Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente: um Fórum de Informações
Por uma iniciativa do CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, vários municípios e estados se organizaram para realizar as suas Conferências dos Direitos da Criança e do Adolescente.
As Conferências tiveram como objetivos avaliar, no seu âmbito de realização, a implementação dos direitos da população infanto-juvenil e o levantamento de propostas para a consolidação destes direitos.
Vivemos um momento ímpar de coleta, organização e socialização de informações. Agora, que intervenções são necessárias para erradicar situações de violação dos direitos da criança e do jovem? Como potencializar as novas instâncias propostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente? Que estratégias devem ser utilizadas para disseminar novas concepções e novos métodos de atenção à infância e juventude?
A Conferência Nacional tem a responsabilidade de ouvir os resultados das discussões e avançar em relação ao que foi produzido até então. A sua possibilidade de sucesso reside exatamente na capacidade de abordar as dificuldades, os avanços e as perspectivas para a infância e juventude deste país.
A oportunidade é de diálogo entre governo e sociedade civil. É de abertura de livros, bancos de dados; de avaliação sincera do que está acontecendo e da busca coletiva de ações que visem reverter este quadro perverso, absurdo e alheio à vontade da maioria das pessoas.
Parece-nos fundamental apontar a necessidade de um tratamento mais qualificado acerca da metodologia deste encontro, no sentido de ressaltar uma maior atenção à coleta e sistematização de dados orientadas para a sua transformação em informações a serem utilizadas estrategicamente para o planejamento racional de soluções.
Mudar é preciso: a importância dos Conselhos
Os temas escolhidos pelo CONANDA para nortear as discussões em todo o país comportam em si toda a complexidade com que estão envolvidos os Conselhos de Direitos e Tutelares para a consolidação do Estatuto da Criança e do Adolescente no cotidiano da sociedade.
As discussões em torno da questão do Trabalho chegam, inevitavelmente, ao quadro de miséria de grande parte da população brasileira que induz ao trabalho infantil, à exploração do trabalho do adolescente e, o que é pior, a uma concepção social favorável a estas situações, na medida em que reforça a perversa hipótese de que "é melhor trabalhar do que roubar ou passar fome", perpetuando a exclusão e o fracasso dos filhos das classes populares.
Ainda neste viés, deparamo-nos com uma escola lenta, alheia ao seu papel transformador, insuficiente para oferecer uma boa formação, inclusive profissional.
Constatamos a inexistência de uma política de fiscalização: há morosidade e opacidade da Justiça para punir exemplarmente empregadores criminosos.
Em relação à Exploração e Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, a densidade dos debates é ainda maior. Apesar do discurso social de reprovação e repugnância, a incidência é muito alta e as práticas de denúncia, apuração e punição dos agressores é insignificante.
Segundo estudos desenvolvidos pelo Laboratório de Estudos da Criança da USP, de 85% a 90% dos agressores são conhecidos da criança: familiares ou pessoas muito próximas que se utilizam da relação afetiva para o ato libidinoso ou sexual. Esta constatação - extraída de pesquisas sobre os casos denunciados em todo o Brasil - revela a necessidade de uma intervenção psico-social que tenha um impacto na melhoria das condições de vida (em muitos casos há "compensação" financeira), mas que promova - principalmente - uma reflexão do agressor em relação à perversidade de seu ato.
O tema Adolescente Infrator tem produzido - no bojo das discussões acumuladas - a constatação de que ele constitui um dos pontos nevrálgicos da opinião pública em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os desafios impostos pela necessária mudança de metodologia do atendimento, a omissão dos órgãos competentes para operacioná-la, a desinformação de alguns e a resistência de outros acerca desta nova proposta são os principais obstáculos a um enfrentamento social responsável e eficiente do fenômeno da delinqüência juvenil que perpassa todas as classes sociais.
Enquanto prevalecem a perplexidade, a indignação de grande parte dos agentes eleitos para fazer valer os direitos da infância e da juventude, proliferam as tentativas no Congresso Nacional de rebaixar a idade penal, sob o argumento de que a atual legislação favorece a prática de delitos por crianças e jovens. Tudo por não termos sido competentes o suficiente para mostrar - na prática - o que propõe o Estatuto em relação ao adolescente que comete ato infracional.
A análise sobre os Conselhos Tutelares foi outro enfoque recomendado pelo CONANDA. Em torno deste ponto gravitam grandes e pesadas questões: a resistência de muitas prefeituras em constituir e dar condições de funcionamento para o Conselho; a insuficiência de referenciais teóricos e práticos sobre o trabalho; as fragilidades da política de atendimento nos municípios...
Mas, um ponto que tem se apresentado em relatos de diversas regiões do país é o da relação difícil entre Conselho Tutelar e Conselho de Direitos. A complementaridade sugerida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente não tem sido uma realidade na maioria das cidades. Quando existem os dois Conselhos (em muitos municípios existe apenas um) é muito comum não existir coerência entre eles. Ou seja, o Conselho de Direitos trabalha sem ouvir o Conselho Tutelar e este, por sua vez, trata diretamente com o Poder Público, mesmo quando o assunto refere-se à política de atendimento aos direitos, gerando paralelismos, conflitos e pouca efetividade para as necessárias conquistas coletivas.
A discussão sobre Fundos e Orçamento Público incide necessariamente nas incoerências da política de financiamento em todos os níveis. As dificuldades para se operacionalizar o Fundo de Direitos e apurar a complexa teia de rubricas e dotações revelam, na verdade, a distância que persiste para que a participação popular se efetive na definição do investimento público num projeto de desenvolvimento social.
Municipalizar recursos parece ser a principal tônica das propostas que saíram das Conferências. A medida reforçaria a tendência de municipalização das ações, fortalecendo, ao mesmo tempo, o potencial de deliberação local.
Tantas e tão densas questões estão colocadas. É claro que muitas saídas já foram tentadas, algumas bem sucedidas, às vezes interrompidas por episódios eleitorais ou de natureza ainda menos importante. Mas a mudança começa aos pouquinhos, no dia-a-dia. Por isso é fundamental que cada comunidade se auto-avalie, provoque a reflexão, assuma o desafio.
A ocasião pode ser especialmente oportuna para os Conselhos dos Direitos visualizarem os indicadores de mudança propostos pela sociedade e cumprirem - com responsabilidade - o seu papel deliberativo e avaliador das políticas públicas.
Apesar da expressão - principalmente junto à opinião pública - das Conferências Estaduais e Nacional, é no município que grande parte das propostas vai se tornar realidade, contando com a disponibilidade afetiva dos seus cidadãos, com a capacidade de pressão das organizações locais, com o compromisso e competência dos Poderes Públicos, com o envolvimento de todos na construção de uma nova cultura de atenção às novas gerações.
Glaucia Sander
Assessora da Frente de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente de Minas Gerais e da Fundação Fé e Alegria
A REBIDIA foi lançada em outubro de 1996 por três organizações não-governamentais que implementam programas para o desenvolvimento infantil:
* Pastoral da Criança: organismo de ação social da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, é uma entidade filantrópica que atende crianças menores de seis anos nos 27 estados do Brasil, tendo como base a família e a comunidade.
* Fundação Fé e Alegria: movimento latino-americano de educação popular integral, presente no país desde 1980. A AMEPPE - regional Minas Gerais - é sua representante na REBIDIA.
* Fundação Grupo Esquel Brasil: faz parte da rede do Grupo Esquel, que trabalha com o desenvolvimento de alternativas sociais, políticas e econômicas para o continente latino-americano.
A REBIDIA já disponibiliza para os Conselhos e outras instâncias interessadas algumas informações sobre os temas priorizados pelo CONANDA. Gostaríamos de receber os resultados apurados nas Conferências que podem ser enviados por e-mail para REBIDIA. Será mais um passo na construção desta REDE.
Ética e Cidadania na Comunicação
Ontem chegamos euforicamente à Lua, hoje amanhecemos burocraticamente em Marte e, amanhã, talvez queiramos redescobrir o aconchego de nossos espaços domésticos e prestar mais atenção nos efeitos da química do amor em nosso próprio corpo.
Em comunicação, quem sabe conseguiremos encerrar esta década, este século, este milênio, agregando ao lúdico e infantil interesse de lidar com instrumentos e produtos, o encantamento de mergulhar no processo vital de fortalecer as bases de uma ecologia humana?
Chega de Comunicação pela Comunicação. Ou, mais ainda, chega de mitificação da Comunicação. Desvalorizar o discurso sobre a importância da Comunicação não é desvalorizar a importância da Comunicação.
Ao contrário, é viver a essencialidade do processo comunicativo, da mesma forma natural como se considera essencial o ar que se respira, sem discursos, sem modismos costumistas, sem sofisticadas elaborações intelectuais ou tecnológicas.
O que anda faltando ao processo comunicativo antecede a Comunicação porque o que anda faltando mesmo é Ética, Cidadania, Fraternidade, Solidariedade e Eficácia, tendo como base de lançamento a indignação contra a ruindade e, como combustível, o encantamento pela efetiva possibilidade de construção de um mundo melhor.
O que faz diferença para a Humanidade em milhares de mensagens vinculadas em pedras e em papiros? Os textos da Bíblia, hoje organizados em edições, sobrevivem aos tempos e mantêm seus significados por gerações pela importância de seus personagens, pela grandeza das situações relatadas e, enfim, muito mais pelo conteúdo do que pela forma, muito mais pelo que antecede a
Comunicação (isto se torna mais evidente sempre que a Comunicação ganhar o sentido reducionista de veículo, jornais, boletins, revistas, tevês, home-pages, rádios etc - ou de processo comunicativo, jornalismo, publicidade, marketing etc).
Imaginemos a circulação de informações sobre a existência
de pessoas escravizadas. Veiculadas em paredes de cavernas ou pela Internet, estas informações revelam o fracasso de quem ama a liberdade.
Do mesmo modo, os que lidam com crianças e adolescentes precisam se cuidar para que eles e a sua comunicação estejam a serviço de uma nova ordem social pois, neste caso, não há naturalidade. Ou estamos construindo o sucesso ou estamos naturalizando o fracasso.
Portanto, viva a Internet e todo o avanço da informática como instrumento de comunicação. Mas o nosso desafio não é somente sermos eficazes comunicadores na utilização de tantos e contemporâneos meios. Desafio mesmo é sermos, adequadamente, agente do que se comunica como relevante para a ecologia humana.
Demóstenes Romário Filho
Jornalista e membro da Secretaria Executiva do Pacto Minas pela Infância
Este boletim foi impresso com recursos do
Programa Criança Esperança/Rede Globo
Conselho Diretor
Pastoral da Criança
Fundação Fé e Alegria
Fundação Grupo Esquel Brasil
http://www.rebidia.org.br - E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Correspondência:
SAS Q6 BL K - Ed. Belvedere s/801 - Cep 70070-000 - Brasília - DF - Fax (061) 322-1063