Novas possibilidades de ser mulheres e homens Imagens do Deus da Vida e da Misericórdia

       Vivemos atualmente sob várias formas de opressão. Jesus nos chama para um momento novo... na vida, na comunidade, na sociedade, na Igreja. Não podemos silenciar. Precisamos de palavras ações: ficar quietos e quietas, em qualquer nível, não revela o Deus de Amor que se apaixonou pelo mundo.

       Como expressar Jesus neste mundo? Como ser seu sacramento, seu sinal? Como se apaixonar como ele, ao ponto de dar a vida em favor de outros/as? Deve ter sido por causa de seu comportamento comprometido que a prática de Jesus e suas palavras foram tão perturbadoras no seu tempo (será que são ainda hoje?). Ele é um homem diferente do tipo de homem que oprime mulheres (especialmente por causa de crenças religiosas), ele é um homem diferente dos que excluem aquelas que não são como ele. Ele é um homem que se dedicou inteiramente e não teve vergonha disso. Aqueles e aquelas que já se apaixonaram saberão o que isso significa e quais as consequências de tamanha entrega. Por isso, celebramos a Paixão de Cristo

       O texto de Lucas 7,36-50 surgiu para estudo e reflexão num determinado grupo. O tema que surge desse texto é muito difícil de ser tratado, especialmente nas nossas igrejas e práticas pastorais. Como acolher, dar as boas vindas, “hospitalizar” (ser hospitaleiros/as) gente como essa mulher. Como chamar para a mesa (para a comunidade) uma mulher pecadora (vamos lembrar o texto de Jo 8,1-9 também). Normalmente, na doutrina e na legislação de nossas igrejas, nós vamos exatamente para o outro lado: para se achegar à mesa, é necessário não ter pecado (quem poderá fazer parte da mesa então?). Parece que nós ainda estamos escutando os fariseus do tempo de Jesus pregando hoje nas nossas comunidades: Deus/Jesus é apenas para os/as puros/as, para aqueles/as que não têm pecados. Parece que esses pregadores ainda não leram o Evangelho. Ou não escutaram a pergunta: quem não tiver pecado, atire a primeira pedra (Jo 8).

       Textos como esse, dessa mulher (em Lucas) tão intenso, não são meras histórias do tempo de Jesus. Essa historia foi relembrada por alguma razão importante. Vamos refletir porque essa memória especifica surgiu na comunidade (do tempo de Jesus e hoje).

       A questão importante aqui é que um fariseu convidou Jesus para comer na sua casa. Os fariseus são como alguns de nós hoje, boas pessoas de igreja. Eles conheciam a religião, os textos sagrados e as leis muito bem. E eles estavam convencidos de que somente aqueles/as que viviam a correta e estrita prática da lei poderiam merecer amor e salvação de Deus. Algumas outras histórias escritas no Evangelho demonstram esse cuidado exagerado pela prática estrita da lei.

       Eles esqueceram que Deus é, em primeiro lugar, graça e poesia. A comunidade necessita repensar a rigidez na relação às leis (ou à prática dela) e à salvação.

       Muitas vezes isso também acontece nas nossas relações eclesiais e nas nossas reflexões e estudos teológico-pastorais. Nós estamos muito aprisionados pela lei e sua prática formal e estrita e nós esquecemos o amor e a graça de Deus.

       Mas, voltando à nossa história/memória, Jesus chega na casa do fariseu e põe-se à mesa. Depois chega uma mulher, pecadora (segundo Lucas). Ela ouviu que Jesus estaria lá e foi encontrá-lo. Ela chegou una, integrada, cheia de energia (dínamo). Algo dizia a ela que aquele homem, diferente dos outros do seu tempo, a escutaria, a receberia. Ele entenderia o que ela desejava.

       O fariseu, assim como as pessoas ao redor, que pensaram ser melhores do que os/as outros/as porque eram “certinhas”, cumpridores da lei, começaram a reprimir Jesus, por causa da sua atitude “pouco ortodoxa”. Jesus tomou a palavra, então, e ajudou os fariseus a se dar conta de que o principal critério que ele usa (Jesus) é diferente. Amor é o novo critério (perigoso e poderoso – quem ama e amou sabe disso) para a práxis cristã. Os pecados dela são perdoados, porque ela encontrou, enfim, a direção correta para sua vida (pecado significa “na direção errada” ou “errar o alvo”). Ela, aqui, tornou-se um exemplo de como se procura Deus, o exemplo de discipulado. O desejo ou o movimento, entrar em lugares proibidos e fazer coisas que normalmente não fazemos por causa do amor é o caminho correto para Jesus (é por causa de tudo isso que ele foi assassinado pelos opressores). Nós não podemos nos esquecer desse tipo de movimento.

       O critério de fé agora é o “movimento” de nos relacionarmos do mesmo jeito que Jesus fez e não mais simplesmente cumprir a lei. A transformação que aconteceu aqui é que ela deixa sua casa, aceita os riscos. Ela é dedicada aos outros/as para além dela mesma. Não importa aqui o pecado; o pecado não tem mais poder (Rm 6). A atitude da mulher deveria ensinar as igrejas daquele tempo, e quem sabe de hoje também, que o discipulado é cumprido no caminho, na ida para Emaús e de volta para Jerusalém (Lc 24,13-35); com riscos, com desejo sincero e ardente de continuar apaixonado, em direção à vida plena, à felicidade, ao dom gratuito de Deus. A atitude de Jesus deveria ensinar também aos homens outras possibilidades de ser homens, certamente mais compreensivos e acolhedores.

       Essa história diz alguma coisa para nossas vidas e teologias? Deveria!

Paulo Ueti

Assessor da Pastoral da Criança