"Foi uma verdadeira revolução comunitária", escreveu a médica pediatra e sanitarista Dra. Zilda Arns Neumann sobre a participação das líderes no projeto-piloto iniciado em 1983, em Florestópolis. Há trinta anos, essas líderes foram protagonistas da experiência que iria marcar a história da infância no Brasil.

Pastoral da Criança

“Foi uma verdadeira revolução comunitária. A cada mês eu retornava com a equipe e perguntava o que mais estava mudando. Elas me respondiam que quem estava mudando mais eram elas próprias, pois agora se sentiam responsáveis por todas as crianças e gestantes de sua comunidade”, escreveu a médica pediatra e sanitarista Dra. Zilda Arns Neumann sobre a participação das líderes no projeto-piloto iniciado em 1983, em Florestópolis, município-berço da Pastoral da Criança.

A frase resume bem como a proposta de combater a desnutrição e a mortalidade infantil contagiou corações e mentes das líderes pioneiras da pequena Florestópolis, no interior paranaense. Há trinta anos, essas líderes e tantos outros voluntários foram protagonistas de uma experiência que iria marcar a história da infância no Brasil. Abraçada com entusiasmo e compromisso por esses pioneiros, a causa liderada por Dra. Zilda, ganhou a força de uma cruzada pela redução da mortalidade infantil no município. Em um ano os resultados foram surpreendentes.

Na época, o município tinha o maior índice de mortalidade infantil do Paraná, 127 mortes para cada mil nascidos vivos – índice comparado, na época, com o registrado no nordeste brasileiro. Em um ano, o número de mortes de crianças caiu para 28 por mil. O sucesso da experiência fez com que ela começasse a ser difundida para as cidades vizinhas e depois replicada para todas as regiões do país. Da experiência em Florestópolis, a metodologia desenvolvida por Dra. Zilda ganhou o mundo. Hoje já alcançou 09 países da América Latina, África e Ásia.

“Taí Florestópolis”, disse dom Geraldo

É com orgulho e emoção que as líderes pioneiras falam sobre as primeiras experiências da Pastoral da Criança em Florestópolis. Reunidas neste ano, num sábado de abril, no pátio de eventos da Paróquia São João Batista – igreja onde aconteceu a primeira reunião da comunidade com Dra. Zilda – líderes pioneiras e outras personalidades falaram sobre a mobilização que tomou conta da cidade nos idos de 1983. A escolha de Florestópolis para o projeto-piloto e o envolvimento da irmã Eugênia Pietta no empreendimento são recorrentes nas lembranças das líderes que falaram da história vivida e sentida naqueles primeiros tempos, sem muita precisão sobre tantos números e datas.

Co-fundador da Pastoral da Criança, na época o bispo de Londrina dom Geraldo Majella Agnelo pensava em Florestópolis como alternativa para implantar o projeto. O município, a 100 quilômetros de Londrina, tinha 14.700 habitantes e 74% deles eram boias-frias, que trabalhavam nos canaviais, colheitas de café e de algodão. A participação da irmã Eugênia Pietta, que dirigia a Paróquia São João Batista em Florestópolis, foi fundamental para esta decisão. Casualmente ela apareceu em Londrina, quando Dra. Zilda e dom Geraldo discutiam como mobilizar a população daquele município. “Taí Florestópolis”, teria dito dom Geraldo.

Para Dra. Zilda, a chegada de irmã Eugênia naquela reunião foi “a mão de Deus que inesperadamente se fez sentir”. Irmã Eugênia, freira da Congregação Servas da Caridade, já realizava um forte trabalho social na região. Ficou entusiasmada com a proposta e assumiu o compromisso de reunir um grupo de pessoas para apresentar o projeto na paróquia São João Batista. As pioneiras de Florestópolis reconhecem o papel decisivo que irmã Eugênia teve na implantação e desenvolvimento do projeto na cidade. Ela e irmã Ana Maria Posio eram incansáveis, animando, inspirando e dando o exemplo de trabalho solidário para todos.

Com economia incipiente, cidade pequena dependente de recursos dos governos federal e estadual, eram muitos os problemas sociais e as carências da população, lembra Márcio Francisco de Souza, prefeito de Florestópolis em 1983. “Boias-frias, os trabalhadores não tinham carteira assinada. Na entressafra ficavam desempregados e sem renda para o sustento da família”. Não havia saneamento básico (poucas moradias tinham água encanada) e assistência à saúde. As mães tinham muitos filhos e pouca orientação sobre o desenvolvimento das crianças. O resultado era um alto índice de desnutrição e mortalidade infantil, principalmente no primeiro ano de vida.

É fria ou não é?

“Em 13 de agosto, irmã Eugênia nos reuniu para informar sobre a proposta de uma médica que iria debelar a mortalidade infantil em Florestópolis”, conta Romeu Edson Paulino, que era diretor do ginásio estadual em 1983. Ele não acreditou: “Vi que era uma mentira muito grande. O Estado investe milhões, a metade some e a outra metade não atinge o objetivo. Isso nunca aconteceu e nem vai acontecer”, argumentou. “Mas, mesmo assim, combinamos que a médica viria com dom Geraldo conversar conosco”.

No encontro organizado por irmã Eugênia na Igreja São João Batista participaram casais que já colaboravam com a religiosa na paróquia -, o médico Afonso Murad e outras pessoas da comunidade. “A Dra. Zilda expôs tudo o que queria falar, garantiu que não haveria despesas e nem vínculo político partidário. Pedimos alguns dias para pensar. Naquela noite, ficamos eu e irmã Eugênia até três horas da manhã pensando. Vamos entrar nessa fria? É fria ou não é? E resolvemos aceitar o desafio”, disse Romeu.

No primeiro momento, o poder público não aceitou muito a proposta. Poderia ser concorrência. Os grandes fazendeiros achavam que os líderes iam entrar nas fazendas e ludibriar o povo, fazer o povo voltar-se contra eles. “Falar sobre a realidade da cidade também não iria agradar prefeito ou governador. Então o que fizemos: convidamos a imprensa, jornal e televisão para visitar o cemitério da cidade”.

Naquela época – explica Romeu - “os túmulos das criancinhas eram separados das demais sepulturas. As fotos mostravam todas aquelas pequenas cruzes brancas revelando que a mortalidade infantil na cidade era muito alta. Foi um escândalo. O povo começou a entender a ideia e em quinze dias conseguimos 44 voluntários para trabalhar”.

Ele lembra que em 60 dias foi feito o esboço do estatuto, com os objetivos que seriam atingidos. “Em 90 dias já começamos a ver os resultados porque acredito que tudo que é feito através do voluntariado – em todo o mundo não só em Florestópolis – os objetivos são alcançados. O assalariado não faz isso. O assalariado faz o trabalho pensando no pagamento, o voluntário não, faz de coração ele oferece seu trabalho. Por isso, o efeito veio rápido.”

Desverminação, vacinas e combate ao piolho

Ações simultâneas foram acontecendo em Florestópolis a partir da adesão e mobilização da comunidade. Planejamento da cidade em quadrantes com levantamento de informações sobre a ocorrência de doenças, número de filhos e renda das famílias; treinamento dos voluntários; campanhas coletivas de desverminação, vacinação e combate ao piolho.

“Fizemos primeiro um trabalho de desverminação da garotada, uma campanha coletiva, sem fazer exames, adotando um padrão de dois ou três medicamentos”, lembra Afonso Murad, único médico que atuava na cidade em 1983. “Todas as crianças tomaram o medicamento de acordo com o seu peso, idade e tudo o mais.” Depois, uma campanha relâmpago de vacinação, principalmente para conscientizar as mães sobre a importância da vacina. Campanhas de vacinação em massa ainda eram pouco conhecidas na época. As mães acreditavam que a criança poderia se machucar com a agulha. Ou achavam que a vacina dava reação. “Foi preciso um forte trabalho de conscientização para que o programa fosse aceito.”

Também foram realizadas duas campanhas de combate ao piolho. “Não é brincadeira não! Trabalhamos com onze escolas rurais e mais aquelas da cidade. Todas as crianças passaram pelo tratamento. Era apavorante, foi uma limpeza, havia muito piolho. Da mesma maneira que se fez um trabalho profilático, se fez um trabalho de erradicação”, explica o médico. Em seguida começou a pesagem das crianças. Consulta médica para os mais necessitados e procedimentos exclusivos quando o estado geral de saúde de uma criança era pior do que as demais.

Momento histórico

Atual coordenadora da Pastoral da Criança, Sônia Maria Ferreira Baise era professora em 1983 e participou da primeira capacitação realizada na escola de educação infantil, no prédio da Congregação das Servas da Caridade, onde também moravam as irmãs Eugênia e Ana Maria. “Eram cerca de 120 pessoas, entre professores e também outras pessoas da cidade que se interessaram pela proposta – não tinham tanta escolaridade, mas tinham boa vontade”, diz a coordenadora.

A capacitação foi ministrada pela Dra. Zilda e por profissionais da regional da Secretaria de Saúde de Londrina. Eram cinco ações básicas, dadas simultaneamente em cinco salas, durante cinco dias. O programa enfocava os conceitos básicos para a redução da mortalidade infantil, começando com os cuidados com a casa, higiene, uso do soro caseiro para reidratação oral, amamentação, saúde da gestante, pré-natal, remédios caseiros, chás. Sonia lembra que as líderes mais antigas, as primeiras, fizeram todos os cursinhos de remédios, hortas etc. “Foram três etapas de capacitação até a conclusão para o 'diploma', mas desde a primeira capacitação já começamos a fazer as visitas às famílias”.

“O treinamento foi um momento histórico na cidade. Foi um acontecimento. A cidade só falava nisso”, recorda-se Eunice Vicente Cardoso (Nice). “Depois do treinamento, saímos para cadastrar as famílias que tinham crianças até seis anos e gestantes. Cada setor tinha uma coordenadora com suas líderes. Naquele período nosso trabalho foi árduo. Quando encontrávamos uma criança desnutrida, as irmãs pediam que fôssemos até a casa da criança dar mamadeira até quatro vezes por dia”.

Dra. Zilda não usava a palavra 'errado'. “Ela ensinava que não podíamos chegar cortando o costume, corrigindo as pessoas”, diz Sonia. Ela sugeria como chegar, falar com as mães: 'será que se fizermos assim não vai dar certo? Vamos tentar assim'. Introduzir um conhecimento sem magoar as pessoas. Orientava as líderes para procurarem as benzedeiras. 'Procurem onde tem uma benzedeira que as mães levam as crianças. As benzedeiras dão muitas receitas boas de chás e as mães confiam nelas'.

No início eram 500 famílias acompanhadas. Cada líder acompanhava as famílias em seu setor, verificando a ocorrência de diarreia, ensinando o uso do soro caseiro, incentivando a amamentação. Orientando as mães sobre o cuidado, higiene, a importância da atenção e do afeto com suas crianças. Sonia assumiu a atividade de líder, fazia visitas às famílias e reuniões em sua própria casa para pesar as crianças. A balança chegou logo, era outro modelo, mais parecida com as balanças de açougue.

No princípio, as líderes não contavam com os materiais que têm hoje. Eram anotações que cada uma fazia. No momento da visita, já fazia o peso para descobrir as crianças que mais necessitavam de cuidados e identificação dos desnutridos e desidratados. “No primeiro arrastão fomos descobrir problemas maiores, até de crianças com deficiências, necessidades especiais na cidade e nas fazendas e que não eram do conhecimento de ninguém, as famílias escondiam essas situações”, lembra Sonia.

Parece que foi há cem anos

Na luta pela sobrevivência, também as mulheres iam para a lida nas fazendas e deixavam os filhos pequenos sob a responsabilidade dos irmãos mais velhos. Crianças, também, que pouco podiam fazer para cuidar dos menores. “Tudo aconteceu há trinta anos, mas até parece que foi há cem anos”, diz Nice. As mães não queriam vacinar os filhos, porque acreditavam que dava febre. Faltava informação, conhecimento. “Na campanha da vacina íamos até a casa das famílias, falar com a mãe, com o pai, voltava no outro dia para ajudar a dar banho na criança, ia junto com a mãe levar a criança para vacinar. Depois rezava para não dar febre... e já dava um antitérmico para não dar febre na criança.”

Durante os primeiros cinco anos, Dra. Zilda ia periodicamente à cidade. “Chegou a vir a Florestópolis até cinco vezes por ano, ficando até quinze dias acompanhando o trabalho nas casas com as famílias e as pesagens”, conta Nice. Na capacitação, Dra. Zilda já ia fazendo a reidratação das crianças com o soro caseiro, ia demonstrando a prática. “Aprendemos que não era para cortar a alimentação das crianças em caso de diarreia. Foi um choque, um confronto entre os líderes da Pastoral da Criança, os médicos e hospitais, porque recebemos essa orientação antes dos médicos”.

As líderes tinham dificuldade para entrar nas fazendas, havia muita desconfiança, insegurança das famílias. Foi quando as professoras das escolas rurais começaram a trabalhar como líderes e acompanhar as famílias nas fazendas. “Algumas mães nos recebiam bem, outras eram meio cismadas, mas de um modo geral não tivemos tantos problemas para o acolhimento”, diz Neusa Souza Carnelossi. “Só no começo os familiares ficavam desconfiados, depois percebiam a importância das orientações. Estabelecida a relação de confiança, nos recebiam bem e fomos constatando o desenvolvimento, as mudanças na vida das pessoas.”

Das campanhas coletivas e ações básicas de saúde realizadas pelas voluntárias nas visitas e reuniões com as famílias, o projeto foi agregando outros empreendimentos para reduzir a desnutrição e melhorar a qualidade de vida das famílias acompanhadas. Os trabalhos de base alimentar nos primeiros tempos, lembra o médico Afonso Murad, incluíram a “vaca mecânica”, equipamento para produzir leite de soja, distribuição de sopa, hortas caseiras e depois a horta comunitária que beneficiou as escolas e a Pastoral da Criança durante seis anos.

Com o curso sobre alimentação alternativa, surgiu a ideia das hortas. Romeu Paulino lembra que, depois de uma campanha, já somavam 120 hortas cultivadas pelos moradores entusiasmados com o anúncio de subsídio de 30% na conta de água. Prometido em ano de eleição, o desconto nunca chegou às faturas da conta de água. E mesmo com incentivo - fornecimento de adubo, sementes e orientação técnica para o plantio – as hortas caseiras foram desaparecendo, principalmente pela alta rotatividade dos locatários na cidade. “Faltava conscientização sobre a importância do cultivo das hortas”, diz Murad. Com dificuldade para pagar os aluguéis, os moradores ficavam mudando de casa. E muito deles preferiam destruir as hortas dos quintais a deixá-las para os futuros inquilinos.

Aleitamento materno

O aleitamento materno foi decisivo para combater a desnutrição infantil em Florestópolis. As mães aprendiam que o leite de peito era o melhor alimento para os recém-nascidos, para a proteção contra doenças e o desenvolvimento das suas crianças. Nice lembra que “as primeiras crianças acompanhadas pela Pastoral da Criança eram muito desnutridas. Muito sofridas. Graças a Deus, hoje não morrem mais crianças por desnutrição ou desidratação”.

As líderes encontravam criancinhas tão desnutridas que as levavam para recuperação em suas próprias casas durante o dia e, depois, as entregavam à noite para as famílias. Muitas crianças não tinham forças para sugar e precisavam ser alimentadas com conta-gotas, com colher ou com sondas. “O centro de recuperação das crianças desnutridas, criado pelas irmãs Eugênia e Ana Maria, surgiu dessa necessidade”, conta Sonia.

A creche das irmãs era completa com quartos, fraldário, cozinha, área de banho. Ficou conhecido como “centro de recuperação dos desnutridos”. Recebia as crianças de Florestópolis que precisavam de cuidados. Depois, as cidades vizinhas também começaram a mandar crianças para recuperação na creche das irmãs. “Funcionou durante algum tempo – diz Sonia - depois foi diminuindo o número de atendimentos e concluído que não era mais necessário manter essa estrutura”, devido ao trabalho de prevenção que as líderes estavam fazendo.

Evani de Souza Fogaça e Rosineide Maria Paulino Bianchini continuam trabalhando na escola infantil, no mesmo prédio que abrigou a creche das irmãs Eugênia e Ana Maria. Acompanharam o trabalho das irmãs que se dedicavam todo o tempo no cuidado com as crianças. Reconhecem o papel que desempenharam na liderança e motivação do voluntariado. “Elas sempre ressaltavam a importância do trabalho em equipe, a somar, nunca dividir”, diz Rosineide. “Um exemplo para toda nossa vida. Foi um aprendizado de doação, de entrega, de amor à vida do outro”, completa Evani.

“Nas minhas orações jamais esquecerei da irmã Ana Maria e da Dra. Zilda Arns”, disse a professora Ana Rosa Santos Martins, mãe de trigêmeas geradas na mesma placenta que nasceram em agosto de 1988. Tudo corria bem com o desenvolvimento das meninas. Mas Ana Cristina não sobreviveu a uma doença grave e morreu aos dez meses. “Três dias depois, a Pastoral da Criança – através da irmã Ana Maria – entrou na minha vida”, diz a professora. “Recebi apoio espiritual e cuidados”. A líder Sueli Montecelli Romagnoli passou a acompanhar o desenvolvimento das duas crianças, orientando principalmente sobre a alimentação de Ana Lúcia e Ana Cláudia, lembra a professora.

Um grande laboratório

“Florestópolis foi um grande laboratório”, diz Sueli, ao lembrar que o Caderno do Líder e o saco verde utilizado para pesar as crianças foram idealizados pelas líderes da cidade. “Como só tínhamos a balança, fizemos um saquinho para pesar as crianças: uma ‘calça’ com alças longas para pendurar na balança. Para pesar os bebês foi feito um saco diferente, como um avental, para poder deitar os bebês e recém-nascidos”. De acordo com ela, muitos instrumentos de trabalho da líder vieram da inventividade local. “Algumas coisas foram ficando mais fáceis, perguntas do Caderno do Líder foram simplificadas, e chegando aperfeiçoadas para outras comunidades”.

Assistente social no Centro de Referência e Assistência Social (CRAS), Alessandra Aparecida Figueiredo nasceu em 1983. Sua mãe é líder e ela foi criança acompanhada pela Pastoral da Criança. Lembra-se das reuniões - Celebração da Vida - e dos momentos em que conferiam seu peso na “balança verde”. Parou de ser pesada quando atingiu 25 quilos.

Quando chegou o material impresso, as líderes fizeram treinamento para conhecer e preencher o material. Líderes que na época pouco sabiam escrever, chamavam pessoas da família para acompanhar o treinamento e depois ajudar a preencher o caderno. Também receberam capacitação para utilizar a balança. Para cada novidade, era feita uma capacitação. “Recebemos muito apoio da regional da Saúde de Londrina para os treinamentos e capacitações”, diz Sonia.

Para Sueli também foi “um projeto bem pensado e organizado”. Florestópolis passou a dar treinamento para as outras cidades que iam iniciar o projeto. Cambé, por exemplo, na região metropolitana de Londrina, foi a segunda cidade a implantar o projeto já em 1984, com apoio do prefeito Luiz Carlos Hauly. “Os voluntários vinham até Florestópolis para o treinamento ou as pessoas daqui iam até outras cidades para iniciar o projeto. Tudo o que deu certo ou deu errado, foi corrigido aqui mesmo”, afirma Sueli.

A Pastoral da Criança salvou centenas de crianças e transformou a vida daquelas líderes pioneiras e suas comunidades. “Eu tenho orgulho de ter participado do primeiro momento da Pastoral”, diz Nice. Agentes da promoção humana na comunidade, as líderes também se beneficiaram desse processo. “Eu cresci muito com a Pastoral da Criança – confirma Nice – em cada reunião com as famílias, ou comemoração, eu pegava o microfone e falava. Não me importava muito com as palavras bonitas, o povo me entendia”.

Cleusa Lopes Guimarães foi mãe acompanhada pela Pastoral da Criança. Em 1986, ao chegar a Florestópolis, grávida, recebeu orientação da líder Nice. Fez pré-natal e parto cesariana em Centenário. Depois que a filha Denise nasceu, decidiu ser líder. Fez cursos, aprendeu muito sobre alimentação saudável. Teve um câncer de mama e diz que os conhecimentos adquiridos foram importantes para enfrentar a doença. “Acho que apliquei o que aprendi mais em mim, principalmente sobre a alimentação”.

Líder, mãe de três filhos, Neusa Carnelossi lembra que o projeto a ajudou muito. Aplicou na sua vida os ensinamentos da Pastoral da Criança. Não tinha amamentado os dois primeiros filhos. Mas amamentou a terceira filha por bastante tempo. “Eu aprendi que tinha competência. Aprendia e depois fazia treinamentos sobre aleitamento materno nas cidades vizinhas.” No acompanhamento das famílias, no trabalho com as pessoas mais necessitadas, diz Neusa “eu não só contribuía, mas ganhava muito, fui muito gratificada”.

Políticas públicas

Três décadas depois, as líderes não encontram mais as cenas desoladoras de crianças desnutridas quando visitam as famílias nas comunidades de Florestópolis. Vários fatores contribuíram para melhorar a realidade social da pequena cidade e, entre eles, estão as ações preventivas de saúde, nutrição e educação promovidas pela Pastoral da Criança na atenção às crianças e gestantes. Programas tão bem sucedidos que, muitos deles foram adotados ou adequados como políticas públicas de saúde.

“As visitas que as líderes fazem às famílias, hoje os agentes de saúde do governo também fazem”, diz Sonia Baíse, coordenadora da Pastoral da Criança em Florestópolis. “Os postos de saúde orientam gestantes e mães sobre o uso do soro caseiro, amamentação e tudo mais que a pastoral já fazia há muito tempo.” O acompanhamento das gestantes realizado pelas líderes, hoje também é oferecido pelo Centro de Referência e Atenção Social (CRAS) que vai até a casa da futura mãe. O Programa Leite das Crianças, do governo estadual, beneficia todas as crianças de até três anos cadastradas nos postos de saúde.

Prefeito de Florestópolis no segundo mandato, Onício de Souza diz que o município está mais desenvolvido e organizado para atender a população que busca os serviços sociais. E garante que “sem o trabalho voluntário da Pastoral da Criança, de maneira alguma seria possível trazer tantos benefícios para a cidade”, afirma o prefeito. A atenção do município não está voltada aos menos favorecidos e, sim, a todas as crianças que nascem e têm acompanhamento dos voluntários da pastoral. Pai de um menino de três anos, Onício fala com orgulho que a esposa foi acompanhada pelas líderes durante a gestação. Hoje, as líderes visitam a família para ver como está o peso da criança.

Com investimentos de R$ 1,5 milhão, o hospital do município acaba de ser reformado e ampliado para atender cirurgias eletivas. A melhoria beneficia a população, especialmente as gestantes, que poderão ter seus filhos sem precisar sair da cidade. O atendimento é feito também em quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS). O prefeito conta que a maioria dos convênios vem do governo estadual e que o município “investe 32% do orçamento na saúde, muito além dos 15% definidos por lei”. Onício defende maior investimento do governo federal, outra forma de redistribuição de recursos para reduzir os gastos do município nesta área.

O perfil econômico da cidade pouco mudou nestes 30 anos. A população – em torno de 12 mil habitantes - tem baixo nível de renda e enfrenta o desemprego na entressafra. Uma situação que pode se agravar nos próximos anos com a mecanização do corte da cana na região. “A tecnologia está aí e devemos nos adaptar a essa realidade”, diz o prefeito. A usina de Alto Alegre estuda investimentos e deve abrir novas oportunidades de empregos, informa Onício. “A maioria do pessoal está sendo treinada. Já há cursos para motoristas, operadores de máquinas e outras qualificações”.

Outra preocupação do prefeito e de toda comunidade é com a juventude da cidade. Eles defendem políticas públicas adequadas para tirar o jovem e o pré-jovem das ruas e dos ambientes que os atraem para o consumo das drogas. Uma ação forte que dê continuidade ao trabalho iniciado pela Pastoral da Criança. Programas destinados a promover e incentivar nos jovens os valores da educação e do trabalho. “Hoje as políticas públicas não contemplam este segmento, ele é esquecido”, frisa o médico Afonso Murad.

Florestópolis – ano 30

Laurida dos Santos Silva e Alzira Martins de Souza são duas das 42 líderes de Florestópolis que hoje dão continuidade ao trabalho iniciado pelas pioneiras em 1983. Voluntária há 29 anos, Laurida – conhecida como dona Lola – visita todo mês, no Jardim Floresta, a família de Soraya Vieira Costa, 30 anos, mãe de Kelvin Vinicius, de três anos.

Soraya foi acompanhada durante a gestação por dona Lola. Recebeu as orientações do Guia do Líder e os Laços de Amor, cartelas que ajudam a mãe nos cuidados durante a gravidez e primeiros meses do bebê. Kelvin nasceu de parto normal e foi amamentado até quase dois anos. Os outros filhos de Soraya, com 13 e 8 anos, também foram acompanhados. Hoje, participam da Celebração da Vida junto com a mãe.

Na sala de sua casa, Soraya conta para a líder que Kelvin está aumentando de peso, não teve diarreia no mês. Ficou gripado, foi até a Unidade de Saúde para atendimento e está com todas as vacinas em dia. Soraya também fala que cuida da alimentação dos filhos, colocando em prática a orientação da Pastoral da Criança de servir frutas, verduras e sucos naturais para a família. O pai, Reginaldo – que sai para trabalho no turno da tarde – cumprimenta dona Lola e diz que “é bom contar com a visita da Pastoral da Criança”.

Além de ver o desenvolvimento do pequeno Kelvin, dona Lola comemora outra vitória. A mãe, Soraya, está começando a acompanhá-la nas visitas e em breve irá fazer a capacitação para ser líder da Pastoral da Criança. “As líderes da Pastoral da Criança me ajudaram muito a cuidar da saúde dos meus filhos. Também quero ajudar outras famílias e ver seus filhos crescerem saudáveis”, conta Soraya, segurando o Guia do Líder de dona Lola.

Também em Florestópolis é preciso conquistar mais líderes. Na comunidade Jardim Floresta estão cadastradas 70 crianças que são acompanhadas por três líderes.

Em outra vila da cidade, Alzira Martins de Souza (17 anos de voluntariado) vai visitar “suas famílias” na vizinhança. Veste a camiseta da Pastoral da Criança e carrega o Caderno do Líder. Na casa de Sueli Ferreira Damasceno (38 anos) a conversa flui no quintal, na sombra generosa de uma árvore. Sueli conta que passou anos tentando engravidar e não conseguia por problemas de saúde.

Em 2010, quando já havia desistido, começou a sentir o corpo muito estranho, sentia muito cansaço e procurou o serviço de saúde. Fez exames e os médicos nada diagnosticaram. Não conformada, fez um teste de farmácia que deu positivo para gravidez. Quinze dias depois, nasceu Ana Maria, de parto cesariana com 2,790 quilos. Para a mãe e toda a família foi um susto.

“Como não sabia que estava grávida e não estava preparada, a ajuda de dona Alzira foi muito importante, ela foi companheira de todos os momentos e devo muito a ela”, diz Sueli ao lembrar que tinha pressão alta e gestação de risco.

A pequena Ana Maria foi amamentada desde o nascimento, vai todos os meses ao posto de saúde para pesar e está com as vacinas em dia. A líder Alzira fica feliz em ver a saúde de Ana Maria e o seu desenvolvimento. “Sempre tive vontade de ser líder da Pastoral da Criança. Comecei ajudando e acompanhando em algumas visitas. Agora tenho as minhas famílias e pretendo passar muitos anos acompanhando as crianças da minha comunidade”.

Em 2012, de acordo com o Sistema de Informação da Pastoral da Criança, 42 líderes acompanharam em Florestópolis 458 famílias e 20 gestantes. Todas as gestantes fizeram pré-natal, receberam vacinas e tiveram a altura uterina medida durante as consultas. Também foram acompanhadas 512 crianças até seis anos de idade. Destas, 99,7% estavam com as vacinas em dia. Não há registro de mortes infantis ou nascimento de criança com baixo peso (2,5 quilos) nas famílias acompanhadas.

De acordo com o Censo (IBGE, 2010), a Pastoral da Criança acompanha, em média, 13% das crianças pobres do país. O grande desafio da entidade é aumentar o número de crianças acompanhadas, um objetivo que está sendo atingido em Florestópolis: são 512 crianças acompanhadas enquanto o Censo aponta 309 crianças pobres no município.

 

 

Assessoria de Comunicação
Coordenação Nacional da Pastoral da Criança
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