1747 entrevista identidade racial na infancia

A construção da identidade racial na infância é um processo influenciado pelo meio social ao qual a criança pertence. Desde cedo, meninos e meninas negras percebem como sua cor de pele impacta a forma como são tratados e representados. De acordo com a psicóloga e pesquisadora Margoth Nandes da Cruz, o racismo estrutural cria uma diferenciação entre as pessoas, e isso se reflete nas experiências das crianças. Por isso, é essencial que a sociedade reconheça e combata essas desigualdades para garantir que todas as crianças tenham um ambiente seguro e acolhedor para crescer.

Apesar dos avanços na discussão racial no Brasil, ainda há muitos desafios a serem superados. É fundamental que crianças negras tenham o direito de viver sua infância de forma plena, sem que sua identidade seja reduzida a estereótipos negativos ou tentativas de “embranquecimento”. Para isso, é necessário que famílias, educadores e profissionais da área da infância estejam preparados para acolher, orientar e fortalecer a autoestima dessas crianças.

Nesse contexto, a Pastoral da Criança e seus líderes voluntários desempenham um papel essencial ao oferecer suporte e informações para famílias e comunidades, contribuindo na construção de um ambiente mais justo e inclusivo. A rede de apoio criada por essas lideranças pode ajudar pais e mães a lidarem com as questões raciais de forma sensível e educativa, promovendo a autoestima das crianças negras e fortalecendo a luta antirracista. Na entrevista a seguir, aprofundaremos essa discussão, trazendo reflexões importantes sobre os impactos do racismo na infância e estratégias para a construção de uma sociedade mais equitativa.

 

Saiba mais

Pastoral da Criança - Por uma equidade racial na infância - Dia da Consciência Negra

Espaços educativos sem racismo são indispensáveis para o desenvolvimento integral das crianças | NCPI

 

1747 entrevistado identidade racial na infancia

Margoth Nandes da Cruz, psicóloga formada pela UFPR e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP.

ENTREVISTA COM: Margoth Nandes da Cruz, psicóloga formada pela UFPR e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Tem formação em Psicologia e Relações Raciais pelo AMMA Psique e Negritude. Atualmente, é professora de Psicologia na Fundação Santo André. Atua como psicoterapeuta desde 2018, com prática orientada pela psicologia histórico-cultural.

Margoth, qual é a importância de discutir sobre as questões de identificação e constituição de identidade nas crianças negras?

MARGOTH:

É extremamente importante que a gente discuta sobre as questões raciais, que a gente compreenda a dinâmica racial do nosso país, que foi constituído por uma diferença racial que continua existindo. No nosso processo de constituição de sujeito, nós vamos se entendendo a partir do que dizem que nós somos. Isso vale para a identidade racial. Então, se somos qual a nossa cor, o que se entende por essas identidades da pessoa negra, da pessoa branca e de outras identidades não-brancas, isso também vale para demais características que nos constituem. Se é menino ou menina, se tem ou não uma deficiência, qual é a classe social que a pessoa pertence. Então, no caso das crianças negras, muitas vezes são os adultos e as outras crianças que vão, conscientemente ou não, ter um tratamento diferenciado, determinado pela cor da pele. O mesmo também vale para as crianças brancas, que comumente vão ter um tratamento social mais positivo, e isso também vai impactar na constituição da identidade. Então, é importante para as crianças negras, e também para todas as pessoas, a compreensão de que as relações sociais são importantes na nossa sociedade.

Qual é a importância da representatividade negra no processo de desenvolvimento da criança?

MARGOTH:

O tema da representatividade por si só é bastante importante. É importante que a gente reconheça quais são as representatividades que já existem, o que é referido quando se fala da população negra, sobretudo para as crianças, que já são uma população mais vulnerável. Se a gente pensar numa representatividade positiva, que valoriza os aspectos da população negra e a sua cultura, sim, é extremamente importante. E aí a gente pode compreender também o que são as representatividades negativas que influenciam o processo de desenvolvimento da criança. Isso porque, como eu já mencionei, nós vamos nos entendendo a partir dessas referências que já existem. Então vai fazer muita diferença, por exemplo, no desenvolvimento de uma criança negra, se dizem que o cabelo crespo igual o dela é bonito, ou se dizem o contrário, que é feio, que é sujo. Então é importante esse olhar sobre qual é a qualidade dessa representatividade exposta para a criança e a identificação do que é característico dela com essa referência.

Viva a VidaPrograma de rádio Viva a Vida 1747 – 17/03/2025 – Identidade racial na infância

Esta entrevista é parte do Programa de Rádio Viva a Vida da Pastoral da Criança.
Ouça o programa de 15 minutos na íntegra

Desde muito novas, as crianças negras se deparam com um tipo de “preparação”, dada pelos seus familiares, para situações de racismo que possam vir a encontrar: como devem se comportar, situações que devem evitar e assim por diante. Como deve ser a atitude da família?

MARGOTH:

Casos assim já indicam uma consciência racial, uma consciência de que essa criança é negra, incentivar a negritude dela e de informar sobre como o racismo estrutural funciona na nossa sociedade, o que é distinto já do movimento do mito da democracia racial que eu mencionei anteriormente. Geralmente, esses familiares agem com intenção de proteger a criança de uma futura violência racial que ela possa sofrer, sabendo que sofrer racismo gera muito sofrimento e possíveis prejuízos que são difíceis de mensurar. Nesses casos, eu tenho principalmente duas pontuações. A primeira é de que esse responsável que quer trazer essa orientação para a criança entenda qual é essa idade da criança e a partir dessa idade, qual a comunicação mais adequada para se trazer esse conteúdo, que é um conteúdo delicado, mais importante. Digo isso porque há possibilidades distintas de trazer o mesmo conteúdo para uma criança de 3 anos, para uma criança de 6 anos e para uma criança de 11 anos, por exemplo. Então, buscar aprender um tanto sobre a especificidade da idade da criança negra que quer puxar esse assunto e adequar esse discurso. O segundo ponto é manter uma postura acolhedora, uma postura aberta para discutir sobre isso. E uma postura acolhedora para caso se confirme no futuro a violência racial. Esse trato amoroso e respeitoso, é muito importante em todas as circunstâncias, mas principalmente nesse assunto mais delicado. E, nesse sentido, a psicologia pode contribuir bastante para instruir como realizar esse movimento.

Como você acredita que esse encontro prematuro com a discriminação afeta a construção da sua identidade e subjetividade?

MARGOTH:

Quando nós falamos do encontro com o racismo, nós estamos falando de violência. Duas décadas atrás o Conselho Federal da Psicologia fez uma campanha que tinha a seguinte chamada: “o racismo humilha, a humilhação faz sofrer.” Então nós estamos falando de uma tentativa de humilhar um outro pela sua aparência e racialidade e esse fato por si só já gera muito sofrimento. E quanto mais novo, mais difícil compreender esse ataque e essa ferida, e é difícil também mensurar as marcas que isso gera. E aí a gente vai entendendo também que a criança não tem necessariamente recursos para se auto proteger. Ela precisa de terceiros que façam esse movimento de proteção ou de restauração de um dano sofrido. E aí, nesse sentido, eu vou destacar um ponto também bastante importante: para além da violência quando ela já ocorre, como é lidado com esse acontecimento? O manejo vai ser extremamente importante para o processo de elaboração da experiência. Quando após uma violência a vítima é amparada, recebe zelo e suporte, isso pode reduzir muito os danos da violência sofrida. E o inverso igualmente. Após essa violência, se a vítima é deslegitimada, culpabilizada, essa violência é negada, é gerado isolamento, essa experiência vai ser elaborada de uma forma muito ruim e possivelmente vai ter muito mais danos para o processo do desenvolvimento da criança. Então, ressaltando, para a criança é importante que ela tenha um espaço o mais protegido possível e tenha acesso a esse zelo, seja comentado em relação a isso e que direcione esse fortalecimento da criança com ela mesma. Isso por si só não vai garantir que a criança vai estar imune ao sofrimento, porque o sofrimento faz parte da vida. Mas é diferente nesse sentido das situações de violência estrutural.

 

1747 mensagem identidade racial na infancia

Maria Inês Monteiro de Freitas, Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança..

(MENSAGEM) Maria Inês Monteiro de Freitas, Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança.

MARIA INÊS:

A autoestima de uma pessoa, uma visão positiva sobre si mesma, na maioria das vezes, é formada na infância. Quantas pessoas hoje carregam memórias tristes de preconceitos, bullying, e atitudes e palavras racistas. Por isso, é preciso conversar sobre esse assunto desde a infância, para ajudar a criar uma forte identidade racial nas crianças, para que elas tenham orgulho de ser quem são e como são. Embora não exista momento certo para iniciar essa conversa, quanto mais cedo, melhor, para que a criança tenha informações, quando tiver suas interações sociais, e seja capaz de dialogar em questão de igualdade, ressaltando a beleza e a importância da diversidade, para que também a criança não aceite provocações, nem comentários maldosos sobre sua aparência, seu jeito de agir e ser. Com diálogo, sabedoria, e empatia, podemos orientar as crianças para que percebam que são únicas no mundo, preciosas tal como são, porque são frutos da maravilhosa criação das mãos de Deus.

 

 

Leia a entrevista na íntegra

1747 - 17/03/2025- Identidade racial na infância

 

E SDG Icons NoText 0310º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável

“Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito”

10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra

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Dra. Zilda

“Há muito o que se fazer, porque a desigualdade social é grande. Os esforços que estão sendo feitos precisam ser valorizados para que gerem outros ainda maiores”.

“A luta deve continuar para haver políticas públicas que gerem oportunidades iguais para todos”.

Papa Francisco

“O racismo é um vírus que se transforma facilmente e, em vez de desaparecer, se esconde, mas está sempre à espreita. As manifestações de racismo renovam em nós a vergonha, demonstrando que os progressos da sociedade não estão assegurados de uma vez por todas".