Em tempos de coronavírus, é preciso conversar com as crianças sobre os nossos sentimentos e ouvir delas o que estão sentindo*
O mundo inteiro tem falado e comentado sobre o coronavírus. As notícias são trágicas: falam sobre o número de pessoas que estão contaminadas com o vírus, o número de pessoas internadas em estado grave, o número de pessoas mortas. São informações que deixam qualquer um de nós extremamente preocupados e aflitos. Numa situação como essa, não há como negar que estamos sentindo muito medo. Medo de pegar a doença, medo de morrer, medo de perder pessoas queridas, medo de que nossos filhos se contaminem, medo de que venham a morrer. Enfim, o medo acompanha-nos como a nossa própria sombra. Não tem jeito de escapar dele. Estamos todos com medo. A primeira lição que podemos tirar dessa situação é que: nós, adultos, estamos sentindo medo e estamos inseguros quanto ao que fazer e como cuidar de nós mesmos e das pessoas mais próximas de nós.
O que fazer diante desse cenário?
Felizmente com os cuidados e avanço da vacinação os casos de mortes e estados graves tem reduzido significativamente. Porém não devemos esquecer que ainda estamos em uma pandemia. A primeira ação a realizar é reconhecer para nós mesmos que estamos com medo, sentimos ansiedade, insegurança e que é normal sentir isso.
Não há como fugir do medo que sentimos. Nós não conseguimos esconder de nós mesmos os sentimentos que sentimos. Por isso, precisamos enfrentar o medo. Enfrentar o medo significa dizer para nós mesmos: estamos com medo, mas vamos enfrentar a situação com sabedoria. Vamos ouvir o que as autoridades sanitárias estão nos dizendo, procurar fazer o que for possível fazer e aguardar com serenidade até que tudo possa voltar ao normal. Não adianta desesperar-se. O desespero não afugenta o medo. O desespero não afugenta a doença. O desespero não afugenta a morte. Ele aumenta o medo. Torna-nos fracos diante da doença. Leva-nos a cometer muitos erros. O desespero aumenta o nosso próprio medo e faz crescer também o medo e a insegurança das pessoas, especialmente, das crianças que estão ao nosso redor.
As crianças percebem o nosso medo, a nossa insegurança, ansiedade, mesmo que não falemos com elas sobre isso. As crianças estão sempre atentas e são capazes de perceber o estado emocional dos adultos. As crianças percebem que as ações cotidianas das pessoas da família foram modificadas e, sem explicações, isso gera muita ansiedade nelas. Até uma criança de dois anos já é capaz de perceber que estamos emocionalmente alterados e sente-se muito insegura por isso. Além disso, o dia a dia das crianças também mudou: no início da pandemia elas quase não tinham contato com os avós, até mesmo com muitas restrições para ver e brincar com seus amiguinhos, não iam para a escola, não saíam de casa. Tudo isso foi muito assustador para elas. Agora, mesmo com o retorno de algumas atividades presenciais, é necessário manter os cuidados. Por isso, nós, adultos, não podemos permitir que o nosso medo impeça-nos de reconhecer a angústia, medo e ansiedade das crianças e de dar a elas o nosso apoio.
Assim, a segunda ação a realizar é conversar com as crianças sobre os nossos sentimentos e ouvir delas o que estão sentindo.
Para que nós, adultos, possamos saber como as crianças estão se sentindo, precisamos, antes de mais nada, dar o exemplo. Isso significa que devemos compartilhar alguns dos nossos próprios sentimentos acerca da situação que estamos vivenciando. Não basta dizer para as crianças como elas devem se comportar – lavar bem as mãos com sabão, ficar a certa distância das pessoas, não colocar a mão na boca, etc. – e nem apenas informá-las a respeito do que é a doença, sobre o que é o vírus. Isso, claro, é também importante, mas, mais importante ainda é compartilhar com elas os nossos sentimentos e as nossas esperanças de como, juntos e em colaboração, poderemos enfrentar a situação por que passamos. Quando compartilhamos coletivamente nossos sentimentos, podemos, também juntos, tranquilizar-nos e criar, na medida do possível, um ambiente de relativa serenidade e de coragem para que nossas ações de enfrentamento do problema sejam eficazes.
Não devemos esconder os fatos das crianças, pois elas os conhecerão de algum modo. Então, o melhor é mantê-las sempre bem informadas e conversar sempre com elas sobre o que estamos sentindo e sobre o que elas estão sentindo para não deixá-las sozinhas para lidar com esses sentimentos difíceis. Proteger as crianças significa muito mais saber delas o que pensam e sentem do que evitar que conheçam a realidade dos fatos.
Os pais costumam fazer qualquer coisa para proteger seus filhos do sofrimento: podem achar que não falar sobre os sentimentos e os momentos difíceis é a melhor forma de ajudar. Mas é preciso lembrar que as crianças prestam muita atenção aos sentimentos dos adultos que estão à sua volta e mesmo uma criança de 2 anos é capaz de sentir que seus pais, avós, tios estão com medo e muito ansiosos. Explicar às crianças por que isso está acontecendo é a melhor maneira de diminuir a angústia delas. Se não explicamos honestamente os acontecimentos para as crianças, elas tendem a compreendê-los à sua própria maneira, com a sua própria fantasia e imaginação. Isso pode deixá-las ainda mais inseguras e ansiosas. Mas não basta conversar com as crianças sobre os nossos sentimentos de medo e nossas angústias e ouvir delas o que estão sentindo. Precisamos também, com o nosso exemplo, mostrar a elas que o melhor jeito de lidar com o medo é enfrentá-lo, com coragem e agir sempre uns em colaboração com os outros. Essa é uma oportunidade que os adultos têm para proporcionar à criança a formação de sentimentos de coragem e de solidariedade humana.
Assim, a terceira ação a realizar é mostrar pelo nosso próprio exemplo que o melhor modo de lidar com o medo é enfrentando-o com coragem, colaborando solidariamente com todos.
Ao conversar com as crianças, nós, adultos, precisamos ser honestos e autênticos em relação às incertezas e aos desafios da situação que vivemos, mas sem sobrecarregá-las com os nossos próprios medos e inseguranças. Agindo desse modo, incentivamos as crianças a falarem sobre seus próprios sentimentos e podemos explicar-lhes que é normal sentir medo ou insegurança. Ao mesmo tempo, podemos tranquilizá-las ao mostrar que todos juntos podemos cuidar de todos e de cada um.
Ao mesmo tempo, ao conversar com as crianças, devemos levar em conta que, dependendo da idade, cada uma tem compreensão e sentimentos diferentes a respeito do que está acontecendo. Isso é o mesmo que dizer que cada uma vivencia a situação de modo diferente, dependendo de sua idade. Por isso, é muito importante ouvir o que elas têm a dizer, pois, assim, podemos saber como estão compreendendo a situação e quais são seus sentimentos reais. Isso nos ajudará a saber como agir em relação a cada uma delas.
Os pais às vezes usam especificamente linguagem técnica ou só apresentam fatos para tentar minimizar o sofrimento dos filhos. Mas a ausência de conversas focadas na emoção pode deixar as crianças preocupadas com o estado emocional dos adultos ao seu redor. Essa ansiedade da criança pode fazer que ela evite compartilhar suas próprias preocupações na tentativa de proteger os outros, inclusive os adultos, deixando as crianças sozinhas para lidar com esses sentimentos difíceis.
O Ministério da Saúde preparou uma cartilha que ajuda bastante no momento de conversar com as crianças sobre o coronavírus. Você pode baixá-la aqui.
*Texto adaptado com base nas orientações de Elizabeth Tunes
Elizabeth Tunes possui graduação em Psicologia pela Universidade de Brasília, mestrado e doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é pesquisadora associada da Universidade de Brasília e professora do Centro Universitário de Brasília. Sua atividade de pesquisa focaliza, principalmente, os seguintes temas: conhecimento científico e conhecimento escolar, relação professor-aluno, aprendizagem e desenvolvimento, desenvolvimento psicológico atípico e deficiência mental, processos de escolarização e o significado social da escola.
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