A INFÂNCIA QUE GERA QUALIDADE
O planejamento, implementação e avaliação de Políticas Públicas não são mais tarefas exclusivas de governos. A Constituição Federal de 1988 assegurou o direito da participação popular nestes processos e a própria realidade vem exigindo novas formas de organização social para a melhoria da qualidade de vida da população.
Em todo o País e em quase todas as áreas estão sendo constituídos Conselhos deliberativos, compostos por representantes do Governo e da sociedade civil. Um grande obstáculo enfrentado por estas instâncias é o acesso a informações claras, precisas, confiáveis. O que existe, na maioria dos casos, são dados fragmentados, às vezes ininteligíveis e ainda pouco socializados.
A REBIDIA vem atender a este tipo de demanda: disponibi- lizar para os formulado- res, executores e avaliadores de políticas, informações organizadas, de forma a possibilitar o fácil entendimento e assimilação para a sua transformação em ação.
Trata-se de uma Rede que pressupõe a participação de todos que, direta ou indiretamente, querem contribuir para a promoção da cidadania infanto-juvenil.
A Fundação Fé e Alegria, o Grupo Esquel Brasil e a Pastoral da Criança, na qualidade de operadores da REBIDIA, aproveitam para saudar a todos os participantes do IV Simpósio Latino-Americano de Atenção à Criança de Zero a Seis Anos e do II Simpósio Nacional de Educação Infantil, colocando-se à disposição dos agentes públicos que se dedicam, cotidianamente, ao exercício de transformar em realidade o ideal de justiça social.
A EDUCAÇÃO INFANTIL EM BELO HORIZONTE
A qualificação de trabalhadores, que atuam com a criança de 0 a 6 anos em creches comunitárias e filantrópicas de Belo Horizonte e Região Metropolitana, tem sido o centro de atenção do Programa de Educação Infantil da Associação Movimento de Educação Popular Integral Paulo Englert - AMEPPE.
O Programa desenvolve ações integradas que visam garantir a elevação da qualidade do serviço das creches e pré-escolas comunitárias, privilegiando três eixos: a formação de coordenadores pedagógicos, educadores e demais trabalhadores das creches; participação dos pais e comunidades nessas instituições; a construção de uma proposta educativa de referência para as creches comunitárias.
Este trabalho articula diferentes ações que, a partir de um mesmo referencial metodológico, privilegiam a participação dos envolvidos, a construção coletiva do conhecimento, a busca da autonomia e a sistematização constante da experiência.
A operacionalização das atividades realizadas pelo Programa de Educação Infantil é efetuada por meio de seis subprojetos integrados que se desenvolvem ora no espaço físico da creche envolvendo seu cotidiano, ora por meio de ações mais gerais de cursos de formação, encontros de intercâmbio, troca de experiências e publicações.
Investimento para formação
A busca da elevação da qualidade do atendimento de crianças de 0 a 6 anos tem sido trabalhada pela AMEPPE por meio de projetos que privilegiam a formação de profissionais situados, estrategicamente, no campo da educação infantil.
Acreditamos que algumas das mudanças no atendimento às crianças em creches passam necessariamente por um investimento na formação em serviço e regular dos profissionais dessas instituições. Por meio da formação é possível construir concepções e refletir sobre a prática do atendimento realizado. Neste sentido, temos procurado sensibilizar os profissionais de creche para a importância do trabalho que vêm assumindo, bem como instrumenta- lizá-los técnica e teoricamente para a realização desta tarefa.
A formação em serviço deve acontecer no interior das creches e fora delas. Temos defendido que é fundamental o encontro sistemático e contínuo dos educadores para se colocarem como pessoas, como profissionais, trocando idéias, experiências, conhecimentos, planejando, refletindo e avaliando, podendo assim investir na construção e na constituição de um grupo de trabalho, com questões e intenções comuns, sendo com certeza o conhecimento a respeito da criança, o aspecto central desse processo.
A formação regular é outro aspecto a ser considerado, dada a realidade das creches comunitárias que possuem em seu quadro de pessoal, educadores que não completaram a educação básica e o 2º grau.
O investimento na complemen- tação dos estudos de 1° e 2º graus justifica-se, primeiro, por se tratar de assegurar um direito básico de cidadania e, segundo, por contribuir na elevação da qualidade do trabalho que vem sendo realizado.
Iniciativas que buscam articular a formação regular e a qualificação profissional, tanto em nível de 1º grau quanto de 2º grau, constituem-se na melhor forma de concretizar o direito e a qualificação profissional.
Neste sentido, uma experiência pioneira no Brasil, vem sendo realizada em Belo Horizonte por meio do oferecimento do supletivo de 1º grau com qualificação profissional, no contexto do projeto "Formação do Educador Infantil de Belo Horizonte", que conta com os seguintes parceiros: Fundação Carlos Chagas, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Instituto de Recursos Humanos João Pinheiro e AMEPPE.
Um aspecto que está intimamente ligado à questão da formação é a profissionalização dos trabalhadores em educação infantil. Sendo um tema sempre presente nas lutas das creches comunitárias, hoje impõe-se como questão emergencial, no sentido de garantir e definir direitos trabalhistas e profissionais
O reconhecimento dos profissionais da educação infantil deve ter como horizonte, além da formação e salário digno, a melhoria das condições de trabalho, a definição de carga horária, o estabelecimento do quadro mínimo de funcionários e a constituição da categoria profissional.
Mesmo definindo a formação como área prioritária de atuação, entende- mos que a questão da elevação da qualidade do atendimento na educação infantil, engloba outros aspectos tão importantes quanto este. Passa, inevitavelmente, por investimentos concretos na reestruturação do espaço físico, em equipamentos e materiais, no estabelecimento de modelos gerenciais compatíveis, na definição do financiamento para a educação infantil, num sistema bem estruturado e acessível de informação, na proposta pedagógica e definições acerca das responsabilidades e competências do Estado e da Sociedade Civil.
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, Minas Gerais, em parceria com a AMEPPE, desenvolveu uma série de indicadores de qualidade a serem observados pelas instituições de atendimento, visando orientar o seu processo de reordenamento.
Considerando trabalhos de diversos especialistas, algumas diretrizes técnicas e políticas já estabelecidas e a realidade identificada através de um diagnóstico preliminar, foi montado um elenco de orientações com o propósito de traduzir no cotidiano do atendimento um novo conceito de qualidade, baseado no paradigma do direito.
Para as diversas áreas que compõem uma instituição foram pautados procedimentos que, estrategicamente, vão implicar na melhoria dos serviços prestados.
Assim, por exemplo, na área de administração, as diretorias, coordenações são orientadas a gerir os recursos humanos, físicos e materiais de forma democrática, considerando os direitos trabalhistas dos profissionais e de participação dos usuários, aqui entendidos como as crianças e suas famílias.
No que se refere à organização, são estimuladas as práticas coletivas de discussão, negociação e decisão. Outro ponto importante dentro deste aspecto é o respeito à razão educador/criança.
Quanto ao espaço, os critérios de segurança, higiene, salubridade e habitabilidade estão descritos de forma clara, além das recomendações para a criação de um ambiente estimulador e aprazível.
No item "nutrição e saúde" figuram orientações sobre o acondicionamento dos alimentos e produtos de limpeza, higiene e sobre a necessidade de articulação com os serviços oficiais de saúde para a promoção de ações preventivas e também curativas.
Maurilane de Souza Biccas Regina Célia Dias
Assessoras do Programa de Educação Infantil da AMEPPE
Regional de Minas Gerais da Fundação Fé e Alegria do Brasil
QUALIDADE DO ATENDIMENTO: O DIREITO EM QUESTÃO
Outro destaque importante é para a área de recursos humanos. Uma grande ênfase é dada para a promoção de oportunidades de capacitação contínua dos profissionais, para o cuidado na formação dos quadros que vão implementar os serviços e com a preservação das boas relações interpessoais dentro da instituição, tanto entre os funcionários, quanto destes com a diretoria e usuários.
Esta primeira parte do roteiro, por tratar de aspectos mais gerais, é dirigida a todas as instituições registradas no Conselho, ou seja, as que compõem a rede de proteção à criança e ao adolescente no município. As outras diretrizes estão especificadas por programas de atendimento, atendendo também ao propósito de explicitar o direito, considerando os interesses e necessidades do público atendido em cada um destes programas.
Em Belo Horizonte e em várias outras cidades, o atendimento às crianças de 0 a 6 anos é executado por creches comunitárias e filantrópicas, basicamente referenciadas na política de assistência social. As orientações para este programa refletem a preocupação do Conselho com a necessidade de um eixo educativo, distinto da escola formal, mas projetado para estimular e desenvolver as potencialidades desta faixa etária.
Os indicadores foram cotejados com os resultados de uma pesquisa realizada no município, onde todas as instituições de atendimento foram visitadas e questionadas. Os resultados deste trabalho estarão sendo apresentados no IV Simpósio Latino-Americano de Atenção à Criança de 0 a 6 Anos que tem como tema central a questão da qualidade do atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Em breve poderão também ser acessados através da REBIDIA.
O estabelecimento de uma política de educação infantil, pautada em indicadores precisos, objetivos, devidamente consensados entre especialistas e profissionais da área, é um critério fundamental para o município que deseja romper com o modelo assistencialista, construindo progressivamente o paradigma de cidadania.
Gláucia F. Barros Sander
Assessora da AMEPPE (Associação Movimento de Educação Popular Integral Paulo Englert),
vinculada à Fundação Fé e Alegria do Brasil Secretária Executiva da Frente de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais
FRENTE DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais é uma instância de articulação das instituições não- governamentais que atuam para a promoção da infância e da juventude, através da intervenção nas políticas públicas e na mudança de concepções sociais acerca deste segmento de cidadãos.
Criada em 1988, a FRENTE se constituiu para ser o canal de interlocução da sociedade civil na implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente no Estado. Para tanto, tem empreendido ações na área da formação de agentes e lideranças sociais, na proposição e monitoramento de políticas e no campo da comunicação social, visando a sensibilização da opinião pública para os novos direitos conquistados pela infância e juventude.
A FRENTE apóia a REBIDIA por reconhecer o enorme potencial desta Rede na consecução dos mesmos objetivos e como importante canal de mobilização social pela efetivação de melhores condições de vida para as crianças e adolescentes de nosso tempo.
SOBRE UVAS, RAPOSAS E COMPUTADORES...
Uma raposa solitária. Um parreiral. Parreiras cobertas de frutos, com muitos cachos de uvas, cheios e maduros, prontos para comer. Porém, altas demais. Cansada pelas tentativas e paralisada frente ao desafio, exclamou: "-Ora, eu não quero mesmo essas uvas! Estão verdes, não prestam."
Há algo dentro de nós adultos que, com maior ou menor intensidade, e em não raras vezes do cotidiano nos transforma como que em raposa diante das uvas. Um bom exemplo deste comportamento é a relação da grande maioria dos adultos com o computador e a cultura da informática.
Digo adultos porque com as crianças a experiência tem se mostrado diferente. Basta contemplar a relação delas com os video games, os multimídias, etc.
Às vezes, críticos de um certo modismo criado pelo mercado da informática e céticos quanto a sua utilidade, chegamos a perceber a importância deste novo conhecimento e a exigência do mercado de apropriação desta cultura, pelo menos para garantir uma mínima e elementar competência profissional. Todavia, este mundo de bits e bytes, assusta!
Muitas vezes ignoramos todo o potencial de serviços, principalmente aqueles que são hoje alguns dos maiores desafios da sociedade brasileira: a informação e a articulação social na construção da democracia participativa.
A agilidade da comunicação, o acesso imediato a inúmeras fontes de dados com informações estratégicas e a articulação em rede com milhares de interlocutores simultaneamente - que faz diferença significativa na correlação de força política -, além do baixo custo operacional, são elementos a serem considerados neste novo instrumental de serviço.
O que isto pode ajudar no dia-a-dia do nosso trabalho? E na ação dos movimentos sociais e dos diversos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares, da Assistência Social, da Educação, e de tantos segmentos da sociedade brasileira? Quando em momentos de avaliação e planejamento, se pensa em comunicação e articulação, as questões que sempre aparecem são: a falta de informações, os altos custos gráficos e de correios e telefones, as distâncias de um país continental, o alto custo das passagens e de hospedagens. Considerando estes limites e sem muitas perspectivas, os movimentos sociais continuam sem comunicação e desarticulados. Em tempos de revolução dos instrumentos comunicativos e de interatividade, com raras exceções, continuamos com estratégias e instrumentos de décadas passadas. Existem outras alternativas?
Nós, instituições inspiradoras e gestoras da REBIDIA, acreditamos que sim. Para tanto, é preciso fomentar, estimular, em nós adultos, a mesma atitude das crianças e adolescentes, de curiosidade, de investigação, de prazer e de desafio frente ao desconhecido. Vencendo os primeiros obstáculos descobriremos que sombras não são fantasmas e que fantasmas não existem! Boa sorte e boas descobertas! As uvas são alimentos saudáveis e deliciosos!
José Donisete P. Oliveira
Coordenador da AMEPPE - Regional Minas Gerais da Fundação Fé e Alegria do Brasil
Conselheiro do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente)