de nossa vida. Como aquelas mulheres que ungiram Jesus na cabeça com um perfume muito caro (Mc 14,3-9), nós devemos seguir esse exemplo. Elas entenderam que o caminho de Jesus não tinha volta. Provavelmente, estavam muito tristes e preocupadas. Mas mesmo assim, o ritual que elas fizeram, mesmo sendo caro, deve ter ajudado  Jesus a continuar no caminho, sabendo que não estava sozinho. Elas estavam e estiveram (se a gente continuar lendo o texto até a cruz) com ele até o fim. Elas ungiram Jesus para a morte, deram seu testemunho a ele e comprometeram-se a nunca abandoná-lo, esquecê-lo. Por isso, rituais são importantes, ajudam a gente a não abandonar e a não esquecer, a viver na “verdade”.

Como fotografias antigas, rituais ajudam a manter a memória viva e atuante. Ajudam a lembrar que as pessoas que a gente ama não estão sozinhas, nem nós estamos sozinhos no caminho da fé e da ternura compartilhada. Quando a gente ama, qualquer coisa serve para relembrar.

 

Paulo Ueti - Assessor da Pastoral da Criança